Opinião
Depois da Idade de Ouro das Finanças
Mesmo depois da aprovação das novas regulações financeiras nos Estados Unidos
Mesmo depois da aprovação das novas regulações financeiras nos Estados Unidos, com o Dodd-Frank Act, e a publicação das novas exigências de capital, as previsões do sector financeiro para os próximos anos continuam altamente incertas. Houve alguma recuperação nos preços das acções da banca desde os mínimos de 2008, claro, mas essa tendência abrandou recentemente. Sem contar com as preocupações sobre a robustez da recuperação na economia, os investidores têm poucas certezas sobre os modelos de negócios das empresas financeiras e sobre o tamanho, forma e rentabilidade futuros do sector, em geral.
Não obstante, os bancos continuam profundamente impopulares em todos os países desenvolvidos. Os banqueiros ainda são considerados uns párias sociais, tão mal vistos pelo público como os traficantes de droga ou os jornalistas. São maltratados se perdem dinheiro e são atacados se fizerem algum. Para os bancos e os seus accionistas, é caso para dizer que irão sempre sair a perder. Com os bancos a voltarem a apresentar lucros, os políticos da América do Norte e da Europa começaram a falar novamente sobre novos impostos que incidam sobre esses lucros em benefício dos contribuintes, cujo apoio manteve a banca a funcionar no auge da crise.
Isto representa um enorme contraste com a posição do sector financeiro nas três décadas anteriores. Desde o final dos anos 70 até 2007, o sector cresceu a um ritmo muito mais rápido do que a economia real. Em 1980, os activos financeiros - acções, obrigações e depósitos bancários - totalizavam 100% do PIB nas economias avançadas. Por volta de 2007, o número estava acima de 400% nos EUA, no Reino Unido e no Japão.
Durante este período, o crédito expandiu-se rapidamente como uma quota do PIB, chegando a mais de 300% no seu pico. No Reino Unido, os lucros dos intermediários financeiros alcançaram os 15% de todos os ganhos da economia em 2008, quando nos anos 70 se ficavam pelos 1,5%. Nos Estados Unidos, os lucros bancários representavam ainda uma parte mais representativa do total.
Esta foi a Idade de ouro das Finanças. Os salários dos banqueiros acompanharam a subida dos lucros - de facto, cresceram ainda mais rapidamente. Para parafrasear William Wordsworth, a felicidade era a aurora da vida, e ser um operador de derivados era o puro paraíso. Mas a expansão sofreu uma súbita interrupção em 2008, o primeiro ano em várias décadas em que os activos financeiros agregados caíram e em que há ainda poucos sinais de uma recuperação vigorosa.
Será este um fenómeno a curto prazo? O sector financeiro irá regressar aos valores de crescimento marcados antes da crise, quando a situação económica estiver totalmente restabelecida? O crescimento financeiro irá continuar? As acções da banca irão, mais uma vez, ter uma melhor prestação do que o mercado?
Um estudo recente de Andy Haldane, entre outros, no Banco de Inglaterra, lança a dúvida sobre a perspectiva de um retorno para o "status quo ante". Os autores assinalaram que a Idade de Ouro foi, na realidade, um período atípico, caso se observem os últimos dois séculos da história da economia.
Haldane baseou a sua análise na tendência de crescimento do Valor Acrescentado Bruto (VAB) do sector financeiro. Nos últimos 160 anos, o VAB deste sector tem crescido em dois pontos percentuais por ano acima da economia como um todo. Mas este crescimento excessivo não foi uniformemente disseminado. Durante as duas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, o sector financeiro cresceu quase quatro vezes mais rápido do que a economia, na primeira vaga de globalização e de intensificação dos serviços disponibilizados pelo sector financeiro. Mas de 1918 à década de 70, as Finanças expandiram a um ritmo inferior à média do crescimento económico.
Só quando os mercados foram desregulados e liberalizados a partir de 1970 é que as Finanças voltaram a dar um novo passo. Nos EUA, o VAB do sector financeiro era apenas 2% do total em 1950, estando actualmente nos 8%.
