Opinião
O Código de Governo das Sociedades da CMVM
Na sequência da consulta pública lançada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”) e da avaliação das respostas recebidas, a CMVM publicou em Setembro de 2007 o “Código de Governo das Sociedades da CMVM” (“CGS”).
O CGS representa uma evolução significativa em número de recomendações e questões abordadas quando em contraposição com o conjunto de recomendações saído da revisão de 2005.
Deverá recordar-se que sendo o teor do CGS constituído por recomendações, o que nelas se dispõe não é de cumprimento obrigatório pelas sociedades com valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado, estando, todavia, as mesmas obrigadas pelo princípio “comply or explain”, devendo, em caso de não cumprimento, explicar a razão ou razões pelas quais não cumprem aquelas recomendações.
O documento ora publicado resulta do processo de amadurecimento das propostas de recomendações sujeitas a consulta pública e que foram objecto de análise nesta mesma coluna em Junho de 2007. Face à extensão do documento e à anterior análise ao mesmo, procuraremos dar nota apenas das propostas de recomendações que sofreram alterações na fixação da versão final.
Como já havíamos ressaltado, a primeira grande novidade face às recomendações vigentes é a dedicação de um capítulo ao funcionamento da assembleia geral.
Neste âmbito, deixou a CMVM cair a proposta de recomendação de que o secretário da sociedade deve ser secretário da mesa da assembleia geral. Tal proposta foi abandonada exactamente pela divergência interpretativa face ao actual regime legal, o qual consagra na esfera de competência do secretário da sociedade a obrigatoriedade de lavrar as actas das reuniões dos órgãos sociais (como seja a assembleia geral). Em nossa opinião e conforme tivemos a oportunidade de transmitir à CMVM em sede de consulta pública, a proposta de recomendação aparentava tornar recomendatório o que se devia considerar obrigatório, sem que contribuísse para solucionar a questão associada ao regime de independência dos membros da assembleia geral e a aplicabilidade do mesmo ao secretário da sociedade (que, como se sabe, é designado pelo conselho de administração). Fez, por isso, bem a CMVM em eliminar esta proposta de recomendação da redacção final e aqui se sugere que seja a CMVM a impulsionadora de uma intervenção legislativa necessária à articulação do papel do secretário da sociedade com o papel dos membros da mesa e com os requisitos de independência a que estes estão sujeitos.
Ainda no capítulo relativo à assembleia geral, evoluiu a proposta de recomendação de que a remuneração global dos membros da mesa da assembleia geral fosse divulgada no relatório anual sobre o governo da sociedade, apenas para a consagração de tal obrigação face ao Presidente da mesa da assembleia geral. Também neste ponto a redacção final acompanha os comentários que tivemos oportunidade de transmitir à CMVM, porquanto entendemos que sendo o presidente da mesa a pessoa que dirige os trabalhos e efectivamente decide sobre a admissibilidade ou não de accionistas e de propostas, por exemplo, assume uma preponderância que justifica que os dados sobre a respectiva remuneração sejam autonomizados face aos demais membros da mesa.
No que ao exercício de voto respeita, entendeu a CMVM, e bem, que a antecedência de três dias úteis é suficiente para a recepção de votos por correspondência, por contraposição aos cinco dias úteis constantes da proposta inicial.
Adicionalmente, aceitou a CMVM arrepiar caminho na proposta de recomendação de que correspondesse um voto a cada cem euros de capital, aceitando as pressões de vários intervenientes no mercado que alegaram, e bem, que não fará sentido abdicar do paradigma da democracia accionista que é o princípio “uma acção, um voto” para fixar um limite tão diminuto como cem euros.
Sobre esta matéria deverá afirmar-se que, contrariamente ao que recentemente enunciou a Comissão Europeia sobre o princípio “uma acção, um voto”, os bons princípios de corporate governance aconselham que se caminhe nesse sentido, admitindo-se porém que se estruturem fórmulas de limitar a participação física em reuniões de assembleia geral sem que isso afecte o exercício do direito de voto (ex.: a cada acção corresponde um voto, limitando-se porém a presença física em reunião a quem tenha pelo menos 500 votos, podendo os pequenos accionistas votar por correspondência ou por meios electrónicos).
Sobre as medidas defensivas relativas ao controlo das sociedades, a CMVM retocou a recomendação proposta no sentido de que as normas estatutárias que consagrem limitações ao número de votos que podem ser detidos ou exercidos por um único accionista deverão ser sujeitas a deliberação de confirmação ou não de cinco em cinco anos (contando-se nesta deliberação todos os votos emitidos sem que tais limitações funcionem). Aqui se abdicou da figura da caducidade da norma estatutária que previsse tais limitações, o que, em bom rigor, poderia trazer dificuldades interpretativas sobre a aplicabilidade dessas mesmas normas estatutárias.
No que aos órgãos de administração e fiscalização se refere, a CMVM recuou na recomendação de que o conselho de administração seja composto por uma maioria de membros independentes e que o conselho fiscal, a comissão de auditoria e a comissão para as matérias financeiras (existente no seio do conselho geral e de supervisão) sejam integrados exclusivamente por membros independentes. Quanto ao conselho de administração recomenda-se agora que os administradores não executivos independentes não sejam em número inferior a um quarto do número total de administradores e foi eliminada a recomendação relativa aos órgãos de fiscalização.
No que ao funcionamento do conselho de administração respeita, a CMVM acolheu o comentário de que as competências delegadas em administradores ou em comissão executiva deverão ser identificadas no relatório anual sobre o governo das sociedades. Neste âmbito acrescentou ainda que o relatório anual de gestão deve incluir uma descrição da actividade desenvolvida pelo administradores não executivos e que o órgão de administração deve promover a rotação do membro com o pelouro financeiro, pelo menos no fim de cada dois mandatos.
A proposta de recomendação que previa, entre outras, que matérias como a transformação da sociedade em holding ou qualquer alteração relevante na estrutura de governo da sociedade deveriam ser submetidas à assembleia geral para aprovação num ponto separado da ordem de trabalhos, foi eliminada.
No que aos órgãos de fiscalização respeita, recomenda-se agora que ao invés de proporem anualmente à assembleia geral a confirmação do auditor externo da sociedade ou a sua substituição por outro, deverão agora apenas propor a sua destituição sempre que se verifique justa causa para o efeito.
O texto final do CGS poderá ser consultado em www.cmvm.pt, na secção relativa às recomendações.