Opinião
O OE 2006
O mais importante é que o OE 2006 parece querer executar as medidas de contenção da despesa que têm vindo a ser anunciadas pelo Governo. O Orçamento de Estado para 2006 foi aparentemente bem recebido pela sociedade portuguesa.
O mais importante é que o OE 2006 parece querer executar as medidas de contenção da despesa que têm vindo a ser anunciadas pelo Governo. Em particular as medidas que visam reduzir os custos excessivos das reformas da função pública ou o o peso da massa salarial paga pelo Estado aos seus funcionários.
Por outro lado, o aumento substancial das receitas de impostos que se verificam no OE 2006 e que ajudam no curto prazo a reduzir o défice orçamental, são imputáveis ao aumento da taxa normal do IVA de 19% para 21% mas que é uma medida tomada no orçamento rectificativo de 2005 aprovado em Junho passado.
No essencial, o OE 2006 tem uma redução do défice orçamental em contabilidade nacional de 1,4 pontos percentuais do PIB. Este é um aspecto positivo e exigente em particular num ano em que se perspectiva que o crescimento económico de 1,1% será ainda historicamente baixo.
A redução do peso da despesa total no produto, que contribui para uma redução de 0,4 pontos percentuais no défice orçamental seria em circunstâncias normais positiva, só que os valores da despesa total foram empolados no orçamento rectificativo de 2005 o que dificulta a interpretação do grau de esforço de contenção que o Governo irá tentar fazer em 2006. No essencial, o peso da despesa total no Produto Interno Bruto em 2006 regressa ao nível de 2004.
As medidas tomadas no âmbito da Caixa Geral de Aposentações são também positivas. Mas a experiência de Governo em Portugal mostra que estas medidas podem ainda vir a ser travadas por órgãos como o Tribunal Constitucional. Esperemos que tal não aconteça.
O relatório do OE 2006 apresenta ainda o relatório de sustentabilidade da segurança social. Os resultados apresentados, embora não correspondam a um estudo de fundo que proponha uma efectiva reforma estrutural do sistema de segurança social em Portugal, permitem verificar que o sistema não é sustentável. No cenário base prevê-se um défice já em 2007, e que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) estará completamente esgotado em 2015. Ou seja, as pessoas que hoje têm menos de 55 anos e que se reformarem aos 65 não têm a certeza de que o sistema esteja devidamente financiado mesmo que tenham feito contribuições financeiras ao longo da sua vida suficientes para suportar a sua reforma. Claramente algo está mal no nosso sistema de segurança social.
Em suma, em termos dos agregados mais importantes o Orçamento do Estado de 2006 mostra que o Governo está preocupado em fazer contenção orçamental. Pelo menos no curto prazo a preocupação parece agora mais centrada do lado do controlo da despesa e não em gastar mais dinheiro em novos projectos financiados à custa do contribuinte.
Porém, o verdadeiro teste ao OE 2006 (como aliás nos anos anteriores) é a sua execução. Será que o Governo conseguirá cumprir os patamares de despesa que pediu ao Parlamento para aprovar? Só o ano de 2006 dará uma resposta a esta questão. Mas, apesar da existência de medidas importantes de contenção de despesa, estas parecem ainda ser insuficientes quer para garantir a execução de 2006 quer para trazer sustentabilidade às contas públicas, quer ainda para libertar recursos para o sector privado.
Em 2006 os principais desafios parecem ser dois. Em primeiro lugar a reestruturação dos serviços do Estado. O OE assume como pressuposto que esta reestruturação ocorrerá e que produzirá resultados já em 2006. A experiência recente mostra que esta hipótese pode ser optimista. Ainda assim, vale a pena apoiar o Governo no caminho que vier a trilhar nesta direcção, se as medidas visarem reduzir efectivamente a despesa corrente e não apenas permitir a aquisição de equipamento tecnológico caro para a esfera do Estado.
O segundo aspecto onde as medidas parecem ser claramente insuficientes é na esfera da segurança social. Aqui espera-se que o Governo assuma a gravidade do problema e promova as reformas de fundo suportadas em estudo sérios que avaliem diferentes alternativas para o desenho do sistema de segurança social. As pensões de reforma correspondem a compromissos de longo prazo assumidos pelo Estado para com os cidadãos. O Estado, como pessoa de bem, não deveria proceder a correcções avulsas ao sistema, que possam por em causa compromissos assumidos, sem se basear em estudos que demonstrem a superioridade em termos de incentivos, eficiência e equidade de um qualquer novo regime a adoptar. A gravidade do problema exige acção rápida, mas o facto da segurança social representar um contrato de longo prazo entre diferentes gerações de portugueses exige também acção suportada em estudos rigorosos.
Uma reflexão final. A despesa pública em Portugal é extraordinariamente rígida. Mais de 80% da despesa do Estado já foi de facto gasta em anos anteriores. O Estado está obrigado a gastar mais de 80% da sua despesa anual. O OE de 2006 tenta flexibilizar ligeiramente alguma desta despesa rígida. Mas a despesa rígida só se pode reduzir no futuro se o Estado se passar a comprometer menos no presente com despesa futura. Ou seja, o verdadeiro teste à qualidade do OE 2006 não é apenas a execução orçamental, é também o acréscimo de compromissos que no ano de 2006 forem passados para os orçamentos dos anos seguintes.