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Competitividade fiscal (1): para acabar com os equívocos do «choque fiscal»

Recentemente tem-se notado alguma proliferação de iniciativas ... e textos relativos à questão da competitividade fiscal - ...

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Recentemente tem-se notado alguma proliferação de iniciativas (seminários, encontros) e textos relativos à questão da competitividade fiscal - o que saúdo, pois esta é uma das áreas que me é mais cara e que tem ganho importância acrescida a nível europeu e global.

Tenho participado em iniciativas sobre o tema e escrito alguma coisa sobre a posição de Portugal nesta matéria, e sou também leitor atento de alguns textos que têm sido publicados. E por isso não pude deixar de notar dois factos importante:

(1) A confusão que ainda hoje o famoso «choque fiscal» - passados mais de dois anos da sua apresentação, no início de 2002! - faz a alguns desses escribas;

(2) A falta de conhecimento sobre a actual realidade europeia nesta área da competitividade fiscal, o que muito me entristece. Foi por isso que decidi escrever dois textos em que abordarei estas duas questões.

Assim, nas linhas que se seguem, procurarei desfazer, de uma vez por todas, quaisquer equívocos que ainda prevaleçam sobre o «choque fiscal», o seu sentido e a sua razão de ser; no próximo artigo (dia 9 de Junho) focar-me-ei no que tem acontecido (e vai continuar a acontecer) na área fiscal um pouco por toda a Europa e, sobretudo, na reforma que a República Eslovaca implementou no início deste ano, que confirma como os países da Europa de leste, que desde há pouco mais de 20 dias integram de pleno direito a União Europeia, não «brincam em serviço», condicionando mesmo a actuação dos anteriores 15 Estados-membros nesta matéria.

O «choque fiscal» aparece no início de 2002, num enquadramento em que já era visível a postura que os chamados países emergentes da Europa - com quem iríamos, num futuro não muito longínquo ter que competir, como se veio a provar - iriam adoptar na área fiscal cada vez em maior escala: descida das taxas nominais dos impostos directos (quer sobre as famílias, quer, sobretudo, sobre as empresas) e simplificação das legislações e dos sistemas fiscais, através da redução de isenções, deduções, excepções e benefícios (que distorcem em muito a realidade). Os objectivos?

(1) Dotar Portugal de um sistema fiscal mais «amigo» da competitividade, do crescimento e do desenvolvimento económico; e

(2) Tornar mais simples, transparente e claro o sistema fiscal, aproximando as taxas nominais das efectivas - o que, obviamente, facilita o combate à fraude e evasão fiscais (segundo a OCDE, a chamada economia informal - não tributada - ascende a cerca de 22.5% do PIB português).

Julgo ser esta, aliás, a melhor forma de promover a justiça social através da fiscalidade:

(1) taxas nominais mais baixas na tributação directa (que só por si acabam por ser indutoras de menor fraude e evasão, isto é, «o crime deixa de compensar tanto»); e

(2) deixar de fazer redistribuição do rendimento através de todas as excepções, isenções, deduções, etc. hoje existentes no sistema fiscal, e passar a promovê-la através de apoios e ajudas directos aos grupos da sociedade que se pretende beneficiar.

Ou seja: aumentar o «bolo fiscal» e redistribui-lo da forma mais directa, clara e transparente possível - porque quanto menos deduções, excepções, isenções e benefícios fiscais forem atribuídos, isto é, quanto mais homogéneo fôr um sistema fiscal, mais fácil se torna fiscalizar e combater a fraude e a evasão fiscal.

Por exemplo, não me canso de afirmar que é chocante que, ano após ano, quase 60% das nossas empresas não paguem IRC - porque me parece pouco provável que não sejam lucrativas e consigam subsistir anos e anos... E não será muito mais justa e transparente uma situação em que a uma taxa nominal de IRC de, por exemplo, 15%, corresponda uma taxa efectiva de 12% ou 13%, do que outra - aquela que ainda no ano passado tínhamos... -, em que a uma taxa nominal de 30% corresponde uma taxa efectiva de 17% ou 18%?

E no IRS, em que o absurdamente elevado número de benefícios, isenções, etc., existentes faz quase com que cada contribuinte constitua um caso diferenciado, dificultando as acções de fiscalização e prevenção da administração fiscal?

E a prioridade na actuação ao nível da redução da tributação nominal e da simplificação da legislação no IRC relativamente ao IRS - como o Governo está a fazer - tem também toda a lógica, pois é assim que se ajuda a captar mais investimento (nacional e estrangeiro), a dinamizar a actividade e a criar emprego, aumentando também a base tributária, a receita fiscal e... facilitando o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Foi este o sentido do «choque fiscal», e se o ênfase foi colocado do lado da tributação directa e não indirecta, tal deve-se ao facto de a primeira, e sobretudo a fiscalidade sobre as empresas, ter vindo a ganhar uma importância acrescida em termos de competitividade internacional; e também porque é aí que a fraude e fuga fiscal são maiores, como as estatísticas demonstram (logo, corrigir esta correcção é mais urgente). Deve, contudo, notar-se que a tributação indirecta é igualmente importante em termos de competitividade, ainda que não de modo geral, mas sim em determinadas áreas (como, por exemplo, a mais alta taxa standard de IVA em Portugal face a Espanha ser um dos factores que afecta a competitividade dos portos nacionais face aos do país vizinho - assunto que abordarei numa futura oportunidade); por isso não assume, em minha opinião, um papel tão relevante (na competitividade, entenda-se) como a tributação directa.

Finalmente, não posso deixar de referir que a fiscalidade é apenas um dos vectores de uma política económica global direccionada para potenciar o crescimento e o desenvolvimento económico sustentado, equilibrado e justo, propiciando a redução do desemprego, a criação de emprego e a melhoria do bem-estar da população. Em Portugal, um mix de política deste género deve incidir, de forma efectiva, sobre as áreas em que temos reconhecidas desvantagens de competitividade, como a baixa qualificação dos recursos humanos, a legislação laboral pouco flexível, a elevada burocracia na justiça, na administração pública e no ambiente empresarial (isto além da fiscalidade). Logo, actuando só ao nível fiscal, nunca se chegará a resultados completos (sucedendo o mesmo com qualquer outra vertente da política económica definida) pelo que, pelo menos para mim, nunca o «choque fiscal» tomou a importância de «única» medida milagrosa ou salvadora com que muita gente a conotou.

Agora, o que não deixa de ser verdade é que a carga fiscal total em Portugal, medida pelas taxas nominais dos vários impostos é demasiado elevada, tendo em conta as fragilidades atrás enumeradas; por isso, é-me difícil compreender quem defende que o nosso país até possui um peso baixo dos impostos pagos face ao PIB - e que, portanto, baixar as taxas de imposto e simplificar o sistema fiscal não é essencial. Desde logo, porque algo está errado se as taxas nominais são mais altas do que em muitos países e os impostos efectivamente pagos são baixos (fraude e evasão fiscal elevadas); depois, porque ver o rácio dos impostos pagos face ao PIB isoladamente no mundo globalizado e concorrencial de hoje, pouco significa.

Esta é que é a inegável realidade, tal como o é a importância acrescida que a fiscalidade tem vindo a ganhar em termos de competitividade internacional e, sobretudo, europeia - como mostrarei no próximo artigo.

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