Opinião
A carta do ministro
Quando, em Março, Campos e Cunha previu que teria de aumentar os impostos, Sócrates disse que não – depois, aumentou. Quando, há 15 dias, Sócrates disse que não haverá mais aumentos de impostos, Campos e Cunha relativizou – a declaração tem prazo de valid
Quando, no Domingo, Campos e Cunha escreveu que as medidas de contenção podem continuar em 2006 e Sócrates não comentou, todos percebemos o que vai acontecer.
Há um homem político, o primeiro-ministro, que deseja recuperar a confiança dos portugueses e dar-lhes um quadro de sossego governativo. Há um homem técnico, o ministro das Finanças, que deseja não criar falsas expectativas e manter o alerta laranja. Sócrates vê o PS e as Autárquicas. Campos e Cunha vê o Governo e a Comissão Europeia. Sócrates é a parede, Campos e Cunha é a Espada. Nós estamos no meio. E a oposição entretém-se da bancada a mandar tiradas, divertindo-se com as contradições.
A oposição ataca sempre os ministros das Finanças. É natural. É oportunista. Neste caso, a inabilidade política de Campos e Cunha ou é ingenuidade ou é sonsice – e é explorada à exaustão. Quando um guarda-redes fraqueja nos remates de longe, o adversário chuta de longe; quando o defesa esquerdo é mau, o adversário ataca pela sua direita. Campos e Cunha é esse defesa trôpego e esse guarda-redes frangueiro. Porque neste jogo pontua quem desfigura o adversário, quem explora contradições e «incorrecções». Ainda que as bolas não entrem, a saída aos papéis faz perder pontos. É por isso que a oposição concentra os seus ataques neste elo mais fraco. Mais fraco politicamente. Com incorrecções tecnicamente.
O ministro pode fazer duas coisas. Uma é deixar de ir a jogo. Sair do Governo ou, ficando, calar-se. Fazer como o seu director-geral dos Impostos, que silenciou as críticas demagógicas ao ordenado desaparecendo como pessoa e aparecendo subliminarmente como profissional, mostrando o seu trabalho como se nem o quisesse mostrar. Hoje, é um herói. O silêncio engrandece sempre. Evita o disparate e dá aura de superioridade.
Mas há outra hipótese: persistir na agenda própria, fazer política para dentro e desvalorizar as pedradas da oposição. Essas pedradas são quase todas não-sérias e de quem saliva por uma cisão no Governo.
A questão de fundo não é se o ministro das Finanças fala ou não fala. É se o ministro mente. Até agora, não mentiu.