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A Oportunidade e a Crise

Apesar dos ténues sinais de retoma, estamos a viver a maior crise económica depois da Grande Depressão de 1929. A queda dos preços do sector imobiliário, a desvalorização das acções e a falência do sistema bancário, só...

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Apesar dos ténues sinais de retoma, estamos a viver a maior crise económica depois da Grande Depressão de 1929. A queda dos preços do sector imobiliário, a desvalorização das acções e a falência do sistema bancário, só evitada graças à intervenção dos governos, leva a maioria das pessoas a alterar os seus hábitos de consumo e de investimento. Poupar mais parece lógico para fazer face à incerteza quanto ao futuro - não estará o meu emprego ameaçado? A queda de preços - deflação - também sugere que adiemos a decisão de compra, porque amanhã é mais barato.

A maioria das pessoas sabe que este procedimento pode estar a condenar o trabalho de outros - dos fabricantes de automóveis, dos operários do sector têxtil ou das empresas de construção civil - sobretudo dos que trabalham para produzir bens de consumo duradouro. No entanto, adiar a troca de carro, a compra de roupa ou da segunda habitação pode ajudar a viabilizar o meu consumo futuro. Talvez o Estado ajude os futuros desempregados, com os meus impostos actuais, o que alivia um pouco a minha consciência de que posso estar a ter um comportamento egoísta.

Se tiver o azar de ser um dos desempregados vou provavelmente procurar preservar ainda mais as minhas reservas financeiras, fazendo contas ao tempo que posso sobreviver com a indemnização que recebi e com as poupanças que o meu banco ainda consegue devolver-me. Procuro, sobretudo, evitar gastar e correr riscos, nomeadamente através da aplicação em novos negócios. Se nem os actuais sobrevivem, como podem novos negócios ter sucesso?

A generalização deste comportamento, só aparentemente racional, levaria à supressão do comércio internacional, à perda dos benefícios decorrentes da especialização e divisão do trabalho, ao colapso do sistema financeiro e ao retorno a uma economia de subsistência. Porém, isso não vai acontecer.

A recente recuperação dos mercados de capitais, apesar de tímida e incerta, revela que os "contrários" já estão a comprar, convictos de que os preços poderão já ter batido no fundo. Os leilões do sector imobiliário, uma prática recente, acabam por encontrar compradores. Mais importante ainda, continuam a ser criados novos negócios e muitas empresas continuam a lançar novos produtos. As fusões e aquisições estão de novo a aumentar em número revelando que os preços actuais já estão a gerar compradores interessados.

A situação actual é provavelmente um período de ouro para os empreendedores, por três razões fundamentais:
- O investimento deve ser feito na fase baixa do ciclo económico. Devido ao tempo necessário à sua realização e arranque, a actividade da nova empresa vai estar em pleno numa fase ascendente da economia e da procura;
- Numerosas empresas actuais vão sucumbir face à queda do volume de negócios e à escassez de financiamento, deixando uma procura latente por satisfazer;
- A rigidez do tecido produtivo levou as empresas existentes a ignorar a evolução do gosto dos consumidores, gerando fortes imperfeições de mercado e criando numerosas oportunidades por satisfazer.

Há uma imensidão de oportunidades por detectar, mas algumas são já bastante evidentes. Muitos utilizadores de automóveis gostariam de trocar de carro, mas não com motor de combustão, por razões ambientais e por receio de novo disparo nos preços do petróleo. No entanto a oferta de carros a hidrogénio, eléctricos ou híbridos com ligação à corrente, provavelmente a solução mais promissora, continua adiada, bem como a renovação da infra-estrutura adequada. Para já, os híbridos da Honda e da Toyota estão no topo das vendas no Japão. Outro exemplo claro é o da construção - em vez de necessitar de caldeiras de aquecimento e aparelhos de ar condicionado, os consumidores procuram casas eficientes, de preferência produtoras líquidas de energia, uma tecnologia ainda não disseminada. Procuremos ir a um restaurante comum em busca de uma refeição vegetariana - no entanto cerca de 10% dos ingleses são já estritamente vegetarianos e o seu número está também a aumentar entre nós. Os produtos da agricultura biológica, que fizeram a fortuna dos accionistas da cadeia americana WholeFoodsMarket, e estão a crescer em praticamente todos os mercados são ainda difíceis de encontrar, num país que poderia recuperar a sua agricultura com a simples certificação e formação de agricultores que produzem produtos biológicos sem saber. Um dos nosso maiores problemas - o tratamento dos lixos domésticos e industriais - representa, através da reciclagem, uma imensa oportunidade de negócio e de criação de empregos. A nossa medicina continua predominantemente tradicionalista quando muitos pacientes preferem a homeopatia ou a acupunctura …

A lista das oportunidades actuais é do tamanho da crise. Muitos detectaram estas oportunidades a tempo, como os fundos de investimento "verdes", especializados em actividades amigas do ambiente que geraram rendibilidades acima da média do mercado. Outros, seguem a profecia de Oliver Twist "raramente detectei uma oportunidade, até ela deixar de o ser"…


Professor na ISCTE Business School
jose.esperanca@iscte.pt
Coluna à terça-feira

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