Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
29 de Dezembro de 2010 às 12:39

As alterações climáticas e a REDD

O comunicado oficial da Cimeira de Cancún sobre as alterações climáticas não pode ocultar o facto de que não vai haver um sucessor do Protocolo de Quioto quando este terminar no final de 2012.

  • ...
O Japão, entre outros países, retirou o seu apoio aos esforços para prolongar do Protocolo de Quioto.

Esta situação parece ser uma má notícia, já que significa que não vai existir um preço internacional do carbono e, sem um preço de mercado, é difícil perceber como é que a redução de emissões de dióxido de carbono podem ser eficazmente organizadas. Mas as aparências podem ser enganadoras.

Precisamente quando o planeamento vertical de abordagem às alterações climáticas está a entrar em colapso, surge um novo planeamento a partir da base que oferece melhores perspectivas de êxito que as complicadas negociações das Nações Unidas.

Em vez de um único preço para o carbono, esta nova abordagem deverá produzir diversos preços para as emissões de dióxido de carbono, o que é mais apropriado à tarefa de reduzir emissões do que um único preço, porque existe uma multiplicidade de sectores e métodos, cada um com um curva de custos diferente.

O preço de mercado de qualquer coisa é sempre igual ao seu custo marginal. Quando existe um preço único, todas as curvas de custos são combinadas em apenas uma e os projectos de baixo custos desfrutam de uma rentabilidade, o que torna o custo de reduzir as emissões de carbono muito maior do que o necessário.

Esta realidade ficou amplamente demonstrada desde que o Protocolo de Quioto foi implementado na prática. O plano de transacção de emissões definido pelo Protocolo de Quioto permitiu muitos abusos. Por exemplo, os antigos países comunistas conseguiram créditos de emissões a custo zero para as indústrias pesadas que tinham que fechar e obtiveram benefícios inesperados ao vendê-los. O desaparecimento do Protocolo de Quioto não será, assim, uma grande perda.

O mesmo aplica-se às prolongadas negociações entre as nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Na Cimeira do Rio de Janeiro, em 1992, os países desenvolvidos prometeram pagar as reparações pelos erros passados mas continuaram a adiar as suas obrigações através do processo negocial. Entretanto, com o passar do tempo, as condições alteraram-se: a China, após décadas de forte crescimento económico, superou os Estados Unidos com maior emissor do mundo.

As negociações foram adquirindo um aspecto cada vez mais irreal. Actualmente, a disputa gira em torno da forma como os governos vão conceder 100 mil milhões de dólares anualmente, a partir de 2020, para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar as alterações climáticas, dado que nem sequer se consegue completar o Fundo de Curto Prazo de 10 mil milhões de dólares sem usar artifícios. Ao não conseguir fazer nenhum progresso a não ser o de manter vivas as negociações, a Cimeira de Cancún deu a impressão de que não está a acontecer nada e que a situação é desesperada.

Não é esse o caso. Países como a Alemanha estão a fazer compromissos unilaterais vinculativos e que não dependem do que os outros países estão a fazer e estão a ser criadas “coligações dos dispostos a actuar” para enfrentar sectores particulares. A parceria REDD+ (Reduzir as Emissões da Desflorestação e da Degradação das Florestas (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation)), um esforço para criar um valor financeiro para o carbono armazenado nas florestas, é o principal exemplo. De facto, os maiores progressos estão a ser feitos onde o problema é mais urgente: é muito mais fácil preservar as florestas do que restaurá-las.

O caso da Indonésia merece atenção especial. A Indonésia tornou-se no terceiro maior poluidor do mundo, após a China e os Estados Unidos, porque muita da sua floresta cresce em florestas de turfa. Quando as árvores são cortadas e as florestas de turfa drenadas, o carbono acumulado durante milénios fica exposta e oxida - muitas vezes na forma de incêndios que envolvem de fumo os vizinhos Singapura e Malásia.

Actualmente, metade das florestas de turfa (combustível formado por matérias vegetais, mais ou menos carbonizadas) da Indonésia permanece intacta; se fossem expostas, as emissões iriam duplicar. O presidente Susilo Bambang Yudhoyono está determinado a impedir que isto aconteça e tem recebido apoio financeiro da Noruega pelos seus esforços. A esta parceria juntou-se recentemente a Austrália e outros irão fazer o mesmo.

Esta parceria é a vários níveis, inovadora. Yudhoyono está a introduzir uma moratória sobre a exploração de peatlands e das florestas virgens. Uma agência REDD+ ficará encarregue de tratar as florestas húmidas como um recurso natural a ser preservado e restaurado em vez de explorado e destruído. A agência transformará também a gestão dos assuntos públicos e a prestação de assistência oficial ao desenvolvimento (ODA, sigla original).

A agência REED+ vai ter um conselho de administração doméstico que vai coordenar as actividades de todas as unidades governamentais preocupadas com as florestas húmidas e um conselho internacional que irá autorizar e monitorizar os gastos de fundos da ODA. Isto significa que a ODA vai apoiar projectos nacionais em vez de administrar projectos externos.

Estes esforços podem servir como protótipo para ajudar outros países como a Guiana, onde o actual projecto de preservação das florestas não funciona muito bem. Eventualmente, poderá levar à criação de um fundo global para as florestas húmidas e para a adaptação agrícola porque os benefícios de reduzir o carbono recaem sobre toda a humanidade e não só sobre alguns países. O fundo global poderia introduzir dois preços: um para a poupança de carbono gerada pela restauração das florestas e outro para as emissões de carbono evitadas pela preservação das florestas.

Isto, por sua vez, dá um exemplo a outros sectores. Desta forma, o preço do carbono será introduzido e a cooperação internacional definida a partir da base, com carácter sectorial e com base em resultados.

Assim, apesar da impressão generalizada de que a agenda sobre as alterações climáticas está parada, há motivos para ter esperança. Mas esta requer manter o ritmo com o aquecimento global, e isto significa acelerar o processo de definir um preço – ou preços – das emissões de carbono.


George Soros é presidente do Soros Fund Management e da Open Society Institute.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio