Opinião
O mundo Pixar
Nas comunidades amorfas, fechadas, paroquiais, as pessoas vigiam-se e constrangem-se. Nas comunidades vibrantes estimulam-se, participam no desenvolvimento colectivo, são exigentes.
A Pixar tem sido uma das mais interessantes empresas americanas dos últimos quinze anos. A companhia deu nas vistas, claro, pela qualidade dos seus filmes de animação, que atraem por igual crianças e adultos. Do ponto de vista do negócio, a qualidade artística foi uma caução, e não um impedimento. Do ponto de vista de gestão, trata-se de um interessante caso de estudo.
Em recente entrevista ao "Expresso", a propósito da estreia de Toy Story 3, dois executivos explicavam o sucesso da Pixar da seguinte forma:
• "o espírito de colectividade que há na Pixar não existe em mais nenhum estúdio 'mainstream' americano";
• "adoramos trabalhar juntos. Se o Andrew [Stanton], por exemplo, me deixa uma nota na secretária, é porque há algo que não está a funcionar bem no meu filme. Não tomo isso como um ataque pessoal ou uma provocação, sei que aquela nota está lá para que o meu filme se torne melhor, e eu faria o mesmo por um filme dele. Este trabalho em equipa valoriza-nos como indivíduos."
As duas afirmações parecem relativamente banais. O facto é que há banalidades muito difíceis de concretizar. Por exemplo, a criatividade parece depender de um forte espírito de comunidade/colectividade. Essa é uma das principais barreiras à inovação: é fácil defender a necessidade de criatividade e de inovação nas empresas, mas é extraordinariamente difícil criar os ambientes onde elas emergem. Por outras palavras, há processos que permitem a gestão da inovação, mas esses processos ocorrem em contextos sociais, em ambientes organizacionais, que podem estimulá-los e alimentá-los ou, pelo contrário, neutralizá-los e esvaziá-los. Retóricas de inovação não criam organizações inovadoras. Não por acaso, em trabalho publicado na Harvard Business Review, Ed Catmull, fundador da Pixar, referia justamente a importância para a empresa da criação de um espírito de comunidade.
Tal espírito de comunidade, todavia, requer exigência e desejo de melhoria. Catmull falava, na peça citada, da Pixar como uma "comunidade vibrante". Nas comunidades amorfas, fechadas, paroquiais, as pessoas vigiam-se e constrangem-se. Nas comunidades vibrantes estimulam-se, participam no desenvolvimento colectivo, são exigentes. Entendem as críticas como materiais para a melhoria. O facto, porém, é que ninguém aprecia uma crítica fora das condições certas. E o ingrediente para a criação das condições certas é a existência de "segurança psicológica", a infra-estrutura relacional que permite que todos os membros de uma unidade (empresa, equipa) estejam conscientes de que só atacando o que está mal ou menos bem se pode progredir colectivamente. Em ambientes psicologicamente seguros, as observações críticas não são tomadas como ataques pessoais ou provocações. São sinais de consideração e respeito.
Na ausência de segurança psicológica, as críticas são cuidadosamente evitadas. Um comentário substantivo pode ser tomado como um ataque pessoal (de resto, uma possibilidade não despicienda). Paradoxalmente, todos podem estar conscientes de que o trabalho não está a ser bem feito mas, mesmo assim, caminharem para o desastre apenas para evitar chatices. A evitação de chatices leva a chatices maiores no futuro.
A segurança psicológica exige uma "estética da imperfeição", a predisposição para aceitar que é possível fazer melhor. Desenvolver uma apreciação estética da imperfeição significa que, mais do que ver o erro como uma mera falha, ele pode ser entendido como uma oportunidade de aprendizagem. Paradoxalmente, as melhores organizações parecem perseguir uma estética de imperfeição, centrada na aprendizagem - e não a busca da perfeição, entendida como erradicação do erro. Desta estética da imperfeição têm nascido alguns dos filmes mais perfeitos dos nossos tempos. Um delicioso paradoxo.
