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As Atribulações de um Consultor Económico na Administração Americana

Uma retoma nos EUA é condicionada sobretudo pela procura interna, praticamente não dependendo da situação económica no resto do Mundo.

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Os Estados Unidos da América constituem o melhor exemplo do que se costuma designar por uma grande economia.

Sem viverem num regime de autarcia, como aconteceu com a Albânia de Enver Hoxa e acontece hoje com o Myanmar (a antiga Birmânia), as suas trocas com o exterior – exportações e importações somadas – representam cerca de 25% do Produto Interno Bruto.

Só cinco países no Mundo têm uma percentagem inferior: Sudão, Brasil, Argentina, Japão e o já referido Myanmar (o campeão, com apenas 1%).

Mas por outro lado, os EUA são o primeiro exportador e importador mundial, representando só por si mais de 10,7% das exportações e 18% das importações mundiais de mercadorias em 2003, segundo a OMC; 17,4% e 13,3%, respectivamente, no caso dos serviços.

Resulta daqui uma importante conclusão: uma retoma nos EUA é condicionada sobretudo pela procura interna, praticamente não dependendo da situação económica no resto doMundo.

Mas em contrapartida o clima económico nos EUA em muito determina o clima económico internacional, situação a que o Professor Miguel Beleza se referia com alguma ironia quando dizia que o mundo inteiro devia votar nas
eleições americanas.

É, portanto, perfeitamente natural a discussão que se trava hoje na Europa sobre a consistência e durabilidade da aceleração do crescimento económico nos EUA.

Ora, começa a haver poucas dúvidas que a economia americana está hoje em franco crescimento. A recessão de 2001 foi, em certo sentido, atípica: embora tenha sido suave, a queda do investimento foi muito pronunciada, só tendo paralelo com a de 1982, a pior desde 1929-33.

Esta queda do investimento tem três explicações principais:

> Por um lado, o abrandamento económico e a consequente recessão levaram muitas empresas a cortarem custos e a redimensionarem o seu nível de operações;

> por outro lado, o financiamento na bolsa tornou-se mais difícil, não só por esta razão mas também devido à perda de confiança provocada pela revelação da utilização de más práticas contabilísticas por um número significativo de empresas;

> finalmente, a situação especulativa da bolsa americana, empolando os valores de capitalização da generalidade das empresas, levou a que o crescimento empresarial não se pudesse dar por aquisição de rivais mas sim por aumento da capacidade produtiva, o que por sua vez conduziu a uma situação generalizada de sobreinvestimento.

Este último factor é novo em relação a recessões anteriores, o que explica a maior dificuldade no relançamento do investimento.

Porém, este último está já a aumentar a valores da ordem dos 3 a 3,5% ao ano, estimulado pelo aumento dos lucros. Saliente-se que só após a guerra do Iraque as empresas atingiram taxas de crescimento dos lucros semelhantes às de anteriores expansões económicas pós-recessão.

Por outras palavras, só depois de ultrapassado o risco “geopolítico” a economia teve efectivas condições de crescimento, com o reganhar de confiança de consumidores e empresários. Outros sinais de confiança, comprovando a “subida de forma” da economia americana, podem ser apontados:

> o prémio de risco sobre as junk bonds(títulos que têm taxas de rendimento altas, mas também alto risco) diminuiu, o que significa que os investidores acreditam que as perspectivas de crescimento são boas;

> os indicadores avançados apontam de novo, após o intervalo verificado durante a guerra do Iraque, para uma melhoria da situação económica.

Porém, uma sombra permanece no horizonte: apesar da política fiscal ser marcadamente expansionista (o défice orçamental corrigido do ciclo está ao nível dos valores de meados da década de 80, que comparam com o ligeiro excedente do início da presente década), apesar da política monetária também o ser (a federal funds rate está a mínimos históricos, sendo o seu valor corrigido de inflação negativo), o crescimento tem assentado sobretudo no aumento da produtividade, com reduzido impacto sobre o emprego.

Se bem que este tenha aumentado em finais de 2003, a sua variação foi praticamente nula emDezembro. Esta falta de dinamismo do emprego constitui a principal razão das dúvidas sobre a sustentabilidade da recuperação económica americana.

Se não há crescimento vigoroso do emprego, pode afirmar-se que o crescimento dos EUA é para durar? E a resposta a esta pergunta interessa também à Europa, pois os EUA são de facto a “locomotiva” da economia mundial.

O economista Gregory Mankiw (da Universidade de Harvard), nomeado chairman do Council of Economic Adviserspelo Presidente Bush em Maio de 2003, fez uma intervenção neste debate.

Pronunciando-se sobre a deslocalização de empresas para países vizinhos, e as consequências que tal tem sobre a criação (ou destruição) de empregos, disse Mankiw que tal constitui uma forma de trocas com o exterior e que a longo prazo é bom para a economia americana.

Tal levou o republicano Richard Burr, candidato ao Senado e considerado próximo do Presidente, a “pedir a sua cabeça”, no que se seguiram outros. O próprio presidente Bush e o House SpeakerDennis Hastert distanciaram-se desta afirmação e do seu autor.

E Mankiw acabou por ter que pedir desculpas por parecer insensível a trabalhadores perderem os seus postos de trabalho. A perda de empregos em empresas não competitivas é necessária para que se possam mobilizar recursos para as que o são ou para que se criem as que o vão ser.

Só assim se consegue assegurar o crescimento económico e o bem-estar de forma sustentada, não a manter artificialmente em laboração empresas que não conseguem ser eficientes – com custos para a sociedade na directa proporção da má afectação de recursos que assim é promovida.

No mundo do “politicamente correcto”, pode surpreender alguns que um consultor tão altamente colocado e tão reputado tenha a coragem (ou a ingenuidade) de dizer o que realmente pensa.

Pode porventura surpreender menos que seja entre a maioria no poder que se encontram os mais veementes críticos da afirmação de Mankiw, sobretudo em vésperas de eleições (o Presidente Bush assistiu à perda de 2,2 milhões de empregos, o pior registo desde Herbert Hoover).

Agora é seguramente mais surpreendente que tenham tomado posição em defesa de Mankiw os inquestionavelmente democratas Robert Reich, Labor Secretary na Administração Clinton, e Janet Yellen, Presidente do Council of Economic Advisers da mesma Administração.

Isto ilustra bem como os critérios políticos, particularmente na proximidade de eleições e quando o candidato não é forte, podem afastar-se consideravelmente do tecnicamente correcto. Mostra também que o que por vezes é apontado como originalidade do nosso País afinal não o é.

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