Opinião
O adultério de Petraeus e a gestão de crises
Nenhum dos problemas criados pela intervenção ficou resolvido, mas Petraeus, aureolado "Pacificador do Iraque" graças a uma incessante campanha de autopromoção nos "media", criou condições para George W. Bush poder anunciar o início da retirada norte-americana em Fevereiro de 2009 e a completar em 2011.
A queda em desgraça do mais celebrado general das últimas guerras americanas tem um contraponto na falência das estratégias militares no Afeganistão e no Iraque, na conivência dos "media" com campanhas de propaganda e na degradação dos padrões éticos nas forças armadas.
David Petraeus está no centro de um escândalo amoroso com avassaladoras ramificações políticas envolvendo o chefe do contingente norte-americano e multinacional no Afeganistão e indigitado comandante das forças da NATO na Europa, general John Allen.
Paula Broadwell - ex-oficial dos serviços militares de informações, investigadora de assuntos de Defesa, biógrafa e amante de Petraeus - surge em destaque numa teia de amores e ciúmes cuja investigação degenerou numa guerra de competências e suspeitas entre o FBI, a CIA, o Pentágono, o Departamento de Justiça, a Casa Branca e o Congresso.
O escândalo tem também como protagonista Jill Keely, voluntária dos serviços sociais na base da Flórida onde está instalado o quartel-general do "Comando Central" que supervisiona operações militares na Ásia Central e Médio Oriente, com ligações por esclarecer a um agente não-identificado do FBI e ao general Allen.
As fugas de informação sobre adultério e posse não-autorizada de informação confidencial evidenciam comportamentos menos próprios numa altura em que inquéritos sobre abusos em todos os ramos das forças armadas traçam, por seu turno, um quadro inquietante das consequências da profissionalização do serviço militar e do uso crescente de empresas privadas em cenários de guerra.
O choque entre a promoção ideológica das forças armadas como um corpo excepcional e derradeiro bastião do americanismo e liberdade e a realidade de sucessivas missões rotineiras ou brutais tem tirado lustre aos galões e às fardas.
Petraeus tipifica as ilusões do pós-11 de Setembro e da busca de um herói redentor em guerras sem norte.
A um dos mais brilhantes graduados de West Point, posteriormente licenciado pela Universidade de Princeton com um estudo sobre influência militar e uso da força na era pós-Vietname, coube assumir em Fevereiro de 2007 o comando das forças norte-americanas no Iraque quando a guerra civil estava ao rubro.
Um reforço de 30 mil homens serviu para o general testar as suas teses sobre estratégia de contra-insurreição que apontavam, sobretudo, para a garantia de segurança e subsistência económica a núcleos populacionais cada vez mais amplos graças à presença constante de forças militares no terreno.
A expulsão de sunitas na maior parte dos bairros de Bagdade, a cedência de Bassorá a milícias xiitas por parte das forças britânicas, a trégua negociada com o "Exército do Mahdi" do xiita Moqtad Al Sadr, a mobilização de tribos sunitas na província de Anbar contra a "Al Qaeda", a não-interferência do governo central no Curdistão, vieram a conjugar-se no sentido de uma redução da violência para níveis que o Pentágono considerou "toleráveis".
Nenhum dos problemas criados pela intervenção ficou resolvido, mas Petraeus, aureolado "Pacificador do Iraque" graças a uma incessante campanha de autopromoção nos "media", criou condições para George W. Bush poder anunciar o início da retirada norte-americana em Fevereiro de 2009 e a completar em 2011.
Petraeus, após uma comissão como chefe do "Comando Central" a partir do final Outubro de 2008, foi nomeado por Barack Obama em Junho de 2010 comandante das forças no Afeganistão.
A retórica sobre protecção de civis, cooperação acrescida com forças militares e policiais afegãs, combate à corrupção e apoio ao desenvolvimento económico, revelou-se um fracasso, mas serviu o objectivo do presidente.
O general abandonou o Afeganistão em Julho de 2011 e deixou as forças armadas em Agosto, tendo cumprido a sua missão: dar cobertura para mais uma retirada ainda que nenhuma questão estratégica tenha sido resolvida a contento de Washington.
Após assumir a direcção da CIA, em Setembro de 2011, Petraeus viu a sua exposição mediática reduzida ao mínimo, só voltando à ribalta devido à polémica em torno das versões oficiais contraditórias sobre o ataque terrorista ao consulado de Benghazi em Setembro deste ano.
