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21 de Dezembro de 2011 às 23:30

A revolução neuroeconómica

A Economia está no início de uma revolução que a liga a uma fonte inesperada: as escolas médicas e as suas pesquisas. A neurociência - a ciência que estuda o funcionamento do cérebro - está a alterar a maneira como pensamos a forma como as pessoas tomam decisões. Estas descobertas irão, inevitavelmente, mudar a forma como analisamos o funcionamento da economia.

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A Economia está no início de uma revolução que a liga a uma fonte inesperada: as escolas médicas e as suas pesquisas. A neurociência - a ciência que estuda o funcionamento do cérebro - está a alterar a maneira como pensamos a forma como as pessoas tomam decisões. Estas descobertas irão, inevitavelmente, mudar a forma como analisamos o funcionamento da economia. Em resumo, assistimos ao nascimento da "neuroeconomia".

Os esforços para ligar a neurociência à economia são recentes e o crescimento da neuroeconomia ainda está numa fase inicial. Mas o seu nascimento segue um padrão: as revoluções na ciência tendem a surgir de locais totalmente inesperados. Um campo da ciência pode tornar-se estéril se não existirem, no horizonte, novas abordagens. Os investigadores podem ficar de tal forma "aprisionados" nos seus métodos - na linguagem e metodologia das suas disciplinas - que as suas pesquisas se tornam repetitivas e triviais.

Até que algo excitante aparece, vindo de alguém que nunca esteve envolvido nestes métodos - uma nova ideia que atrai os novos investigadores e alguns iconoclastas mais antigos, que estão dispostos a aprender uma ciência diferente e os seus métodos de pesquisa diferentes. A certo ponto deste processo, ocorre uma revolução científica.

A revolução neuroeconómica viveu recentemente alguns acontecimentos importantes, entre eles, a publicação, no ano passado, do livro "Foundations of Neuroeconomic Analysis" do neurocientista Paul Glimcher. O título é uma alusão ao clássico título Foundations of Economic Analysis de Paul Samuelson, que ajudou a lançar outra revolução na teoria económica. Paul Glimcher já trabalha no departamento de Economia da Universidade de Nova Iorque (também trabalha no Centro de Neurociência da mesma universidade).

No entanto, para a maioria dos economistas, Glimcher veio de outro planeta. Fez o doutoramento no departamento de neurociência da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia. Além disso, neuroeconomistas como ele realizam pesquisas que saem da zona de conforto intelectual dos seus colegas, ao tentarem ligar conceitos básicos da economia a estruturas do cérebro específicas.

Muita da economia moderna e da teoria financeira baseia-se no pressuposto de que as pessoas são racionais, e sendo assim, tentam sistematicamente maximizar a sua felicidade, ou em linguagem económica, a sua utilidade. Quando Samuelson abordou este tema, em 1947, não teve em consideração o cérebro, tendo baseado a sua análise nas "preferências reveladas". Os objectivos das pessoas são revelados através da observação das suas actividades económicas. Tendo como base a teoria de Samuelson, gerações de economistas basearam as suas pesquisas, não em estruturas físicas subjacentes ao pensamento e ao comportamento, mas apenas no pressuposto da racionalidade.

Glimcher é um céptico em relação à teoria económica dominante, e tem procurado no cérebro bases biológicas para ela. Ele quer transformar a teoria da utilidade "suave" em teoria da utilidade "brusca", descobrindo os mecanismo cerebrais subjacentes à noção de utilidade.

Em particular, Glimcher pretende identificar as estruturas cerebrais que processam os elementos chave da teoria da utilidade quando as pessoas enfrentam situações de incerteza: "(1) valor subjectivo, (2) probabilidade, (3) o produto do valor subjectivo e da probabilidade (valor subjectivo esperado) e (4) um mecanismo neurocomputacional que escolha o elemento do conjunto de opções que tem o valor subjectivo esperado mais elevado..."

Apesar de Glimcher e dos seus colegas já terem feito descobertas fascinantes, não conseguiram ainda descobrir a maioria das estruturas cerebrais básicas. Talvez porque essas estruturas, simplesmente, não existem e toda a teoria de maximização da utilidade esteja errada, ou pelo menos, a necessitar de uma revisão radical. Se assim for, isso basta para abalar as bases da economia.

Outra linha de investigação que entusiasma os neurocientistas é a forma como o cérebro lida com situações ambíguas: situações em que as probabilidades não são conhecidas ou falta informação relevante. Os cientistas já descobriram que o cérebro usa regiões diferentes quando lida com problemas em que as probabilidades são claras e em casos em que as probabilidades são desconhecidas. Esta pesquisa pode ajudar-nos a perceber como é que as pessoas lidam com a incerteza e o risco em determinadas situações, como por exemplo, os mercados financeiros em época de crise.

John Maynard Keynes acreditava que a maioria das decisões económicas são tomadas em situações ambíguas em que as probabilidades não são conhecidas. Assim, concluiu que grande parte do nosso ciclo económico depende de flutuações de impulsos - a que chamou de "espírito animal": algo que existe na mente humana e que não é entendida pelos economistas.

O problema da economia é que, muitas vezes, em situações de crise, há tantas interpretações como economistas. Uma economia é uma estrutura de grande complexidade cuja análise depende do conhecimento das leis, regulações, práticas e costumes empresariais, balanços e muitos outros detalhes.

Ainda assim, é provável que um dia venhamos a saber muito mais sobre a forma como a economia funciona - ou não funciona - ao compreender melhor as estruturas biológicas de que depende o funcionamento do cérebro. Essas estruturas - redes de neurónios que comunicam entre si por meio de axónios e dendrites - estão subjacentes à familiar analogia entre cérebro e computador - redes de transístores que comunicam entre si através de fios de electricidade. É possível estender esta analogia à economia: uma rede de pessoas que comunicam entre si através de ligações electrónicas e outras.

O cérebro, o computador e a economia: três sistemas cuja função é coordenar as actividades de unidades individuais (neurónios, transístores e indivíduos) através da resolução de problemas de informação básicos. Cada vez que entendemos melhor os problemas que cada um destes sistemas resolve - e como superam obstáculos ao fazê-lo - aprendemos algo valioso sobre os três.


Robert Shiller, professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor com George Akerlof do livro "Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy and Why It Matters for Global Capitalism".


© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques



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