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14 de Maio de 2012 às 23:30

O que devemos ao Egipto

A questão subjacente a grande parte das reflexões sobre o desenvolvimento económico é a seguinte: O que podemos nós fazer para impulsionar o crescimento económico e reduzir a pobreza em todo o mundo?

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A questão subjacente a grande parte das reflexões sobre o desenvolvimento económico é a seguinte: O que podemos nós fazer para impulsionar o crescimento económico e reduzir a pobreza em todo o mundo? O "nós" é, por vezes, o Banco Mundial, por vezes os Estados Unidos e outros países ricos, e por vezes os professores de desenvolvimento da economia, e os seus alunos, apinhados numa sala de aula. É nesta questão que se baseia todo o sistema de apoios ao desenvolvimento.

Mas o que transformou a Tunísia, o Egipto e a Líbia nos últimos dois anos não foram os esforços do mundo exterior para melhorar estas sociedades ou as suas economias, mas sim a vontade dos movimentos sociais de mudar os sistemas políticos dos seus países. Tudo começou na Tunísia, onde a revolução derrubou o regime repressivo do presidente Zine El Abidine Ben Ali. Daí alastrou-se ao Egipto e à Líbia, pondo um fim aos regimes ainda mais corruptos e repressivos de Hosni Mubarak e Muammar Kadafi.

As pessoas que saíram à rua e arriscaram as suas vidas foram alimentadas com a repressão e a pobreza que estes regimes causaram. O rendimento médio no Egipto, por exemplo, é apenas 12% do rendimento médio nos Estados Unidos, e os egípcios têm dez anos a menos de esperança média de vida. Cerca de 20% da população vive em condições de pobreza extrema.

Os manifestantes da praça Tahrir perceberam que a causa da pobreza do Egipto estava no seu sistema político repressivo e violento, no seu governo corrupto, e na falta de igualdade de oportunidades em todas as esferas das suas vidas. Viram os seus líderes como parte do problema e não da solução. Pelo contrário, a maioria dos que estão de fora, questionando-se "O que podemos fazer?", enfatizaram os factores geográficos ou culturais, ou um "ciclo vicioso de pobreza" puramente económico, cujos efeitos devem ser combatidos através de aconselhamento e ajuda externa.

Não deve haver nenhuma ilusão de que a transformação que os manifestantes começaram será muito ténue. Muitas revoluções anteriores depuseram um conjunto de governantes corruptos apenas para substituí-los por outros igualmente corruptos, violentos e repressivos. Desta vez também não há qualquer garantia de que as elites anteriores não sejam capazes de reconstituir regimes semelhantes.

De facto, os militares, que foram o baluarte do regime de Mubarak, são quem manda agora no Egipto, e têm vindo a reprimir, prender e matar os manifestantes que se atrevem a opor-se-lhes. Recentemente, revelaram um plano para escrever uma nova constituição, antes das eleições presidenciais, e a sua comissão eleitoral desclassificou 10 dos 23 candidatos presidenciais, com base em argumentos duvidosos. E, se os militares afrouxarem as rédeas, a Irmandade Muçulmana pode tomar o seu lugar e formar o seu próprio regime, autoritário e não representativo.

Mas também há razões para ser optimista. O génio saiu da lâmpada, e as pessoas sabem que têm o poder de derrubar governos e, mais do que isso, que o seu activismo político tem consequências. É por isso que as pessoas continuaram a encher a praça Tahrir sempre que os militares tentaram consolidar o seu poder e suprimir a dissidência.

Embora, em última instância, seja o povo egípcio quem vai decidir o destino do seu país, podendo finalmente avançar no sentido da criação de instituições políticas mais inclusivas, isso não significa que a comunidade internacional não possa fazer nada. Na verdade, há muitas coisas que "nós" podemos fazer – mesmo que nenhuma delas seja fundamental para o resultado final.

Por exemplo, este ano, os Estados Unidos vão voltar a dar mais de 1,5 mil milhões de dólares de ajuda ao Egipto. Mas quem é que está a receber esses apoios? Infelizmente, não são as pessoas que estão a tentar alterar o futuro do país, mas sim os militares egípcios e os mesmos políticos que governaram o Egipto durante o regime anterior.

O mínimo que devemos ao povo egípcio é deixar de apoiar a sua repressão. Isso não significa cortar a ajuda externa, pelo contrário. Embora a ajuda externa não seja suficiente, por si só, para transformar a sociedade e a economia egípcias, e embora parte dessa ajuda caia nas mãos erradas, pode, ainda assim, fazer algum bem. Mais importante ainda, os Estados Unidos e a comunidade internacional podem trabalhar para assegurar que a maior parte dos fundos não vai parar nas mãos dos militares e dos políticos do costume, mas sim das organizações e das suas causas.

Na verdade, a ajuda externa também pode ser usada como um pequeno incentivo para o diálogo nacional no Egipto. Por exemplo, a ajuda externa podia ser inserida sob a custódia de uma comissão de representantes das diferentes facções sociais, incluindo os grupos da sociedade civil no centro da revolta e a Irmandade Muçulmana, deixando bem claro que sem um entendimento por parte da comissão, a ajuda não será paga. Isto obrigaria os militares e as elites a cooperar com os grupos de oposição que, muitas vezes, tentam marginalizar.

Além de trazer para a mesa das negociações grupos importantes, mas politicamente marginalizados, a tal comissão também poderia produzir um efeito de demonstração. Podendo alcançar-se o sucesso na partilha de poder num âmbito pequeno, isso poderia, eventualmente, incentivar a partilha de poder em larga escala. Pode não ser o tipo de intervenção externa capaz de curar, de um dia para o outro, os problemas de séculos de repressão e de subdesenvolvimento, mas "nós" devemos parar de procurar uma panaceia inexistente, e fazer algo melhor do que alimentar os militares egípcios.



Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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