Opinião
Auspicioso CITIUS
Escrevi em tempos que, olhadas sob severa desconfiança, as novas tecnologias de comunicação e de informação tardaram demais a chegar ao sistema judicial. Entre outras explicações, este atraso...
Escrevi em tempos que, olhadas sob severa desconfiança, as novas tecnologias de comunicação e de informação tardaram demais a chegar ao sistema judicial.
Entre outras explicações, este atraso (o pior sintoma crónico dos problemas da Justiça) advém da dificuldade natural de quem vive no interior do sistema experimentar a transposição figurativa para fora dele e, assim liberto de impossibilidades introspectivas, olhá-lo numa perspectiva cartesiana, em interrogação útil sobre as razões por que se fazem as coisas de certo modo e não de outro.
Quem tenta este exercício percebe que os lugares e os processos da Justiça ainda conservam uma matriz antiga, forjada há mais de século e meio, servida por procedimentos, usos e modos artesanais, anteriores a qualquer arrojo saído da revolução industrial. Depois talvez compreenda que a ausência de evolução também é resultado de uma trágica confusão entre as ideias fundamentais de tutela de direitos, representação democrática, independência, legitimidade ou autoridade e a tralha acessória das ornamentações palacianas, das proeminências corporativas e sociais, das sagrações pessoais e de liturgias, vestes e gestos de um tempo antigo, eminentemente epistolar.
Com humildade, é indispensável que se compreenda e se aceite que a recuperação da dignidade do sistema de Justiça impõe o sacrifício da troca do privilégio da sua adoração como "aparelho de poder" pela obrigação prévia de o considerar como "serviço público".
E é, talvez, à luz daquela confusão e desta diferença de perspectiva que se explicam episódicas manifestações de desconforto, desconfiança e protesto face à extraordinária e decisiva mudança que a generalização aos magistrados judiciais do programa CITIUS envolve. Sugerindo um estranho horror à modernidade e um não menos estranho medo do futuro, tais manifestações dão até uma imagem errada de pessoas que nos habituaram a juízos serenos, sensatos, inteligentes e lógicos.
Como sucede com qualquer obra humana concebida para ser usada por pessoas, o CITIUS nunca será perfeito, nem o seu uso estará isento de riscos. Mas, quase ironicamente, esses riscos estão muito mais ligados aos erros involuntários dos seus utilizadores normais do que a actuações maldosas de terceiros.
Ora, o que mais surpreende no tom de alguns dos protestos públicos lidos ou escutados é a aparente perda de lucidez de pessoas estimáveis que, para acometer contra o CITIUS, se permitem fingir ignorar a imensamente óbvia e brutal desproporção entre esses riscos, muito reduzidos, e as enormes vantagens individuais e colectivas trazidas por este. E se, perante o passado sinistro dos processos em papel, protestar contra o CITIUS em razão do risco de quebra informática do segredo de justiça chega a ser patético, pretender até, neste contexto, a suspensão do uso do CITIUS, é proposta tão sensata como a de proibir o uso do automóvel para evitar a sinistralidade rodoviária.
Com as magníficas dádivas da memória e da inteligência artificiais, a possibilidade do registo integral e a transmissão instantânea de dados e, futuramente, de voz e imagem, aproveitando funcionalidades já existentes, é possível começar a empreender uma integral reengenharia de procedimentos, transformando radicalmente os processos e as unidades funcionais que são os tribunais, inutilizando grande parte dos actos hoje praticados, fazendo desaparecer um número colossal de deslocações físicas e dispensando muitos milhões de horas de trabalho.
Paradoxalmente, é possível fazer em semanas e com muito mais segurança o que hoje tarda anos.
A introdução e a generalização do CITIUS são pois sinais muito auspiciosos de que está próximo um futuro muito melhor, com a Justiça a reencontrar-se com a cadência da realidade e a superar o drama da divergência entre "o ritmo do nosso tempo" e o "tempo passado" da nossa Justiça epistolar.
Entre outras explicações, este atraso (o pior sintoma crónico dos problemas da Justiça) advém da dificuldade natural de quem vive no interior do sistema experimentar a transposição figurativa para fora dele e, assim liberto de impossibilidades introspectivas, olhá-lo numa perspectiva cartesiana, em interrogação útil sobre as razões por que se fazem as coisas de certo modo e não de outro.
Com humildade, é indispensável que se compreenda e se aceite que a recuperação da dignidade do sistema de Justiça impõe o sacrifício da troca do privilégio da sua adoração como "aparelho de poder" pela obrigação prévia de o considerar como "serviço público".
E é, talvez, à luz daquela confusão e desta diferença de perspectiva que se explicam episódicas manifestações de desconforto, desconfiança e protesto face à extraordinária e decisiva mudança que a generalização aos magistrados judiciais do programa CITIUS envolve. Sugerindo um estranho horror à modernidade e um não menos estranho medo do futuro, tais manifestações dão até uma imagem errada de pessoas que nos habituaram a juízos serenos, sensatos, inteligentes e lógicos.
Como sucede com qualquer obra humana concebida para ser usada por pessoas, o CITIUS nunca será perfeito, nem o seu uso estará isento de riscos. Mas, quase ironicamente, esses riscos estão muito mais ligados aos erros involuntários dos seus utilizadores normais do que a actuações maldosas de terceiros.
Ora, o que mais surpreende no tom de alguns dos protestos públicos lidos ou escutados é a aparente perda de lucidez de pessoas estimáveis que, para acometer contra o CITIUS, se permitem fingir ignorar a imensamente óbvia e brutal desproporção entre esses riscos, muito reduzidos, e as enormes vantagens individuais e colectivas trazidas por este. E se, perante o passado sinistro dos processos em papel, protestar contra o CITIUS em razão do risco de quebra informática do segredo de justiça chega a ser patético, pretender até, neste contexto, a suspensão do uso do CITIUS, é proposta tão sensata como a de proibir o uso do automóvel para evitar a sinistralidade rodoviária.
Com as magníficas dádivas da memória e da inteligência artificiais, a possibilidade do registo integral e a transmissão instantânea de dados e, futuramente, de voz e imagem, aproveitando funcionalidades já existentes, é possível começar a empreender uma integral reengenharia de procedimentos, transformando radicalmente os processos e as unidades funcionais que são os tribunais, inutilizando grande parte dos actos hoje praticados, fazendo desaparecer um número colossal de deslocações físicas e dispensando muitos milhões de horas de trabalho.
Paradoxalmente, é possível fazer em semanas e com muito mais segurança o que hoje tarda anos.
A introdução e a generalização do CITIUS são pois sinais muito auspiciosos de que está próximo um futuro muito melhor, com a Justiça a reencontrar-se com a cadência da realidade e a superar o drama da divergência entre "o ritmo do nosso tempo" e o "tempo passado" da nossa Justiça epistolar.
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Auspicioso CITIUS
27.03.2009