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10 de Abril de 2012 às 23:30

O défice energético

Fiquei surpreendido com a recente cobertura da imprensa norte-americana sobre os preços da gasolina e a política. Os especialistas políticos concordam que os índices de aprovação política estão bastante correlacionados com os preços da gasolina: quando os preços sobem, os índices de aprovação do presidente caem nas sondagens. Mas, tendo em conta a longa história da América em negligenciar a segurança e a capacidade de resistência energética, a ideia de que a administração de Barack Obama é responsável pelo aumento dos preços do combustível não faz muito sentido.

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Fiquei surpreendido com a recente cobertura da imprensa norte-americana sobre os preços da gasolina e a política. Os especialistas políticos concordam que os índices de aprovação política estão bastante correlacionados com os preços da gasolina: quando os preços sobem, os índices de aprovação do presidente caem nas sondagens. Mas, tendo em conta a longa história da América em negligenciar a segurança e a capacidade de resistência energética, a ideia de que a administração de Barack Obama é responsável pelo aumento dos preços do combustível não faz muito sentido.

Passaram-se quatro décadas desde o choque petrolífero dos anos 70. Aprendemos muito com essa experiência. O impacto a curto prazo – como sempre acontece, quando os preços do petróleo sobem rapidamente – foi o de reduzir o crescimento através de uma diminuição do consumo de outros bens, porque o consumo de petróleo não é ajustado de um modo tão acelerado como o de outros bens e serviços.

Mas, a determinada altura, as pessoas acabam por poder reagir, e muitos reagem mesmo, ao baixarem o consumo de petróleo. Compram carros e electrodomésticos com maior eficiência no uso de combustível, isolam as casas e, por vezes, até utilizam transportes públicos. O impacto a longo prazo é, aqui, diferente e muito menos negativo. Quanto maior a eficiência energética, menor a exposição à volatilidade dos preços.

No lado da oferta, há uma diferença semelhante entre as consequências a curto e a longo prazo. No curto prazo, a oferta poderá ser capaz de responder na medida em que exista capacidade de reserva (não há uma capacidade muito grande, neste momento). Tendo em conta um horizonte mais profundo, os efeitos a longo prazo, os mais importantes, adviriam de uma crescente exploração e extracção petrolífera, devido aos incentivos de preços mais elevados.

Tudo isto exige tempo mas, à medida que ocorre, alivia o impacto negativo: as curvas da oferta e da procura alteram-se em resposta a maiores preços (ou em antecipação a maiores preços).

No que diz respeito à política, houve um esforço prometedor no final dos anos 70. Os padrões de eficiência no uso do combustível para automóveis foram legislados e os fabricantes implementaram-nos. De uma forma mais fragmentada, os estados estabeleceram incentivos para a eficiência energética nos edifícios residenciais e comerciais.

No entanto, os preços do petróleo e da gasolina (ajustados pela inflação) entraram num período de várias décadas de queda. As políticas cujas metas pretendiam alcançar a eficiência e a segurança energética falharam, na sua maioria. Duas gerações chegaram a pensar no declínio dos preços do petróleo como uma coisa normal, o que contribuiu para a actual sensação de que tal se trata de um direito legal, e que contribuiu também para a indignação perante preços mais altos e ainda para a procura pelos maus da fita: políticos, países produtores de petróleo e as petrolíferas são todos eles alvo do desprezo nas sondagens à população.

Uma falha substancial na educação sobre os recursos naturais não renováveis está na base da actual opinião pública. Neste momento, tendo investido abaixo do expectável na eficiência e na segurança energética quando os custos de o fazer eram reduzidos, os EUA estão mal preparados para enfrentarem a expectativa de preços reais cada vez mais altos. A política energética tem sido "pró-ciclíca" – o que se opõe à ideia de poupar para utilizar num dia mais negro. Dada a pressão de subida sobre os preços, devido à maior procura pelos mercados emergentes e pelo rápido aumento da dimensão da economia global, esse dia chegou.

Funcionar em contraciclo é uma mentalidade útil tanto para os indivíduos como para os governos. A história recente, nomeadamente a excessiva acumulação de dívida pública e privada, mostra que ainda não a adquirimos. A política energética ou a sua ausência parecem outro exemplo óbvio. Em vez de se adiantarem e de se prepararem para a mudança, os Estados Unidos esperaram para que a mudança se lhes fosse imposta.

