Opinião
A esquina do Rio
Nos últimos dias assistimos ao surgimento de uma bicha de ex-dirigentes e responsáveis do PS, pedindo aos partidos da oposição que continuassem a perdoar as trapalhadas que José Sócrates tem montado.
A fila
Nos últimos dias assistimos ao surgimento de uma bicha de ex-dirigentes e responsáveis do PS, pedindo aos partidos da oposição que continuassem a perdoar as trapalhadas que José Sócrates tem montado. Até Mário Soares, que na semana passada tinha dito que a forma de apresentação do PEC IV tinha sido um erro grave, avisando que iria descambar numa crise séria, apareceu esta semana a desejar que ninguém ligasse àquilo que, há uma semana atrás, achava criticável. Também Jorge Sampaio, João Soares, Manuel Alegre, António Costa e muitos outros vieram falar no mesmo sentido - o de os outros partidos deverem atender aos apelos do Partido Socialista que, num clima destes, insistiu sempre em dizer que a culpa não era sua, mas sim dos outros. O inefável Jorge Sampaio, algures no Dubai, confessou-se muito preocupado com a estabilidade - sem querer recordar-se que toda esta instabilidade, em boa parte, está directamente ligada à forma como ele próprio, então Presidente da República, geriu as consequências da saída de Durão Barroso para a Presidência Europeia. Noutras ocasiões a estabilidade não lhe interessou - agora, nas Arábias, está arreliadíssimo com o que se passa.
Mas o mais curioso nesta bicha de opiniões de notáveis socialistas é que não há quem veja a evidência: para que se concretize o entendimento alargado que todos pedem é fundamental que Sócrates saia de cena. Se ele se recandidatar em legislativas antecipadas será muito difícil conseguir esse acordo alargado que dizem defender: do ponto de vista político Sócrates mentiu demais, ameaçou demais, chantageou demais, foi arrogante demais. Perdeu a credibilidade - não só nos actos (que nos conduziram onde estamos), como nas palavras que revelaram um sistemático desfoque da realidade. De facto, não foi a economia que nos tramou, foi a política seguida por Sócrates, de desprezar a realidade, que nos levou onde hoje estamos. Com Sócrates no PS o entendimento alargado torna-se virtualmente impossível. Era com isto que os guardiões da estabilidade se deviam preocupar. E em vez de pedirem aos outros para mudarem, mais valia que Mário Soares, Jorge Sampaio, Manuel Alegre, Francisco Assis, António Costa e tantos outros pusessem, mãos à obra para mudarem o que tão mal tem funcionado no Partido Socialista. Já que pertencem ao PS tratem do seu partido em vez de se preocuparem tanto com os outros.
E, se o PS não conseguir internamente, com todos estes notáveis, resolver o problema que de facto existe - e que algumas corajosas vozes dissonantes sublinham - de facto o resultado pode ser bem complicado. Qualquer que seja o desenrolar desta situação já se percebeu que Sócrates não pode fazer parte da solução, porque ele esteve na raiz do problema. E é sobre isto que eu gostava de ouvir que têm a dizer tantos notáveis.
Nota: esta coluna de opinião foi escrita antes do anúncio de demissão do primeiro-ministro, José Sócrates, na quinta-feira à noite.
Provar
O conflito de Lisboa com as esplanadas é coisa que sempre me intrigou. Será do vento? Será do ar pálido cultivado por tantos cidadãos? Eu por mim gosto das esplanadas e fico sempre contente quando abre mais uma. Esta semana, aproveitando o primeiro dia da primavera, fui até uma das esplanadas do Jardim de S. Pedro de Alcântara e por lá fiz um almoço ligeiro e tardio. Vista magnífica, o Tejo a espreitar ao fundo, ao lado do Castelo de S. Jorge, local abrigado, sem ventania. Esplanada limpa e asseada, serviço simpático, boas surpresas. As tostas mistas felizmente evitam aquele pão de forma inspirado na borracha, que se tornou demasiado frequente, e usam uns cacetinhos saborosos, aquecidos quanto baste, sem ficarem espalmados e desinteressantes. Cada tosta mista é composta por dois desses pequenos cacetinhos. No meu caso escolhi a de presunto, queijo e rúcula - e não me arrependi. O presunto veio cortado fino, fácil de trincar, sem ser aquelas lascas grossas e secas que infelizmente são a matéria-prima da maior parte das sanduíches de presunto locais - que as mais das vezes se assemelham a maus couratos. O queijo também vinha no ponto, aquecido, sem vir transformado em pastilha elástica escaldante. Na mesa ao lado estava uma idêntica tosta, mas de salmão fumado com queijo Filadélfia, com muito bom aspecto - fica para a próxima incursão. Dizem-me que ao fim da tarde vale a pena provar o gin tónico do local. Tenho impressão que ali voltarei mais vezes. Ali e ao outro quiosque - esplanada que fica na parte debaixo do jardim de S. Pedro de Alcântara, ainda mais abrigado, e que acolhe desde o ano passado os célebres cachorros-quentes que dantes só existiam no Guincho.
