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23 de Agosto de 2006 às 13:59

Irão: o princípio do fim

Um ataque militar iraniano a uma plataforma petrolífera romena no Golfo Pérsico precisamente no dia em que Teerão consumava a recusa em suspender o seu programa de enriquecimento de urânio ...

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Um ataque militar iraniano a uma plataforma petrolífera romena no Golfo Pérsico precisamente no dia em que Teerão consumava a recusa em suspender o seu programa de enriquecimento de urânio foi o sinal inequívoco do que o futuro promete agora que está aberta a via dolorosa das sanções.

A partir de Setembro o Conselho de Segurança da ONU discutirá um primeiro pacote de sanções que deverá assumir um carácter essencialmente diplomático, designadamente através da suspensão de vistos para deslocações ao estrangeiro de responsáveis de Teerão. As sanções poderão, eventualmente, estender-se às transferências de tecnologias com possível utilização militar.

Um dos maiores embaraços para estados da União Europeia ou o Japão terá desde logo a ver com as repercussões que a discussão de um eventual congelamento de bens iranianos possa vir a ter sobre os seus contratos de aquisição de petróleo a Teerão.

Os Estados Unidos pressionarão o Conselho para definir um calendário apertado, possivelmente, na ordem dos dois ou três meses, para um posterior agravamento das sanções, visando um bloqueio comercial e financeiro, caso Teerão não suspenda entretanto o enriquecimento de urânio, permitindo, ainda, o acesso incondicional dos inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica às suas instalações nucleares.

No final deste ano, ante os mais que prováveis vetos de Moscovo e de Pequim contra o agravamento das sanções, Washington poderá ver-se na contingência de tentar levar o maior número possível de aliados a impor medidas unilaterais, mas nunca conseguirá isolar o Irão.

É impossível isolar o Irão

Por muito gravosas que se venham a revelar sanções financeiras e comerciais unilaterais, as vendas iranianas de 2,7 milhões de barris de crude/dia terão de prosseguir. Uma eventual redução nas importações de petróleo do Japão, da Coreia do Sul ou de países da União Europeia, como a Alemanha ou a Itália, confronta-se com a extrema dificuldade em encontrar fornecedores alternativos com capacidade de aumentar os actuais níveis de produção.

Para Teerão, por sua vez, a China apresenta-se como o principal mercado alternativo capaz de absorver possíveis perdas de outros clientes se Pequim aumentar a quota de importações de petróleo iraniano que representam, presentemente, 14 por cento das compras chinesas de crude.

As vendas de petróleo equivalem a 80 a 90 por cento das exportações e asseguram cerca de metade das receitas orçamentais de Teerão e só serão significativamente afectadas caso sanções comerciais e financeiras venham a envolver os dois principais parceiros comerciais do Irão: a União Europeia, responsável por 35 por cento das trocas, seguida do Japão, com 12 por cento.

Tóquio, por exemplo, que importa 15 por cento do petróleo do Irão, não tem condições para cortar os fornecimentos do seu terceiro fornecedor após a Arábia Saudita e os Emiratos Árabes Unidos.

O efeito multiplicador sobre os preços do petróleo num cenário de sanções que condicionem as exportações iranianas será inevitável num mercado sem capacidade de produção excedentária para compensar quebras nos fornecimentos do quarto maior exportador mundial. Os demais produtores poderiam colocar no mercado apenas entre 1, milhões a 1,6 milhões de barris/dia para obviar a cortes nos fornecimentos iranianos.

A prazo as consequências serão ainda mais negativas dado o carácter essencial do influxo de capitais estrangeiros para a modernização das infra-estruturas iranianas do sector petrolífero (implicando investimentos calculados em 70 mil milhões de dólares até 2015, segundo estimativas do ano passado da Companhia Nacional de Petróleo) e a expansão da produção de gás natural.

A maior vulnerabilidade da economia iraniana face a sanções económicas e comerciais passa no imediato pela sua dependência na importação de gasolina. O orçamento anual aprovado pelo parlamento em Março contemplava uma redução nas importações de 4 mil milhões de dólares para 2,5 mil milhões, mas o nível de aquisições ao estrangeiro têm-se mantido. Com uma capacidade de refinação na ordem dos 40 milhões de litros dia o consumo ronda os 70 milhões de litros.

Um aumento drástico dos preços da gasolina e produtos refinados, que representam o grosso dos mais de 7 mil milhões de dólares de subsídios anuais ao consumo, faz-se ainda esperar e, consequentemente, persiste o mercado negro de reexportação para os países vizinhos, que, segundo as autoridades, atinge os dez milhões de litros por dia.

Salvo um bloqueio militar dos canais de importação o Irão manterá a capacidade de se abastecer de produtos refinados nos mercados internacionais.

Em conclusão, o efeito inflacionário sobre o petróleo que resultaria da aplicação ao Irão de sanções comerciais e financeiras unilaterais ou sancionadas pela ONU seria insustentável para a economia mundial e mesmo a maioria dos aliados dos Estados Unidos não está em condições de apoiar tais iniciativas.
 
Alto risco de conflito militar

A impossibilidade de isolar economicamente o Irão condena a opção das sanções ao fracasso ante a determinação dos dirigentes de Teerão em dotarem-se de meios de dissuasão nuclear.

As repercussões negativas sobre os mercados de sanções não sancionadas pela ONU que façam perigar o abastecimento de petróleo iraniano condenam à partida as veleidades de isolar Teerão.

A opção de ataque militar unilateral norte-americano confronta-se com problemas insolúveis e é inviável dada a oposição de Moscovo e Pequim que admitem a nuclearização do Irão no prazo de uma década como o menor dos males para os seus respectivos interesses no Médio Oriente, no Mar Cáspio e na Ásia Central.

Três anos passados sobre a confirmação por parte da Agência Internacional de Energia Atómica de que o Irão prosseguia desde a década de oitenta um programa clandestino de enriquecimento de urânio em contravenção ao Tratado de Não Proliferação Nuclear estamos agora no princípio do fim de um tortuoso processo em que Teerão está prestes a obrigar Washington a admitir a sua nuclearização militar.

A instabilidade regional e a radicalização política no Médio Oriente e no Paquistão comprometem, no entanto, todos os cálculos estratégicos e a possibilidade de conflito militar continuará a ser muito alta. Para o presidente norte-americano, a dois anos de terminar o seu derradeiro mandato, as únicas alternativas passam pela aceitação de mais um fracasso ou a fuga para a frente.

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