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06 de Setembro de 2006 às 13:59

Japão: um guerreiro nunca morre

O Trono do Crisântemo dará hoje, muito provavelmente, notícia do advento do desejado herdeiro para gáudio dos tradicionalistas, mas será a chegada à chefia do governo de Tóquio de Shinzo Abe, no próximo mês, ...

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O Trono do Crisântemo dará hoje, muito provavelmente, notícia do advento do desejado herdeiro para gáudio dos tradicionalistas, mas será a chegada à chefia do governo de Tóquio de Shinzo Abe, no próximo mês, que irá marcar uma mudança significativa nos equilíbrios estratégicos da Ásia Oriental com a assunção pelo Japão de uma política externa mais interventiva e pautada pelo reforço das suas capacidades militares.

O sucessor de Junichiro Koizumi apresenta como principais prioridades da diplomacia nipónica a supressão da ameaça nuclear norte-coreana, o reforço da aliança militar com Washington e um alinhamento estratégico de contenção da China, designadamente através de um maior empenhamento nas relações com a Índia e a Austrália.

As restrições impostas às forças armadas japonesas pela Constituição de 1947 deverão, assim, ser eliminadas e ao sistema de ensino caberá a promoção da ideia de identidade e orgulho nacionais sem contemplações pelas críticas aos alegados méritos dos projectos de expansão imperial prosseguidos desde o final do século XIX e que culminaram na derrota na Guerra do Pacífico.

A melhoria de relações com a China e a Coreia do Sul contam-se, também, entre os objectivos enunciados por Abe, mas, neste particular, o futuro líder do Partido Liberal Democrático (PLD) reclama um «esforço acrescido» por parte de Pequim e Seul que só pode ser recebido com um esgar de mal-estar por parte de sul coreanos e chineses.

Culpas por assumir

O silêncio de Abe quanto às visitas de altos dirigentes nipónicos ao santuário xintoísta de Yasukuni, em Tóquio – onde se veneram os mortos em combate pelo Imperador, incluindo 14 condenados por crimes de guerra –, alimenta as críticas da esquerda japonesa e dos governos da região, em especial da Coreia do Sul e da China.

A persistente recusa da maior parte dos políticos e intelectuais do Japão em assumirem responsabilidades pelas atrocidades japonesas durante a Guerra do Pacífico inquina as relações com aliados e parceiros regionais.

O pedigree conservador de Abe – filho de um ministro dos negócios estrangeiros nos anos oitenta, sobrinho neto de um primeiro-ministro do final da década de 60 e inícios dos anos 70 e, por sinal, Prémio Nobel da Paz em 1974, além de neto de um chefe de governo no final dos anos cinquenta, anteriormente detido por suspeita de crimes de guerra, mas nunca julgado – e a sua visão tradicionalista e vitimista do Japão como nação injustiçada por um esforço de guerra justificado alimentam as maiores apreensões nos estados vizinhos.

O fim da Constituição pacifista

A Constituição imposta por Douglas MacArthur, que Abe considera «um acto de contrição do vencido ante o vencedor», estipula no seu artigo 9º a «renúncia perpétua à guerra como direito soberano da nação e à ameaça ou uso da força como formas de resolução de disputas internacionais».

Desde a sua criação, em 1955, que o PLD pugna pela revisão da Constituição que nega o «direito de beligerância» e constrange a acção das forças armadas, apesar da interpretação vigente ter permitido a criação de «Forças de Autodefesa», consubstanciadas num corpo de 240 mil homens, com um orçamento anual de 50 mil milhões de dólares, sensivelmente 1 por cento do PIB, mas, ainda assim, suficiente para firmar o lugar do Japão como quinto país em termos mundiais em matéria de gastos militares.

Apesar de o Japão dispor de capacidades tecnológicas para uma rápida reconversão, as suas «Forças de Autodefesa» não dispõem sequer de mísseis de médio e longo alcance, submarinos nucleares ou porta-aviões e a participação em missões internacionais de paz, iniciada nos anos 90, confronta-se com restrições consideráveis.

A proposta de novo texto constitucional aventada pelo PLD no final do ano passado implicará, também, uma revisão do tratado de cooperação mútua e segurança com os Estados Unidos de forma a alargar as responsabilidades militares japonesas.

Abe, num cenário marcado por insolúveis disputas territoriais com a China, a Coreia do Sul e a Rússia, acrescido da letal deriva nuclear de Pyongyang, visa alargar o âmbito da cooperação com os Estados Unidos, na esteira das iniciativas de Koizumi, nomeadamente através da partilha de sistemas de defesa antimísseis e da presença de um porta-aviões nuclear norte-americana numa base no arquipélago.

As leis adoptadas com carácter temporário em 2001 e 2003 para apoio logístico a missões no Afeganistão e Iraque tenderão a ser substituídas por legislação que permita a participação e assistência em forças multilaterais de pacificação ou manutenção da paz, tendendo, a prazo, a eliminar as restrições ao uso de força letal por militares japoneses sujeitos a ataques e, por maioria de razão, à retaliação em caso de acções ofensivas contra ao arquipélago.

Um programa de reforma constitucional terá de ser aprovado por uma maioria de dois terços nas duas câmaras do parlamento e através de maioria simples em referendo nacional, cujos termos ainda aguardam aprovação pela Dieta de Tóquio.

A derrocada do Partido Socialista e a consolidação do Partido Democrático como principal força da oposição no final dos anos noventa criou, no entanto, condições para uma revisão constitucional, mas Abe terá primeiro de passar pela difícil prova das eleições para a Câmara Alta, agendadas para Julho, e tentar alargar a maioria de 135 mandatos frente aos 82 detidos pelo Partido Democrático, num total de 242 deputados.
 
O primeiro passo

Na frente eleitoral aquele que será o mais jovem primeiro-ministro japonês, com apenas 51 anos, pode contar com o efeito benéfico da recuperação económica e do fim da deflação, dois méritos de Koizumi após a sua nomeação em Abril de 2001.

As propostas para obviar ao envelhecimento populacional (21 por cento dos japoneses têm mais de 65 anos e a taxa de fertilidade cifra-se apenas em 1,24 crianças por mulher), vão a par dos planos para limitar a imigração a um máximo de 3 por cento da população o que duplicaria o número actual de residentes estrangeiros, 2 milhões entre os 128 milhões de habitantes do arquipélago.

Os efeitos perniciosos do envelhecimento e da contracção demográfica já se fazem sentir (as projecções apontam para uma quebra da população para o patamar dos 105 milhões em 2050) e obrigam ao incremento de recursos para a assistência social e médica que podem gerar problemas orçamentais e dificultar a obtenção de maiorias parlamentares necessárias ao grande projecto de reavaliação constitucional.

Dois anos como chefe de gabinete e porta-voz do governo, além de secretário-geral do PLD, deram a Abe exposição suficiente para se impor como o herdeiro de Koizumi, num caso exemplar de estratégia de sucessão partidária que exasperará por certo os trabalhistas britânicos, mas está ainda por definir o papel futuro das facções do partido governamental que o primeiro-ministro cessante marginalizou.

As esperadas discussões quanto ao aumento de impostos indirectos representam outro óbice que poderá contribuir para reduzir as possibilidades de Abe impor o seu programa de renovação nacionalista.

A única certeza que sobra resume-se à recusa generalizada por parte da opinião pública japonesa da «diplomacia do cheque» que durante décadas marcou a presença internacional do Japão, em função da pujança económica e financeira, e o predomínio de uma vertente nacionalista que, na ausência da autocrítica pelos malefícios da guerra, ronda perigosamente o culto da nostalgia do excepcionalismo nipónico.

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