"Ouver"
Não é gralha, quis mesmo escrever "ouver" porque vou falar de um misto de ouvir com ver - isto tudo a propósito da edição especial de "The Wall- Live In Berlim". Quem escapou à missa rezada esta semana no Pavilhão Atlântico por Roger Waters pode aqui ver e ouvir a liturgia original, do Verão de 1990, gravada em Berlim. Além do concerto - com nomes que incluem Van Morrison, Sinead O'Connor, Ute Lemper, The Band, Thomas Dolby e vários outros, esta edição inclui ainda um documentário sobre tudo o que rodeou a produção do primeiro mega-concerto da década de 90 e diversos outros extras, como animações usadas em palco assim como os projectos de todo o cenário. Nesta nova edição especial da Universal - "The Wall Live in Berlin - Limited De Luxe Tour Edition" - estão incluídos o DVD com as imagens já referidas e dois CD's que reproduzem integralmente o concerto que de facto simbolizou o fim do Muro. É uma belíssima edição, já disponível em Portugal, e que é o testemunho de uma das maiores produções de sempre na história da música popular.
Arco da velha
Não consigo perceber porque é que tanta gente que apoiou Manuel Alegre apelou nesta semana a Cavaco Silva para intervir em defesa de Sócrates. Como blogou um amigo meu, se os portugueses quisessem que o Presidente da República atendesse aos apelos do PS, teriam votado Manuel Alegre.
Ler
Sérgio Henriques Coimbra é um jornalista português de quem muito gosto e com quem tenho tido o prazer de trabalhar. Ainda por cima escreve muito bem - literariamente falando, e só descobri isso agora. Por estes dias, inspirado por uma ideia de John Steinbeck, editou um delicioso livro intitulado "Passeios com Moby". O Moby é o cão do Sérgio, que o acompanha num passeio por Portugal, uma jornada que é apenas um pretexto para um passeio pela própria vida do autor, para uma descrição ácida (mas lúcida) das vicissitudes de Portugal nos últimos anos. Não é um livro de viagens no sentido tradicional do termo, é um livro que relata a viagem do Sérgio por este mundo e pelo nosso tempo - desde as memórias de Moçambique às reflexões sobre os dislates feitos à paisagem portuguesa, passando pelo apelo à contínua descoberta de novos mundos e novos lugares. De facto há muito que não tinha tanto prazer a ler um livro que, inesperadamente, é sobre a vida e o destino - incluindo o rejeitar as conveniências. "Passeios com Moby", 124 páginas, edição Aletheia.
Ver
Até dia 6 de Maio vale a pena visitar a exposição de novos trabalhos sobre papel de Pedro Calapez, que inaugurou esta semana na Galeria João Esteves de Oliveira, na Rua Ivens 38. Chama-se "Suave Paisagem" e agrupa 34 novas obras, feitas em 2010 e algumas já em 2011. É um conjunto surpreendente, pela intensidade, pela diversidade de técnicas, mas também pelo lado de novidade das obras mais recentes - a série "Paisagens", desenhos feitos a pastel de óleo sobre papel que criam imagens a partir da junção de vários elementos apenas aparentemente dispersos. A série que dá o nome à exposição, "Suaves Paisagens", recorre a acrílico e aguarela sobre papel e é inesperada na forma como mostra um regresso à pintura unidimensional, depois dos trabalhos mais recentes do artista explorando formas, relevos e instalações tridimensionais. Pedro Calapez tem tido nos últimos anos uma actividade internacional assinalável e tem procurado explorar novos caminhos - como esta exposição bem mostra, até na pequena mas muito curiosa série "Estudos para Construção".
