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26 de Agosto de 2009 às 11:39

Como não vender um acordo militar

Dez anos depois da administração Clinton ter dado "luz verde" ao Plano Colômbia para combate ao narcotráfico e à guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) Washington e Bogotá preparam-se para assinar um novo acordo para...

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Dez anos depois da administração Clinton ter dado "luz verde" ao Plano Colômbia para combate ao narcotráfico e à guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) Washington e Bogotá preparam-se para assinar um novo acordo para utilização de bases militares que redundou numa tempestade diplomática na América do Sul.

A inépcia diplomática de norte-americanos e colombianos explica muita da polémica que estava na calha, a partir do momento em que o presidente equatoriano Rafael Correa, um aliado de Hugo Chávez, confirmou no ano passado que Quito não renovaria o acordo de dez anos para utilização da base de Manta, usada desde 1999 pelos Estados Unidos para voos de vigilância do narcotráfico na costa do Pacífico.

Ao perder Manta, que albergava 475 militares norte-americanos, Washington optou por um novo acordo militar com a Colômbia, ainda que inicialmente o Pentágono tenha referido que se limitaria a incrementar os voos de vigilância a partir de bases em Key West (Florida), Comapala (El Salvador) e Atuba (Curaçao).

Os Estados Unidos dispõem ainda da base de Soto Cano, nas Honduras, além de Guantánamo, em Cuba, para apoio às operações da IV Esquadra, sedeada em Mayport (Florida), cuja actividade foi retomada em Abril do ano passado nas Caraíbas, América Central e do Sul, pondo fim ao seu estatuto subordinado de integração, desde 1950, na II Esquadra que cobria todo o Atlântico.

A utilização de bases na Colômbia facilita e embaratece operações de vigilância área por parte dos Estados Unidos, mas o seu custo geopolítico foi notoriamente subestimado por Washington.

Os temores face aos ianques
Apesar de recentes análises oficiais do Congresso de Washington terem referido a necessidade de as autoridades de Bogotá assumirem as responsabilidades financeiras e operacionais do Plano Colômbia (que transformou o país no terceiro maior receptor de ajuda militar norte-americana, após Israel e o Egipto), o novo acordo prevê a manutenção de tropas dos Estados Unidos no país.

O número de militares e contratados civis continua limitado, por decisão do Congresso, a 800 e 600 homens, respectivamente, e as forças norte-americanas passam a ter a possibilidade de operar durante dez anos em sete bases (incluindo Cartagena e Malambo na costa atlântica, e Málaga no Pacífico), sob controlo do goveno de Bogotá, e exclusivamente para operações anti-droga e antiterroristas, apoio logístico e treino em território colombiano.

O anúncio do acordo, cujos termos finais ainda não são conhecidos, foi, no entanto, visto pela maior parte dos governos da região como um reforço da presença militar norte-americana na América do Sul e da sua capacidade de projecção de força na Amazónia e por extensas áreas, desde as Caraíbas até às pampas argentinas.

Hugo Chávez clamou contra "os ventos de guerra" no continente, no que foi secundado pelos seus aliados cubanos, equatorianos e bolivianos, mas até os governos da Argentina, do Chile e do Brasil manifestaram preocupação pelo acordo.

O chefe da diplomacia brasileira, Celso Amorim, declarou que Washington e Bogotá dariam um passo construtivo se oferecessem garantias do âmbito limitado do acordo a território colombiano e Lula da Silva convidou Barack Obama a participar na cimeira da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), que decorre sexta-feira em Barriloche, na Argentina.

Obama declinou o convite e os Estados Unidos não se farão representar na cimeira extraordinária da UNASUL, a segunda do género desde a declaração de criação da organização em 2004 por 12 estados sul-americanos.

Só em Setembro de 2008 ocorrera uma cimeira extraordinária em Santiago do Chile para debater a crise institucional que ameaçava guerra civil na Bolívia, quatro meses após a assinatura em Brasília do tratado para integração económica do equívoco bloco sul-americano.

O presidente dos Estados Unidos viu-se, no entanto, na necessidade de reiterar em declaração pública a vontade de "trabalhar para uma parceira construtiva com o Brasil", sublinhando que se encontraria com Lula na Cimeira do G8 no próximo mês em Pittsburg.

Hillary Clinton, por sua vez, afirmou que Washington não aumentará a presença militar na Colômbia (presentemente 71 militares e 400 contratados civis, segundo o governo de Bogotá), que as bases se encontram sob jurisdição colombiana e não afectam relações com terceiros países.

O preço da inépcia
Álvaro Uribe em guerra aberta com Hugo Chávez e Rafael Correa, acusando venezuelanos e equatorianos de apoiarem as FARC, depois de começar por recusar discutir a questão na cimeira de Barriloche passou a prometer oferecer todas as explicações necessárias aos demais países.

O presidente colombiano afirma que todos os acordos militares ou compras de armamento devem ser discutidos, bem como as ameaças do narcotráfico e do terrorismo, e denunciou o que classifica como política intervencionista e expansionista de Caracas, apoiada por russos e iranianos.

A primeira ronda de apressadas explicações diplomáticas levou países como o Perú e o Chile a declararem que Bogotá está no seu direito soberano de firmar acordos militares, desde que leve em conta preocupações legítimas de outros estados.

A falta de informações prévias por parte de Washington e Bogotá a estados como o Brasil, a Argentina ou o Chile sobre a negociação do acordo e o fracasso da diplomacia brasileira ao oferecer-se como mediador proeminente numa disputa envolvendo os Estados Unidos deixa, contudo, marcas que irão pesar muito em futuras considerações sobre o papel do grande vizinho do Norte no continente.

Um acordo militar mal explicado e de objectivos pouco claros no âmbito do combate ao narcotráfico e terrorismo, num contexto de alta tensão regional entre venezuelanos, equatorianos e colombianos, acabou por provocar uma crise diplomática em que os Estados Unidos reavivaram arreigados temores sobre as suas reais intenções e política de alianças na América do Sul.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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