O teórico da contra-insurreição pela conquista da confiança de populações civis tinha-se, entretanto, transformado no patrono da militarização da CIA, do recurso ao assassínio sistemático de suspeitos estrangeiros de terrorismo através, sempre que possível, de veículos aéreos não-tripulados.
O general que sempre apostou na promoção da imagem de estratego ímpar da sua geração, ainda que apenas tenha servido para dar cobertura a retiradas em guerras falhadas, terá agora de pagar por não passar de mais um mito de cuecas na mão.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
http://maneatsemper.blogspot.pt/
David Petraeus está no centro de um escândalo amoroso com avassaladoras ramificações políticas envolvendo o chefe do contingente norte-americano e multinacional no Afeganistão e indigitado comandante das forças da NATO na Europa, general John Allen.
O escândalo tem também como protagonista Jill Keely, voluntária dos serviços sociais na base da Flórida onde está instalado o quartel-general do "Comando Central" que supervisiona operações militares na Ásia Central e Médio Oriente, com ligações por esclarecer a um agente não-identificado do FBI e ao general Allen.
As fugas de informação sobre adultério e posse não-autorizada de informação confidencial evidenciam comportamentos menos próprios numa altura em que inquéritos sobre abusos em todos os ramos das forças armadas traçam, por seu turno, um quadro inquietante das consequências da profissionalização do serviço militar e do uso crescente de empresas privadas em cenários de guerra.
O choque entre a promoção ideológica das forças armadas como um corpo excepcional e derradeiro bastião do americanismo e liberdade e a realidade de sucessivas missões rotineiras ou brutais tem tirado lustre aos galões e às fardas.
Petraeus tipifica as ilusões do pós-11 de Setembro e da busca de um herói redentor em guerras sem norte.
A um dos mais brilhantes graduados de West Point, posteriormente licenciado pela Universidade de Princeton com um estudo sobre influência militar e uso da força na era pós-Vietname, coube assumir em Fevereiro de 2007 o comando das forças norte-americanas no Iraque quando a guerra civil estava ao rubro.
Um reforço de 30 mil homens serviu para o general testar as suas teses sobre estratégia de contra-insurreição que apontavam, sobretudo, para a garantia de segurança e subsistência económica a núcleos populacionais cada vez mais amplos graças à presença constante de forças militares no terreno.
A expulsão de sunitas na maior parte dos bairros de Bagdade, a cedência de Bassorá a milícias xiitas por parte das forças britânicas, a trégua negociada com o "Exército do Mahdi" do xiita Moqtad Al Sadr, a mobilização de tribos sunitas na província de Anbar contra a "Al Qaeda", a não-interferência do governo central no Curdistão, vieram a conjugar-se no sentido de uma redução da violência para níveis que o Pentágono considerou "toleráveis".
Nenhum dos problemas criados pela intervenção ficou resolvido, mas Petraeus, aureolado "Pacificador do Iraque" graças a uma incessante campanha de autopromoção nos "media", criou condições para George W. Bush poder anunciar o início da retirada norte-americana em Fevereiro de 2009 e a completar em 2011.
Petraeus, após uma comissão como chefe do "Comando Central" a partir do final Outubro de 2008, foi nomeado por Barack Obama em Junho de 2010 comandante das forças no Afeganistão.
A retórica sobre protecção de civis, cooperação acrescida com forças militares e policiais afegãs, combate à corrupção e apoio ao desenvolvimento económico, revelou-se um fracasso, mas serviu o objectivo do presidente.
O general abandonou o Afeganistão em Julho de 2011 e deixou as forças armadas em Agosto, tendo cumprido a sua missão: dar cobertura para mais uma retirada ainda que nenhuma questão estratégica tenha sido resolvida a contento de Washington.
Após assumir a direcção da CIA, em Setembro de 2011, Petraeus viu a sua exposição mediática reduzida ao mínimo, só voltando à ribalta devido à polémica em torno das versões oficiais contraditórias sobre o ataque terrorista ao consulado de Benghazi em Setembro deste ano.
O teórico da contra-insurreição pela conquista da confiança de populações civis tinha-se, entretanto, transformado no patrono da militarização da CIA, do recurso ao assassínio sistemático de suspeitos estrangeiros de terrorismo através, sempre que possível, de veículos aéreos não-tripulados.
O general que sempre apostou na promoção da imagem de estratego ímpar da sua geração, ainda que apenas tenha servido para dar cobertura a retiradas em guerras falhadas, terá agora de pagar por não passar de mais um mito de cuecas na mão.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
http://maneatsemper.blogspot.pt/
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