O autor Haldane acredita que esta explosão do crescimento já terminou definitivamente. Defende que o aparente crescimento no valor acrescentado tem sido ilusório, baseado no crescente endividamento, em negociações abusivas, e em opções bancárias sem valor intrínseco, como por exemplo, os "credit default swaps" (um mercado de 60 biliões de dólares, em 2007). "Aquilo que estas estratégias têm em comum é que envolvem o assumir de riscos pelos bancos na busca por lucros - um risco que foi normalmente mascarado, já que se incluía na senda de uma distribuição de rendimentos", escreveu Haldane.
Do ponto de vista da regulação, este é um argumento poderoso para exigir mais capital, de forma a limitar os riscos que os bancos têm de abraçar. De facto, a Comissão de Basileia prevê requerer mais capital para o futuro, embora a entrada em vigor dos novos requisitos venha a ser adiada, devido às preocupações sobre o custo e a disponibilidade do crédito para sustentar a recuperação económica.
Sob este pano de fundo, é difícil acreditar que existirá o rápido regresso ao crescimento gritante nos activos financeiros, no crédito e no risco a que assistimos entre os anos 70 e 2007. Provavelmente, os lucros do sector financeiro serão mais baixos. Os retornos de 20% sobre os activos bolsistas são uma coisa do passado. E uma rentabilidade mais baixa irá reduzir os salários de uma forma mais eficaz do que qualquer controlo directo de regulação.
Para a maior parte de nós, isto pode não ser um panorama negativo, a não ser que continuemos a ter um peso excessivo nas acções do sector financeiro. Não queremos criar outra bolha especulativa dos preços dos activos financeiros da mesma amplitude da que se desenvolveu em 2007-2008. Mas há um risco para os reguladores e para os bancos centrais. Se eles limitarem demasiado a banca, o risco pode ultrapassar as fronteiras da regulação, onde será mais difícil de o medir e de o monitorizar.
É por isto que é importante manter alguma flexibilidade, para permitir que as instituições actualmente sem regulação, como os "hedge-funds" [fundos de cobertura de risco] e os fundos de "private equity" [capital de risco], passem a ser reguladas, caso se tornem maiores e importantes a nível sistémico. Quanto mais apertado for o controlo de risco nos bancos, mais mecanismos de vigilância serão exigidos aos reguladores.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro
Não obstante, os bancos continuam profundamente impopulares em todos os países desenvolvidos. Os banqueiros ainda são considerados uns párias sociais, tão mal vistos pelo público como os traficantes de droga ou os jornalistas. São maltratados se perdem dinheiro e são atacados se fizerem algum. Para os bancos e os seus accionistas, é caso para dizer que irão sempre sair a perder. Com os bancos a voltarem a apresentar lucros, os políticos da América do Norte e da Europa começaram a falar novamente sobre novos impostos que incidam sobre esses lucros em benefício dos contribuintes, cujo apoio manteve a banca a funcionar no auge da crise.
Durante este período, o crédito expandiu-se rapidamente como uma quota do PIB, chegando a mais de 300% no seu pico. No Reino Unido, os lucros dos intermediários financeiros alcançaram os 15% de todos os ganhos da economia em 2008, quando nos anos 70 se ficavam pelos 1,5%. Nos Estados Unidos, os lucros bancários representavam ainda uma parte mais representativa do total.
Esta foi a Idade de ouro das Finanças. Os salários dos banqueiros acompanharam a subida dos lucros - de facto, cresceram ainda mais rapidamente. Para parafrasear William Wordsworth, a felicidade era a aurora da vida, e ser um operador de derivados era o puro paraíso. Mas a expansão sofreu uma súbita interrupção em 2008, o primeiro ano em várias décadas em que os activos financeiros agregados caíram e em que há ainda poucos sinais de uma recuperação vigorosa.
