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O que aí vem

Colaborador há muitos anos em jornais, tenho por regra evitar tratar de assuntos em que me acho directamente envolvido, em particular nos que dizem respeito à minha actividade como artista plástico. Hoje abro uma dessas raras excepções. E já se perceberá

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Esta semana, na sexta-feira, inaugura uma exposição em Lisboa bastante original. Tem como título Bioarte e realiza-se numa Galeria de Arte Contemporânea, embora seja muito diferente daquilo que habitualmente se apresenta neste tipo de espaços e tão radicalmente diferente que a maioria terá muita dificuldade em compreender a profundidade dessa diferença. A referida mostra reúne seis artistas que trabalham num campo novo que cruza ciência com arte, robótica com estética, inteligência artificial com talento pessoal, máquinas com humanos. Nela é possível ver arte gerada autonomamente por máquinas, computadores e robôs, ou ainda criada em simbiose com humanos e outros animais. A título de exemplo refiro para além dos meus robôs pintores, já sobejamente conhecidos e que pintam as suas próprias pinturas abstractas, o pioneiro programa de inteligência artificial de Harold Cohen que gera, por sua própria decisão e originalidade, exuberantes composições figurativas ou ainda os robôs de Ken Rinaldo que pilotados, não pelo programador humano, mas por peixes tropicais, desenvolvem uma peculiar coreografia de sua inteira e autónoma vontade.

Tais obras levantam muitas questões. A mais corrente, mas também a mais banal, é a de saber se se trata realmente de arte. Acontece porém que no nosso tempo se entende como arte aquilo que se apresenta no contexto apropriado. Ou seja, desde Marcel Duchamp que tudo o que é exposto numa Galeria ou Museu, mesmo que seja um monte de lixo - como os frequentadores de tais espaços bem sabem - passa a ser arte. Mais relevante é pois saber qual o significado e interesse cultural destas obras.

Indo direito ao assunto, diria que esta nova forma de arte mais do que transformar ou representar a natureza tem como objectivo criar uma nova natureza. Nesse sentido a beleza estética ou a sensibilidade do autor têm pouca relevância e importa sobretudo saber se a nova vida artificial tem robustez, inteligência própria, autonomia e quando for possível alguma forma de consciência. Ou seja, a arte, mais uma vez e à sua maneira, anuncia e antecipa os tempos que aí vêm.

De facto, apesar da crise política, económica e social que se vive no globo, a civilização humana continua a sua marcha inexorável. Desta vez, entre outras coisas, está em curso um acelerado processo de criação de máquinas inteligentes com uma vida artificial autónoma. Todos os dias a robótica nos apresenta os últimos modelos, sob a forma de algo estúpidos e domesticados pequenos cãozinhos, patéticos andróides que nos imitam ainda muito desajeitadamente ou mais sinistramente revelando os novos assassinos amorais ao serviço da demência militar. Apesar disso a criação de máquinas inteligentes e se possível mais inteligentes do que nós, é imparável. Para o bem e para o mal.

Também no campo da manipulação genética assistimos a extraordinários mas igualmente algo perturbadores desenvolvimentos. A criação directa de vida ou a sua geração através da manipulação de fragmentos de vida existente é uma realidade. E que dizer da nanotecnologia que aproxima a nossa capacidade de fabricação de pequenas máquinas autónomas do nível do atómico, criando verdadeiros enxames de seres artificiais capazes em breve de invadir já não as nossas casas mas as nossas artérias?

Bioarte é por isso uma exposição singular que aborda, e para muitos antecipa, estes temas. Nela assistimos ao entusiasmo do absolutamente novo, por exemplo robôs capazes de criar a sua própria arte, mas também as legítimas dúvidas sobre a relação entre máquinas inteligentes e o homem. Pessoalmente que partilho mais o entusiasmo do que os medos, penso que este novo passo da humanidade representa uma oportunidade e uma necessidade.

Oportunidade de partilhar o planeta com novas e estimulantes formas de vida inteligente; necessidade evolutiva da própria espécie que se encontra claramente num impasse incapaz de realizar o necessário equilíbrio entre o seu destino e o da vida em geral.

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