A miopia da política energética não está confinada aos Estados Unidos. Os países em desenvolvimento, por exemplo, têm evoluído durante vários anos através de subsídios aos combustíveis fósseis, que acabaram por ser considerados como uma má forma de os governos gastarem os seus recursos limitados. Agora, estas políticas têm de ser invertidas, o que implica desafios políticos e custos.

A Europa Ocidental e o Japão, que são quase, na totalidade, dependentes de fornecimento externo de petróleo e gasolina, comportaram-se ligeiramente melhor. Por razões de segurança e ambientais, a eficiência energética de ambos aumentou através de uma combinação de impostos, de preços no consumidor mais altos e ainda de educação pública.

A Administração Obama está agora a trabalhar no início de uma abordagem razoável a longo prazo para a energia, com as normas de eficiência no uso de combustível para veículos a motor, investimentos em tecnologia, programas de eficiência energética para habitações e exploração ambientalmente sustentável de recursos adicionais. No meio de um duro processo de desalavancagem pós-crise e de uma recuperação teimosamente lenta, concretizar o processo de construção de um novo padrão de crescimento mais sustentável é mais difícil – em termos políticos e económicos – do que teria sido se os Estados Unidos tivessem iniciado esse processo mais cedo.

Ainda assim, é melhor tarde do que nunca. Obama está certo ao tentar explicar que as políticas energéticas eficazes exigem, pela sua natureza, objectivos a longo prazo e um progresso constante para os alcançar.

Costuma-se ouvir a ideia de que os ciclos eleitorais das democracias não são uma boa altura para implementar políticas de longo prazo e voltadas para o futuro. A força de equilíbrio é a liderança que explica os custos e os benefícios de opções diferentes e que une a população em torno de objectivos comuns e de abordagens razoáveis. O esforço da administração Obama de colocar o crescimento e a segurança a longo prazo acima dos benefícios políticos merece, por isso, admiração e respeito.

Se a crítica da governação democrática sobre o "inevitável horizonte a curto prazo" estivesse correcta, seria difícil de explicar como é que a Índia, uma populosa, complexa e ainda pobre democracia, poderia aguentar os investimentos e as políticas a longo prazo exigidas para garantir o crescimento e o desenvolvimento acelerados. Também aqui, a visão, a liderança e a construção de consensos desempenham um papel essencial.

A boa notícia para a segurança energética dos EUA é a de que, em 2011, o país tornou-se num novo exportador líquido de produtos petrolíferos. O preço dos combustíveis fósseis, contudo, deve continuar a seguir a sua tendência positiva.

Uma menor dependência de fontes externas, seguida de modo apropriado, é um desenvolvimento importante. Mas não é um substituto para uma maior eficiência energética, que é essencial para fazer a transferência para um percurso novo e resiliente em direcção ao crescimento económico e ao emprego. Uma vantagem lateral seria desbloquear a enorme agenda internacional para a energia, o ambiente e a sustentabilidade, onde se exige a liderança norte-americana.

Isto exige persistência e uma atenção governamental por um longo período de tempo, o que, em contrapartida, pressupõe um apoio bipartidário. Tal será possível na América de hoje?

Os índices de aprovação consistentemente baixos do sistema político norte-americano derivam, em parte, do facto de este parecer recompensar o obstrucionismo em vez de uma acção bipartidária construtiva. A dada altura, os eleitores vão responder contra um sistema que amplifica as diferenças e que acaba com os objectivos comuns. Nesse momento, a formação de políticas vai regressar ao seu modo pragmático mais eficaz. A questão é quando.



Michael Spence, laureado com o Nobel em Economia, é professor de Economia na Stern School of Business, na Universidade de Nova Iorque, membro visitante do Conselho para as Relações Externas, "chairman" do conselho académico do Fung Global Institute, em Hong Kong, e membro do Hoover Institution, na Universidade de Stanford. O seu último livro intitula-se "The Next Convergence – The Future of Economic Growth in a Multispeed World" (www.thenextconvergence.com).

Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro






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