Nos últimos dias assistimos ao surgimento de uma bicha de ex-dirigentes e responsáveis do PS, pedindo aos partidos da oposição que continuassem a perdoar as trapalhadas que José Sócrates tem montado. Até Mário Soares, que na semana passada tinha dito que a forma de apresentação do PEC IV tinha sido um erro grave, avisando que iria descambar numa crise séria, apareceu esta semana a desejar que ninguém ligasse àquilo que, há uma semana atrás, achava criticável. Também Jorge Sampaio, João Soares, Manuel Alegre, António Costa e muitos outros vieram falar no mesmo sentido - o de os outros partidos deverem atender aos apelos do Partido Socialista que, num clima destes, insistiu sempre em dizer que a culpa não era sua, mas sim dos outros. O inefável Jorge Sampaio, algures no Dubai, confessou-se muito preocupado com a estabilidade - sem querer recordar-se que toda esta instabilidade, em boa parte, está directamente ligada à forma como ele próprio, então Presidente da República, geriu as consequências da saída de Durão Barroso para a Presidência Europeia. Noutras ocasiões a estabilidade não lhe interessou - agora, nas Arábias, está arreliadíssimo com o que se passa.
Mas o mais curioso nesta bicha de opiniões de notáveis socialistas é que não há quem veja a evidência: para que se concretize o entendimento alargado que todos pedem é fundamental que Sócrates saia de cena. Se ele se recandidatar em legislativas antecipadas será muito difícil conseguir esse acordo alargado que dizem defender: do ponto de vista político Sócrates mentiu demais, ameaçou demais, chantageou demais, foi arrogante demais. Perdeu a credibilidade - não só nos actos (que nos conduziram onde estamos), como nas palavras que revelaram um sistemático desfoque da realidade. De facto, não foi a economia que nos tramou, foi a política seguida por Sócrates, de desprezar a realidade, que nos levou onde hoje estamos. Com Sócrates no PS o entendimento alargado torna-se virtualmente impossível. Era com isto que os guardiões da estabilidade se deviam preocupar. E em vez de pedirem aos outros para mudarem, mais valia que Mário Soares, Jorge Sampaio, Manuel Alegre, Francisco Assis, António Costa e tantos outros pusessem, mãos à obra para mudarem o que tão mal tem funcionado no Partido Socialista. Já que pertencem ao PS tratem do seu partido em vez de se preocuparem tanto com os outros.
E, se o PS não conseguir internamente, com todos estes notáveis, resolver o problema que de facto existe - e que algumas corajosas vozes dissonantes sublinham - de facto o resultado pode ser bem complicado. Qualquer que seja o desenrolar desta situação já se percebeu que Sócrates não pode fazer parte da solução, porque ele esteve na raiz do problema. E é sobre isto que eu gostava de ouvir que têm a dizer tantos notáveis.
Provar
O conflito de Lisboa com as esplanadas é coisa que sempre me intrigou. Será do vento? Será do ar pálido cultivado por tantos cidadãos? Eu por mim gosto das esplanadas e fico sempre contente quando abre mais uma. Esta semana, aproveitando o primeiro dia da primavera, fui até uma das esplanadas do Jardim de S. Pedro de Alcântara e por lá fiz um almoço ligeiro e tardio. Vista magnífica, o Tejo a espreitar ao fundo, ao lado do Castelo de S. Jorge, local abrigado, sem ventania. Esplanada limpa e asseada, serviço simpático, boas surpresas. As tostas mistas felizmente evitam aquele pão de forma inspirado na borracha, que se tornou demasiado frequente, e usam uns cacetinhos saborosos, aquecidos quanto baste, sem ficarem espalmados e desinteressantes. Cada tosta mista é composta por dois desses pequenos cacetinhos. No meu caso escolhi a de presunto, queijo e rúcula - e não me arrependi. O presunto veio cortado fino, fácil de trincar, sem ser aquelas lascas grossas e secas que infelizmente são a matéria-prima da maior parte das sanduíches de presunto locais - que as mais das vezes se assemelham a maus couratos. O queijo também vinha no ponto, aquecido, sem vir transformado em pastilha elástica escaldante. Na mesa ao lado estava uma idêntica tosta, mas de salmão fumado com queijo Filadélfia, com muito bom aspecto - fica para a próxima incursão. Dizem-me que ao fim da tarde vale a pena provar o gin tónico do local. Tenho impressão que ali voltarei mais vezes. Ali e ao outro quiosque - esplanada que fica na parte debaixo do jardim de S. Pedro de Alcântara, ainda mais abrigado, e que acolhe desde o ano passado os célebres cachorros-quentes que dantes só existiam no Guincho.
