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17 de Março de 2010 às 11:40

A casa pia do santo padre

Um rol de abusos e violações de clérigos católicos pedófilos é notícia a cada dia que passa na Alemanha, Suíça, Itália, Holanda e Espanha, e a Igreja de Bento XVI mostra-se incapaz de assumir responsabilidades. Na Alemanha, 170 casos de abusos em instituições católicas...

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Um rol de abusos e violações de clérigos católicos pedófilos é notícia a cada dia que passa na Alemanha, Suíça, Itália, Holanda e Espanha, e a Igreja de Bento XVI mostra-se incapaz de assumir responsabilidades.

Na Alemanha, 170 casos de abusos em instituições católicas foram referenciados desde o início do ano em 19 das 27 dioceses do país, e o próprio Papa acabou envolvido num dos escândalos, ao tornar-se conhecido que em 1980, quando era arcebispo de Munique e Freising, aprovara a transferência de um padre envolvido em actos de pedofilia da diocese de Essen para Munique para tratamento psiquiátrico.

O padre Peter Hullerman retomou pouco depois a actividade pastoral. Seis anos passados seria condenado por um tribunal de Grafing a 18 meses de pena suspensa por abuso de um menor, mas ainda assim continuaria ao serviço da Igreja na Baviera.

O clérigo de 62 anos, colocado presentemente em Bad Tölz, só foi suspenso na segunda-feira, após protestos dos paroquianos. O antigo vigário-geral de Munique Gerhard Gruber assumiu a responsabilidade por um "grave erro" ao permitir o exercício de funções eclesiásticas a um padre condenado por pedofilia e frisou que a sua decisão não era do conhecimento do actual Papa.

Joseph Ratzinger tão pouco teria conhecimento de casos de abusos físicos e sexuais ocorridos no Coro da Catedral de Rabistona, incluindo a condenação por actos pedófilos em 1971 de um padre responsável de um colégio interno que albergava jovens cantores, que veio a ser dirigido pelo seu irmão George entre 1964 e 1994.

Na Sala de Imprensa do Vaticano, o porta-voz padre Federico Lombardi tinha já declarado no sábado que as tentativas de envolver o Papa em escândalos de pedofilia tinham fracassado e que a Igreja agira de forma resoluta e decisiva face às recentes denúncias de abusos.

O cardeal da omertà
Na Irlanda, entretanto, o cardeal Sean Brady continua a afirmar que só resignará por decisão papal, apesar de ter reconhecido que em 1975, quando era secretário do bispo de Kilmore, participara em reuniões que levaram um rapaz de 10 anos e uma rapariga de 14 anos a jurar voto de silêncio depois de terem sido violados pelo padre Braden Smith, um pedófilo que desde os anos 40 abusou dezenas de menores na República da Irlanda, na Irlanda do Norte e nos Estados Unidos, até vir a morrer na prisão, em 1997.

A figura máxima da Igreja irlandesa, afirmando que a protecção das crianças foi sempre a sua maior preocupação, justifica-se declarando que nos anos 70 vigorava uma "cultura de segredo" no clero e na sociedade, e que face a abusos sexuais não eram impostos padrões de comportamento tão elevados como na actualidade.

O cardeal, primaz da Irlanda desde 1996, foi confrontado em 2009 com uma investigação revelando abusos sistemáticos e continuados de menores em instituições católicas desde 1936 e outro relatório sobre a protecção concedida na arquidiocese de Dublin a 46 padres pedófilos entre 1975 e 2004, e só admite resignar caso seja provado que alguma criança foi molestada por alguma falha administrativa da sua responsabilidade.

Criado cardeal em Novembro de 2007 por Bento XVI, Sean Brady ainda não vislumbra o que possam significar as palavras do Evangelho Segundo São Mateus (18,2): "Mas se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar."

O padrão pedófilo
A nova vaga de escândalos que assola a Igreja católica na Europa Ocidental, a que se juntam igualmente as perversões do fundador da Legião de Cristo, o mexicano Marcial Maciel, falecido em desgraça, em 2008, dois anos depois de Bento XVI lhe ter ordenado que se confinasse a uma "vida de oração e penitência", vem na sequência dos processos por pedofilia que abalaram o catolicismo norte-americano.

Um estudo encomendado pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos e divulgado em 2004 é um dos raros documentos que permitem lançar alguma luz sobre "abusos de menores cometidos por padres católicos e diáconos".

Os investigadores do "John Jay College" de Justiça Penal de Nova Iorque apuraram que entre 1950 e 2002 as dioceses norte-americanas levantaram processos a 4.392 clérigos, ou seja, cerca de 4% do total clero, por suspeita de abuso a menores de 18 anos.

Dos 1.021 casos levados ao conhecimento da polícia (já que 3.300 não foram investigados devido ao falecimento dos acusados) resultaram 384 acusações, redundando em 252 condenações e 100 penas de prisão.

Tais números indiciam uma incidência de abusos comum a outras profissões em que o contacto com menores é de regra, mas o padrão no caso dos padres católicos mostra que 81% das vítimas eram rapazes, 78% dos quais com idades compreendidas entre os 11 e os 17 anos.

Outras instituições de reclusão não-católicas, como prisões, reformatórios, orfanatos ou colégios internos, conhecem situações deste tipo, mas, no caso da Igreja de Roma, o mais grave é a sistemática e continuada protecção concedida a prevaricadores, apesar dos sucessivos desmentidos da hierarquia.

As precisões da congregação
O promotor da justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, Charles Cicluna, esclareceu este mês numa entrevista ao "Avvenire", diário da Conferência Episcopal Italiana, que só desde 2001 a investigação do delito de pedofilia é da exclusiva competência da antiga Inquisição.

O monsenhor maltês disse que a Igreja aconselha os bispos a convidarem as vítimas de crimes cometidos por sacerdotes fora do segrego sacramental da confissão a denunciarem os casos às autoridades civis em países em que tal não esteja previsto pela lei.

Entre os delitos muito graves a cargo da Congregação contaram-se entre 2001 e 2010 cerca de 3 mil casos de acusações a membros do clero regular e secular por actos de teor sexual cometidos nos últimos 50 anos.

Precisando as acusações, monsenhor indicou que 60% seriam casos de efebofilia, entendida como atracção por adolescentes do mesmo sexo; 30% relações heterossexuais; e apenas 10% actos de pedofilia envolvendo menores de 14 anos. Para completar as suas precisões, o promotor revelou que cerca de 300 sacerdotes foram expulsos e outros tantos viram aceites os seus pedidos de dispensa das obrigações sacerdotais.

Ai do mundo!
Num universo de 409.188 membros do clero regular e secular em 2008, segundo dados do "Anuário Pontífico" de 2010, tais números parecem pouco relevantes, mas sendo a Igreja Católica uma entidade que se reclama do mais alto magistério moral, e a quem os fiéis confiam a educação de seus filhos e dependentes, o encobrimento de casos de abusos e violações assume foros de escândalo e corrói a legitimidade.

Bento XVI já evocou as palavras do Evangelho Segundo São Mateus para condenar os pedófilos que se acoitam na Igreja.

Facto é que desde o início do seu pontificado, em Abril de 2005, omissões, conivências e encobrimentos continuam a escandalizar.

"Ai do mundo por causa dos escândalos! São inevitáveis, por certo, os escândalos, mas ai do homem por quem vem o escândalo!", palavras de Jesus no dizer do apóstolo Mateus.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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