Será este um fenómeno a curto prazo? O sector financeiro irá regressar aos valores de crescimento marcados antes da crise, quando a situação económica estiver totalmente restabelecida? O crescimento financeiro irá continuar? As acções da banca irão, mais uma vez, ter uma melhor prestação do que o mercado?
Um estudo recente de Andy Haldane, entre outros, no Banco de Inglaterra, lança a dúvida sobre a perspectiva de um retorno para o "status quo ante". Os autores assinalaram que a Idade de Ouro foi, na realidade, um período atípico, caso se observem os últimos dois séculos da história da economia.
Haldane baseou a sua análise na tendência de crescimento do Valor Acrescentado Bruto (VAB) do sector financeiro. Nos últimos 160 anos, o VAB deste sector tem crescido em dois pontos percentuais por ano acima da economia como um todo. Mas este crescimento excessivo não foi uniformemente disseminado. Durante as duas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, o sector financeiro cresceu quase quatro vezes mais rápido do que a economia, na primeira vaga de globalização e de intensificação dos serviços disponibilizados pelo sector financeiro. Mas de 1918 à década de 70, as Finanças expandiram a um ritmo inferior à média do crescimento económico.
Só quando os mercados foram desregulados e liberalizados a partir de 1970 é que as Finanças voltaram a dar um novo passo. Nos EUA, o VAB do sector financeiro era apenas 2% do total em 1950, estando actualmente nos 8%.
O autor Haldane acredita que esta explosão do crescimento já terminou definitivamente. Defende que o aparente crescimento no valor acrescentado tem sido ilusório, baseado no crescente endividamento, em negociações abusivas, e em opções bancárias sem valor intrínseco, como por exemplo, os "credit default swaps" (um mercado de 60 biliões de dólares, em 2007). "Aquilo que estas estratégias têm em comum é que envolvem o assumir de riscos pelos bancos na busca por lucros - um risco que foi normalmente mascarado, já que se incluía na senda de uma distribuição de rendimentos", escreveu Haldane.
Do ponto de vista da regulação, este é um argumento poderoso para exigir mais capital, de forma a limitar os riscos que os bancos têm de abraçar. De facto, a Comissão de Basileia prevê requerer mais capital para o futuro, embora a entrada em vigor dos novos requisitos venha a ser adiada, devido às preocupações sobre o custo e a disponibilidade do crédito para sustentar a recuperação económica.
Sob este pano de fundo, é difícil acreditar que existirá o rápido regresso ao crescimento gritante nos activos financeiros, no crédito e no risco a que assistimos entre os anos 70 e 2007. Provavelmente, os lucros do sector financeiro serão mais baixos. Os retornos de 20% sobre os activos bolsistas são uma coisa do passado. E uma rentabilidade mais baixa irá reduzir os salários de uma forma mais eficaz do que qualquer controlo directo de regulação.
Para a maior parte de nós, isto pode não ser um panorama negativo, a não ser que continuemos a ter um peso excessivo nas acções do sector financeiro. Não queremos criar outra bolha especulativa dos preços dos activos financeiros da mesma amplitude da que se desenvolveu em 2007-2008. Mas há um risco para os reguladores e para os bancos centrais. Se eles limitarem demasiado a banca, o risco pode ultrapassar as fronteiras da regulação, onde será mais difícil de o medir e de o monitorizar.
É por isto que é importante manter alguma flexibilidade, para permitir que as instituições actualmente sem regulação, como os "hedge-funds" [fundos de cobertura de risco] e os fundos de "private equity" [capital de risco], passem a ser reguladas, caso se tornem maiores e importantes a nível sistémico. Quanto mais apertado for o controlo de risco nos bancos, mais mecanismos de vigilância serão exigidos aos reguladores.
Howard Davies, antigo presidente da Autoridade Britânica dos Serviços Financeiros e antigo vice-governador do Banco de Inglaterra, é actualmente director da London School of Economics. O seu livro mais recente é "Banking on the Future: The Fall and Rise of Central Banking".
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro
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