"Ouver"
Não é gralha, quis mesmo escrever "ouver" porque vou falar de um misto de ouvir com ver - isto tudo a propósito da edição especial de "The Wall- Live In Berlim". Quem escapou à missa rezada esta semana no Pavilhão Atlântico por Roger Waters pode aqui ver e ouvir a liturgia original, do Verão de 1990, gravada em Berlim. Além do concerto - com nomes que incluem Van Morrison, Sinead O'Connor, Ute Lemper, The Band, Thomas Dolby e vários outros, esta edição inclui ainda um documentário sobre tudo o que rodeou a produção do primeiro mega-concerto da década de 90 e diversos outros extras, como animações usadas em palco assim como os projectos de todo o cenário. Nesta nova edição especial da Universal - "The Wall Live in Berlin - Limited De Luxe Tour Edition" - estão incluídos o DVD com as imagens já referidas e dois CD's que reproduzem integralmente o concerto que de facto simbolizou o fim do Muro. É uma belíssima edição, já disponível em Portugal, e que é o testemunho de uma das maiores produções de sempre na história da música popular.
Arco da velha
Não consigo perceber porque é que tanta gente que apoiou Manuel Alegre apelou nesta semana a Cavaco Silva para intervir em defesa de Sócrates. Como blogou um amigo meu, se os portugueses quisessem que o Presidente da República atendesse aos apelos do PS, teriam votado Manuel Alegre.
Ler
Sérgio Henriques Coimbra é um jornalista português de quem muito gosto e com quem tenho tido o prazer de trabalhar. Ainda por cima escreve muito bem - literariamente falando, e só descobri isso agora. Por estes dias, inspirado por uma ideia de John Steinbeck, editou um delicioso livro intitulado "Passeios com Moby". O Moby é o cão do Sérgio, que o acompanha num passeio por Portugal, uma jornada que é apenas um pretexto para um passeio pela própria vida do autor, para uma descrição ácida (mas lúcida) das vicissitudes de Portugal nos últimos anos. Não é um livro de viagens no sentido tradicional do termo, é um livro que relata a viagem do Sérgio por este mundo e pelo nosso tempo - desde as memórias de Moçambique às reflexões sobre os dislates feitos à paisagem portuguesa, passando pelo apelo à contínua descoberta de novos mundos e novos lugares. De facto há muito que não tinha tanto prazer a ler um livro que, inesperadamente, é sobre a vida e o destino - incluindo o rejeitar as conveniências. "Passeios com Moby", 124 páginas, edição Aletheia.
Ver
Até dia 6 de Maio vale a pena visitar a exposição de novos trabalhos sobre papel de Pedro Calapez, que inaugurou esta semana na Galeria João Esteves de Oliveira, na Rua Ivens 38. Chama-se "Suave Paisagem" e agrupa 34 novas obras, feitas em 2010 e algumas já em 2011. É um conjunto surpreendente, pela intensidade, pela diversidade de técnicas, mas também pelo lado de novidade das obras mais recentes - a série "Paisagens", desenhos feitos a pastel de óleo sobre papel que criam imagens a partir da junção de vários elementos apenas aparentemente dispersos. A série que dá o nome à exposição, "Suaves Paisagens", recorre a acrílico e aguarela sobre papel e é inesperada na forma como mostra um regresso à pintura unidimensional, depois dos trabalhos mais recentes do artista explorando formas, relevos e instalações tridimensionais. Pedro Calapez tem tido nos últimos anos uma actividade internacional assinalável e tem procurado explorar novos caminhos - como esta exposição bem mostra, até na pequena mas muito curiosa série "Estudos para Construção".
Mais artigos de Opinião
O poder da Imprensa
22.12.2024
O poder da voz
15.12.2024
Tendências de mídia
08.12.2024
Onde está o Wally?
01.12.2024
Coisas do manicómio
24.11.2024
A publicidade na campanha americana
17.11.2024