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Esboço para um retrato de mordomo

A barafunda que vai no PS sobre o apoio que o partido deu à reeleição de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia resulta, novamente, da tineta autoritária de José Sócrates. Foi este, pelos vistos e ouvidos...

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A barafunda que vai no PS sobre o apoio que o partido deu à reeleição de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia resulta, novamente, da tineta autoritária de José Sócrates. Foi este, pelos vistos e ouvidos, grande amigo daquele, que o impôs. O PS, no seu todo ou mesmo em parte, não foi indagado nem achado sobre o assunto. Ora, Durão Barroso não é muito querido dos socialistas, nem sequer de muitos sociais-democratas. Como tem acentuado Mário Soares, o homem é dado a duas e três lealdades, e foi o mordomo da "Cimeira da Vergonha", nos Açores, que incendiou o mundo e colocou no banco dos réus os senhores Bush, Aznar e Blair.

Durão é uma sobra, mas nem por isso menos vergonhosa. Vimo-lo, com aquele sorriso de pé-de-cabra, bajulando Bush. Vemo-lo, com o mesmo sorriso, agarrado a Obama. Notoriamente, os dois desprezam-no. Há, na configuração moral de Durão, algo de amolgado. Não é pessoa para merecer a nossa reverência e o nosso respeito.

Na Comissão Europeia mais não tem feito do que seguir o cherne. A metáfora, contida no famoso poema de Alexandre O'Neill, e tão curiosamente citada pela esposa de Durão, reflecte o estofo do homem e o estilo do político. Nos corredores de Bruxelas é objecto de devastadoras anedotas. Aqui, modestamente, em Portugal, ninguém o toma a sério. É uma figurinha ridícula, por vezes patética. O português comum vê-o como um arfante maratonista da vidinha; e sorri, ante tantas demonstrações de sinuosidade, antes de o reduzir àquele lote de espertalhões de que a política portuguesa foi empanturrada.

Estamos, ou não, fartos desta gentalha, ausente de convicções, desprovida de grandeza, apenas propensa a tratar de si e cuidar da família? Tem sido a nossa indiferença, a nossa ignorância e a nossa tradicional moleza de espírito que fez nascer uma corja alapada no poder e que vai corroendo os já débeis alicerces de uma democracia incumprida.

Durão Barroso é o exemplo típico de uns tantos que não querem perder tempo com ninharias anacrónicas como a honra, a inteireza de carácter, o espírito de missão. Foi maoísta denodado e virulento, fase religiosa ultrapassada por outra fase religiosa; frequenta amigos da Direita do sarrafo; vai à Europa tomar ares; de súbito, a morte de Sá Carneiro estremece-o de comoção e de assombro. Tudo indica que teve uma visão transcendente do destino. Vemo-lo, curvado de humildade e de dócil submissão, ante o dr. Cavaco. O dr. Cavaco teria notado, em Durão, a figura de um jovem turco, emoldurado em oval, com fundo carmesim envelhecido. Ademais, segundo a interpretação do dr. Cavaco, era sério, católico, bom chefe de família. A carreira conservadora e casta do ex-maoísta começou aí. No Ministério dos Negócios Estrangeiros era olhado de viés pelo titular da pasta, João de Deus Pinheiro, "bon-vivant", mais dado às alegrias do golfe e às festivas visões de mulheres bonitas do que às maçadoras subtilezas das artes diplomáticas.

Nos intervalos destas estopadas ("amolações", diria o Palma Cavalão) citou Maria Gabriela Llansol, ninguém percebeu porquê. Era, somente, para atribuir ao discurso uma "nota cultural", numa terra e num tempo em que o dr. Santana falava no concerto para violino, de Chopin; e o dr. Cavaco confundia Tomas Mann com Tomas Moore.

Não tardou a ascensão imparável de Durão. Até chegar a fugaz primeiro-ministro e, logo-logo, aceitar as funções de representante intelectual dos Estados Unidos na Comissão Europeia foi um ápice, foi um sopro, foi um espanto. Sabe-se o que tem sido e é a trajectória de Durão. Uma mediocridade desembaraçada; um passo estugado, falsamente demonstrativo de intenso dinamismo; e, sobretudo, aquele sorriso que se tornou medonho e grotesco com o decorrer dos anos.

No entanto, não creio que Durão Barroso seja, ou alguma vez o foi, "símbolo do neoliberalismo." O homem não possui categoria, é tido como um sujeito menor no contexto dos políticos que andam e, na realidade, mandam na Europa. Sempre serviu de mandarete dos norte-americanos, como, aliás, se tem registado, ou dos interesses das estratégias do eixo França-Alemanha. A verdade aí está, hedionda e poderosa: ele segue o rumo dos ventos e, ao contrário do que nos foi inculcado, em notícias e reportagens e crónicas subscritas por antigos camaradas maoístas, jamais Durão Barroso beneficiou Portugal, escassamente que fosse. Nem, sequer, o poderia fazer.

Confesso: chego a ter pena de Durão Barroso e dos tristes papéis que desempenha, sem brio e sem amplitude; zeloso, obediente, ausente de um arrebique, de uma bizarria, de um protesto. Coitado! Lá está ele a sorrir aquele funesto sorriso do inconvicto. Um homem que talvez pudesse ter sido e não foi: é, modicamente, um destinatário, nunca um remetente. É pena.
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