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Opinião
30 de Dezembro de 2010 às 11:42

A esperança desesperada

Poucos serão indiferentes à situação em que o País se encontra. Mas que os há, há.

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São aqueles que, de uma forma ou de outra, contribuíram para esta tragédia. Não é preciso nomeá-los: todos nós sabemos quem são. E o que me parece mais desprezível é a firmeza com que ainda haja pessoas a defender um sistema não só doente económica e financeiramente mas, sobretudo, com graves enfermidades morais.

Chegamos ao fim de mais um ano e a esperança surge como desesperada. Já ninguém duvida das convulsões sociais que se adivinham, e só mesmo o primeiro-ministro é capaz de proferir afirmações tão absurdas como aquelas que faz. Ele o diz que é difícil decapitá-lo politicamente. É verdade. O homem possui uma tenacidade e uma obstinação invulgares. Não quer dizer nada. Apenas que está ali de pedra e cal. Até ver.

As sondagens dão-no como morto-vivo. E as coisas vão de mal a pior. Cavaco, que tem a simpatia dissimulada de quase toda Imprensa, o que se tornou na vergonha do pensamento crítico, tem demonstrado, nos debates televisivos, que não está à altura de coisa alguma. É um medíocre enfatuado, que mal oculta a raiva que o assola quando contrariado. E nada sabe de coisa alguma. Passos Coelho, inicialmente um falador sem continência, parece mais prudente e equilibrado. Aguarda, como um predador de tocaia, que a sua presa mais se estenda ao comprido. Depois, fará o que muito bem entender.

Vem aí o novo ano e todas as indicações são de molde a deixar-nos prostrados. O desejo improvável de Sá Carneiro - um Presidente, um Governo, uma Maioria - está quase a tornar-se realidade. A ausência de ideologia, a capitulação do PS de Sócrates, a desistência ética dos "intelectuais" portugueses permitiu esta anomalia histórica. Todos aqueles que, durante estes anos "socialistas" vão ser substituídos por uma trupe arfante de ganância e poder, já têm empregos garantidos em administrações de grandes empresas. Estou para ver para onde vai Sócrates. O despudor da "alternância" sem "alternativa" transformou a política portuguesa num modo de vida de um grupo que se protege e se resguarda. Não me canso de o dizer.

Estamos a perder a configuração moral de nação. Os que vêm nada trazem. Os que vão embora organizaram as suas vidinhas. Seria curial que o "jornalismo de investigação" procurasse indagar sobre o paradeiro profissional daqueles, do PS, do PSD e do CDS, que nos últimos trinta e quatro anos têm sido governantes. Mas o "jornalismo de investigação", que dá a ideia de possuir apenas um sentido e uma direcção, não está interessado em desvendar essas minudências.

Sócrates preparou o caminho, por inércia e atroz incompetência, para a Direita actuar de mãos livres. E o que a Direita tem dito, das suas opções, desígnios e objectivos só pode turvar as mentes de beócios. Mais: a Direita prepara-se para se instalar, durante muitos anos, na cadeira do poder. As consequências sociais e políticas do que se avizinha são imprevisíveis. O que não é imprevisível é a movimentação que já se nota, os conluios que estão a estabelecer-se, as intrigas que se urdem. O tal "jornalismo de investigação" talvez devesse noticiar os almoços, os jantares, os encontros, que tornam supérfluos, ou quase, os protestos de indignação dos que ainda se não dobraram. Ainda os há. Mas perdem, lentamente, essa capacidade.

Dilecto: como sou de têmpera rija e optimista, aceite um abraço forte e, apesar de tudo, de força e de resistência.

MORTE DE AURÉLIO MÁRCIO
Quando comecei a trabalhar n' "O Século", anos 50 do século passado, já o Aurélio Márcio colaborava na secção desportiva. Escrevia pequenas notas, relatos de futebol, 5 contos a peça, uma miséria que ele aceitava porque precisava de arredondar a conta ao fim do mês. Trabalhava desalmadamente. E nunca lhe surpreendi um gesto de enfado, uma frase desabrida. Elegante, sabedor, raramente se desfazia daquele sorriso largo e feliz que foi a marca de um carácter e o estilo de um espírito. Depois, fomos camaradas de Redacção no "Diário Popular", onde ele se distinguia pelos saberes e pela distinção. Durante quase trinta anos batucámos prosa lado a lado. A seguir ao fecho da edição ele dirigia-se para "A Bola", o grande e respeitado jornal, cujos redactores eram quase uma lenda. O Aurélio, incansável, horas e horas a fio marcadas por um raríssimo conhecimento profissional, e um trato humano incomparável, parecia indestrutível. Todas as semanas, depois de as nossas vidas tomarem rumos diferentes, encontrávamo-nos no Xénon, ao lado do antigo Palladium, cada um a adquirir as reservas de jornais estrangeiros que nos interessava. Sentávamo-nos na esplanada em frente, tomávamos um café, um refresco, discreteávamos sobre o nosso ofício e contávamos episódios e lances que nos iam acontecendo. Gostava muito do Aurélio, do seu belo sorriso de olhos azuis, da sua recusa em envelhecer, e da sua extraordinária aptidão para se renovar. Viveu 91 anos. Repito: de uma vida intensa de trabalho e de grandeza. Um forte xi-coração para o João Alves da Costa, o filho adorado do Aurélio, e, também, meu querido amigo.


b.bastos@netcabo.pt
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