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O encanto do Sul

Como interpretar a recente apetência migratória pelo México por parte de um número crescente de norte-americanos?

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A corrente económica dominante diz-nos que o futuro está na competitividade dos factores, na procura obsessiva de novos patamares de eficiência e no sacrifício patriótico dos índices de bem-estar da população.

Ou os povos ocidentais prescindem da sua qualidade de vida, transformando-se em robôs chineses, ou estarão condenados a uma condição subalterna no cenário económico mundial.

Em antítese, surgem novos fenómenos e atitudes, por enquanto marginais, mas de primordial importância para a compreensão das tendências sócio-económicas do futuro. Como interpretar a recente apetência migratória pelo México por parte de um número crescente de norte-americanos?

E a Oriente, a que conduzirá o crescente “aburguesamento competitivo”, na deliciosa expressão dos bancos de investimento internacionais? Como reagirá o capital global à notória aspiração por melhores condições de vida, na China ou na Índia? Onde residirão as células cinzentas, as unidades fabris e as indústrias de lazer do futuro?

Na visão linear dos economistas, o planeta tenderia a transformar-se num purgatório competitivo, onde a obsessão produtiva e a concorrência desregrada nos mercados de trabalho substituiriam a segurança e o conforto a que as classes médias se habituaram nos países mais desenvolvidos.

Obrigações e privações acrescidas nos anos de fertilidade laboral, precaridade assistencial na terceira idade – eis a fórmula de sucesso para os países que se “quiserem manter na linha da frente”. Pois bem, dos Estados Unidos chegam exemplos interessantes de homens e mulheres que se recusam a ir por aí.

Escolheram outro caminho. A Sul. A emblemática fronteira de Tijuana, entre o México e a Califórnia, ponto de circulação de dezenas de milhares de mexicanos na sua rota diária de vaivém entre a casa e o trabalho, tem conhecido nos últimos dez anos um movimento inusitado de norte para sul.

Nesse período, estima-se que meio milhão de cidadãos americanos se mudou permanentemente para o México, fazendo do país de Speedy Gonzalez a maior pousada de expatriados estado-unidenses no mundo inteiro.

Ao todo, serão cerca de 600 mil “oficiais”, embora a Administração americana admita que o número real se deve encontrar próximo dos 800 mil. Segundo estimativas informais da Secretaria do Tesouro, em Washington, o número de cheques – da Segurança Social, dos fundos de pensões e dos impostos – enviados regularmente para o México rondará os 750 mil.

Os invisíveis correntes situam-se hoje na ordem dos 15 mil milhões de dólares, contra os nove mil milhões de há dois anos. Durante décadas, quem se mudava para o México eram sobretudo reformados e pensionistas.

Mas agora está a surgir um fenómeno novo, causador de um impacto profundo, tanto no terreno sócio-económico como no cultural. É a Geração Gringo, como é apelidada nas duas margens do Rio Grande. São jovens americanos, trabalhadores, artistas e pequenos empresários, que decidiram partir para o México e aí criar raízes.

Muitos deles tinham ainda recordações fortes de férias escolares passadas em Cancun, onde descobriram um país amigável, relativamente seguro e de alma latina. Agora vêm para ficar.

Numa peça publicada na revista “Time” sobre a Geração Gringo, Josh Tyrangiel caracteriza do seguinte modo a mutação em curso: “Muitos artistas gráficos, estilistas e realizadores de cinema sentiram-se estimulados para mudar a imagem vazia de Tijuana, transformando-a num mosaico de diversidade que não é do primeiro nem do terceiro mundo, numa cultura que não é mexicana nem americana.

O objectivo é, simplesmente, converter a singularidade de Tijuana em arte (?) Tijuana é a primeira cidade warholiana do século XXI”. Hoje, esta nova corrente é designada de Nortece é considerada por muitos o primeiro movimento artístico significativo surgido na América desde a pop-arte dos anos 60.

A sua influência já é dominante em algumas das revistas mais conceituadas da Califórnia, como a Flaunt e a Detour. Quanto aos nativos, têm uma posição ambivalente sobre esta nova invasão. Apoquentam-se porque se lembram de que a última vez que o México experimentou uma vaga semelhante foi num cenário de pré-guerra.

Mas não enjeitam nem hostilizam os invasores. Os poderes públicos mexicanos, no início muito preocupados com a pressão dos imigrantes americanos sobre o sistema nacional de saúde, viram a Medicaid e a Medicare expandir os seus programas para o México.

Afinal, não há nada que o mercado não resolva quando se tem stars & stripes no passaporte.

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