Mais sobre no assunto:
Catmull, E. 2008. How Pixar fosters collective creativity. Harvard Business Review September: 64-72.
Edmondson, A.C. (1999). Psychological safety and learning behavior in work teams. Administrative Science Quarterly, 44, 350-383.
Professor catedrático
Universidade Nova de Lisboa
Em recente entrevista ao "Expresso", a propósito da estreia de Toy Story 3, dois executivos explicavam o sucesso da Pixar da seguinte forma:
• "adoramos trabalhar juntos. Se o Andrew [Stanton], por exemplo, me deixa uma nota na secretária, é porque há algo que não está a funcionar bem no meu filme. Não tomo isso como um ataque pessoal ou uma provocação, sei que aquela nota está lá para que o meu filme se torne melhor, e eu faria o mesmo por um filme dele. Este trabalho em equipa valoriza-nos como indivíduos."
As duas afirmações parecem relativamente banais. O facto é que há banalidades muito difíceis de concretizar. Por exemplo, a criatividade parece depender de um forte espírito de comunidade/colectividade. Essa é uma das principais barreiras à inovação: é fácil defender a necessidade de criatividade e de inovação nas empresas, mas é extraordinariamente difícil criar os ambientes onde elas emergem. Por outras palavras, há processos que permitem a gestão da inovação, mas esses processos ocorrem em contextos sociais, em ambientes organizacionais, que podem estimulá-los e alimentá-los ou, pelo contrário, neutralizá-los e esvaziá-los. Retóricas de inovação não criam organizações inovadoras. Não por acaso, em trabalho publicado na Harvard Business Review, Ed Catmull, fundador da Pixar, referia justamente a importância para a empresa da criação de um espírito de comunidade.
Tal espírito de comunidade, todavia, requer exigência e desejo de melhoria. Catmull falava, na peça citada, da Pixar como uma "comunidade vibrante". Nas comunidades amorfas, fechadas, paroquiais, as pessoas vigiam-se e constrangem-se. Nas comunidades vibrantes estimulam-se, participam no desenvolvimento colectivo, são exigentes. Entendem as críticas como materiais para a melhoria. O facto, porém, é que ninguém aprecia uma crítica fora das condições certas. E o ingrediente para a criação das condições certas é a existência de "segurança psicológica", a infra-estrutura relacional que permite que todos os membros de uma unidade (empresa, equipa) estejam conscientes de que só atacando o que está mal ou menos bem se pode progredir colectivamente. Em ambientes psicologicamente seguros, as observações críticas não são tomadas como ataques pessoais ou provocações. São sinais de consideração e respeito.
Na ausência de segurança psicológica, as críticas são cuidadosamente evitadas. Um comentário substantivo pode ser tomado como um ataque pessoal (de resto, uma possibilidade não despicienda). Paradoxalmente, todos podem estar conscientes de que o trabalho não está a ser bem feito mas, mesmo assim, caminharem para o desastre apenas para evitar chatices. A evitação de chatices leva a chatices maiores no futuro.
A segurança psicológica exige uma "estética da imperfeição", a predisposição para aceitar que é possível fazer melhor. Desenvolver uma apreciação estética da imperfeição significa que, mais do que ver o erro como uma mera falha, ele pode ser entendido como uma oportunidade de aprendizagem. Paradoxalmente, as melhores organizações parecem perseguir uma estética de imperfeição, centrada na aprendizagem - e não a busca da perfeição, entendida como erradicação do erro. Desta estética da imperfeição têm nascido alguns dos filmes mais perfeitos dos nossos tempos. Um delicioso paradoxo.
Mais sobre no assunto:
Catmull, E. 2008. How Pixar fosters collective creativity. Harvard Business Review September: 64-72.
Edmondson, A.C. (1999). Psychological safety and learning behavior in work teams. Administrative Science Quarterly, 44, 350-383.
Professor catedrático
Universidade Nova de Lisboa
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