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23 de Janeiro de 2004 às 15:12

Fechado para balanço

Os clubes de futebol indígenas tornaram-se verdadeiras armas de destruição maciça de dinheiro. E, depois, se o resultado ainda fosse bons espectáculos e não exercícios de luta livre e sinfonias de apito, haveria algumas desculpas no horizonte.

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Os clubes de futebol indígenas tornaram-se verdadeiras armas de destruição maciça de dinheiro. E, depois, se o resultado ainda fosse bons espectáculos e não exercícios de luta livre e sinfonias de apito, haveria algumas desculpas no horizonte.

O futebol português é a imagem real do país: passa parte da existência a viver acima das suas possibilidades. Vive de créditos dispersos e de empréstimos obrigacionistas que vão insuflando a convicção de que há muita saúde financeira em clubes pouco mais do que falidos.

A sucessão de inaugurações de estádios (mesmo com relva cheia de fungos e outras doenças?), a euforia em crescendo sobre o Euro’2004 e as contratações deste mês são um bom jogo de cabra-cega. Parece que ninguém está seriamente interessado em ver que o actual modelo do futebol português é um cadáver adiado. À espera que alguém lhe dê a triste notícia.

Os principais clubes portugueses continuam orgulhosa e generosamente a engordar a sua folha de salários, criando plantéis sem fim. A transformação dos clubes alimentados por mecenas em SAD não trouxe, na generalidade dos casos, bom senso às administrações futebolísticas.

O que as vai salvando é, ainda, a venda de jovens talentos, que maquilham um pouco os gastos em tantos "craques" que surgem todas as semanas em Portugal, vindos dos sítios mais improváveis. Mesmo quando vêm a "custo zero" já se sabe que o seu salário é de valor considerável.

Todos juntos os jogadores dos principais plantéis (a que se juntam dezenas de "emprestados") custam vários "jack_pots" do totoloto. Se dúvidas existissem basta olhar para o FC Porto: mesmo um clube que, na última época, ganhou tudo o que havia para ganhar, lá teve de fazer o seu empréstimo obrigacionista. E nem isso impediu mais umas contratações para o plantel.

Acredita-se que os clubes não tenham a possibilidade legal de emitir moeda e não disponham de poços de petróleo com reservas inesgotáveis, pelo que algum dia a fonte há-de secar. A menos que a fórmula seja, no futuro, a existência de empréstimos obrigacionistas para pagar os anteriores.

Num alegre princípio de bola de neve. Mas como os clubes de futebol ainda não são estâncias de desportos de Inverno, a bola de neve ainda há-de aterrar na cabeça de alguém, um dia destes.

Os clubes de futebol indígenas tornaram-se verdadeiras armas de destruição maciça de dinheiro. E, depois, se o resultado ainda fosse bons espectáculos e não exercícios de luta livre e sinfonias de apito, haveria algumas desculpas no horizonte.

Assim não há. Enquanto os seus principais dirigentes olharem obsessivamente para o espantalho do "sistema" e se esquecerem da profunda reforma que os clubes e as mentalidades instaladas necessitam, nunca se sairá do fado do árbitro que "roubou" a equipa. Foram os dirigentes que buscam debaixo da cama o sinistro "sistema", uma mistura de sr. Freddy Krueger com o sr. Fran_kenstein, que o criaram.

O "sistema" não é mais do que o conjunto de compromissos que ao longo dos anos os dirigentes do nosso futebol celebraram para seu proveito próprio. E que funciona como papas lácteas onde todos se lambuzam à vez. O "sistema" é a desculpa ideal para os cíclicos e constantes dislates dos dirigentes do futebol português.

O "sistema" é o patinho feio do conjunto de Calimeros em que se transformaram os dirigentes do nosso futebol. Que passam a vida a falar das "injustiças" e dos "roubos" e que se esquecem de olhar para o monstro que ajudaram a construir. O "sistema" é o Senhor dos Anéis do futebol português. E todos são tentados pelo seu poder.

É por isso que, às vezes, é divertido escutar o sr. Dias da Cunha na sua cruzada contra o "sistema", lembrando-se sempre quando é "roubado" e esquecendo-se sempre quando é beneficiado. Na sua errância discursiva o sr. Dias da Cunha é o verdadeiro símbolo do "sistema". O dr. Jekyll e o mr. Hyde do futebol português.

O bem e o mal que andam de mãos dadas, inseparáveis. E isso é, verdadeiramente, o "sistema" do futebol português.

É esse "sistema" que continua a permitir que o futebol português viva como se fosse um aristocrata com fama de rico e cujos anéis estão todos penhorados.

O futebol português pensa que é um centro comercial quando não é mais do que, pela própria dimensão do país, uma loja dos trezentos. A questão é que há quem não queira reconhecer a evidência e continue a viver embalado pela ideia que o futebol nacional é uma Branca de Neve impoluta. Não é. Os seus problemas precisam de ser tratados.

Antes que seja demasiado tarde.

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