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27 de Fevereiro de 2006 às 14:00

Economia e negócios

O país está a viver a duas velocidades: a lenta da economia e a veloz dos negócios. A lentidão da economia é de anos – mais anos do que todos supúnhamos–, a velocidade dos negócios tem meses. Ou mesmo semanas.

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O país está a viver a duas velocidades: a lenta da economia e a veloz dos negócios. A lentidão da economia é de anos – mais anos do que todos supúnhamos–, a velocidade dos negócios tem meses. Ou mesmo semanas.

Semanas de negócios a sério. Se as notícias deste jornal são um espelho da actividade empresarial, então essa vertigem dos negócios está documentada. O que se está escrever por estes dias não tem paralelo nos «períodos homólogos», como se diz em linguagem financeira.

A Gescartão será a empresa mais importante do mundo para quem a gere ou nela trabalha, mas convenhamos que como única OPV em anos não é estimulante. O «leilão» da Lusomundo ou a compra da Compal dão títulos saborosos, mas operações de 500 milhões de euros não são para estar no Guiness.

A essa anemia de anos sucede agora o afã. Amorim entra na Galp a cinco mil milhões, a Sonae quer comprar a PT a 16 mil milhões, há grandes OPV datadas, a bolsa duplica a liquidez e bate resistências (demorou uma eternidade chegar aos 9.000 pontos, daí até aos 9.500 foi um ápice), o Governo anuncia seis mil milhões de investimentos em catadupa, Patrick Monteiro de Barros quer construir, Pedro Queiroz Pereira constrói mesmo, Berardo coloca-se a jogo, os fundos de investimento internacionais mostram-se, em Espanha há OPA hostil à Endesa e depois OPA hostil ao Governo e nós aqui a ver o que acontece à EDP, e mais, mais, projectos que desemburram à custa dos PIN, intermediários que facturam mais serviços, corretores que cobram mais comissões, bancos que financiam mais, «private equity» que investe, e no entanto...

E no entanto o desemprego continua a aumentar, os salários reais a diminuir, as fábricas de calçado a encerrar, o PIB está mortiço, o crescimento é medíocre, os juros sobem, o desenvolvimento está com ferrugem.

Não é esquizofrenia. A bolsa antecipa ciclos económicos, o capital aparece antes do trabalho e o Governo anda a destrunfar naipes inteiros no jogo das expectativas económicas. Gerar um bom «momentum» pode ser rastilho para inverter o pessimismo estatístico e só pode ser essa a aposta de quem apresenta como um índice de livro as dezenas de investimentos que se seguem. Melhorar as expectativas serve para aumentar o consumo, isso serve para as empresas venderem mais aos clientes e comprarem mais aos fornecedores, para contratarem mais gente, para pagarem melhor, para todos os agentes pagarem mais imposto, aumentar o emprego, pôr a economia a crescer. Terá sido para criar esse «momentum» fundador que o Governo precipitou os anúncios de investimentos, com o efeito colateral de (além de reabilitar publicamente o ministro da Economia) dar força negocial às empresas com que está a negociar esses investimentos.

É bom que se tenha noção que, por enquanto, apenas há «memorandos de entendimento» e está para se ver se todos eles resultam em negócio e se, resultando, com que contrapartidas irá o Estado pagar as boas notícias que quis dar.

Tudo está ainda colado com cuspo. Mas o mundo volta a girar. A grande diferença é que há dinheiro. Há capital disponível para avançar com «estas» condições de risco. E mesmo que nos consuma ver o contraste entre as duas velocidades, a lenta da economia e a veloz dos negócios, sabemos que o caminho é por aqui. Poderemos comprová-lo nos próximos «períodos homólogos». Agora sim, há vida além do défice.

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