Opinião
Eleições nos EUA: poderá o mundo sobreviver a mais quatro anos de Donald Trump?
Será que a América quer continuar a liderar um mundo que ainda precisa da América? Ou vai continuar a voltar-se para si própria, fechando-se ao mundo e permitindo à China fazer o trabalho pesado?
Sob o pretexto de pôr a América em primeiro lugar, Trump saiu de acordo global em acordo global, invertendo o rumo de algumas das maiores prioridades globais e compromissos morais da América. Trump tem desrespeitado os líderes democráticos e aliados de longa data, enquanto se aproxima de Vladimir Putin e outros autocratas. Embora as mais importantes instituições ocidentais – NATO, União Europeia, Nações Unidas, Organização Mundial do Comércio, Organização Mundial da Saúde – ainda estejam de pé, está em aberto a questão de saber se serão capazes de sobreviver a mais quatro anos de ataques e desinvestimento por parte da superpotência mundial. Então, o que acontecerá se o mundo tiver um segundo mandato Trump?
O jornal Politico, que cobre temas políticos, nos Estados Unidos e internacionalmente, questionou especialistas e decision makers sobre o que esperar, caso Trump seja reeleito. Algumas das respostas são inquietantes: Trump está a desenvolver uma força nuclear e parece estar decidido a desmantelar o tratado que resta entre as duas principais potências nucleares do mundo. E há um receio real de que um segundo mandato de Trump possa encorajar os autoritários de todo o mundo que fizeram fila para o apoiar.
Enquanto a administração Trump conseguiu uma vitória para a estabilidade no Médio Oriente este ano, assegurando acordos entre Israel, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, o mundo, como um todo não respondeu bem à sua presidência. Num recente inquérito Pew a 13 democracias, a confiança na sua liderança sobre os assuntos mundiais variou entre 9%, na Bélgica, e um máximo de 25%, no Japão. Trump é considerado o menos confiável de todos os grandes líderes mundiais – mesmo entre apoiantes dos partidos de extrema-direita da Europa, a sua aprovação nunca sobe acima dos 45%.
O “America First” tem custos enormes para a América: cada vez mais está a perder a capacidade de confiar na fácil cooperação dos velhos aliados, e o respeito global que suporta o poder de persuasão dos EUA quase desapareceu, devido à taxa de mortalidade galopante causada pelo coronavírus. Entre os 53 países inquiridos pela Aliança das Democracias, em junho, apenas americanos e japoneses afirmaram que os EUA tinham lidado melhor com o coronavírus do que a China.
Em relação ao comércio, é difícil lembrar como a política comercial era tranquila antes da chegada de Donald Trump. O que parecia ser uma rota de integração mais global foi fortemente perturbado pela sua campanha e durante o seu mandato. Trump retirou-se abruptamente do maior acordo comercial do mundo e impulsionou fortemente a política americana para uma abordagem protecionista improvisada, duramente aplicada através de tarifas punitivas. Nenhum especialista em comércio espera seriamente que Trump se desvie da sua abordagem, num segundo mandato. A sua administração mudou para sempre a conversa, a abordagem, a perspetiva sobre a China. É por isso que os próximos quatro anos são tão importantes.
Trump está agora a tentar fechar novos tratados com uma série de parceiros comerciais de topo. O primeiro é o Reino Unido, o quinto maior mercado de exportação de bens norte-americanos, que está a deixar a UE. Trump também prometeu novos acordos comerciais com outros parceiros importantes – Índia e Brasil – embora com estes as negociações ainda não tenham progredido tanto. Sendo bem-sucedido, Trump terá engendrado uma série de acordos individuais que retiram decididamente os Estados Unidos do seu antigo papel de líder do sistema de comércio multilateral.
Caso Trump seja reeleito, há receios de que ele possa iniciar uma guerra comercial com a Europa, tal como anteriormente ameaçou fazer, tendo afirmado que a Europa tem tratado os EUA, em muitas maneiras, pior do que a China. Uma guerra comercial seria prejudicial, tanto para a economia europeia como para a dos EUA, embora a UE possa perder mais se forem impostas tarifas às suas exportações para os Estados Unidos.
A UE tinha um excedente de 152 mil milhões de euros com os EUA em 2019, de acordo com dados do Eurostat. As exportações da UE para os EUA, em 2019, valiam cerca de 384 mil milhões de euros, enquanto as importações dos EUA para a UE valiam cerca de 232 mil milhões de euros. Para além do comércio de bens e serviços, alguns gigantes tecnológicos dos EUA fizeram uma parte significativa dos seus lucros globais no mercado da UE. Em suma, as relações EUA-UE são muito importantes para ambas as partes. A UE é a única região que, em termos mercantilistas, poderia atacar os EUA quase como numa verdadeira guerra comercial, e isto poderia impedir os EUA, se Trump fosse reeleito, de embarcar numa.
A realidade é que Trump ainda não quebrou nada e tem poucas grandes vitórias para mostrar. As cadeias globais de abastecimento sobreviveram ao primeiro mandato de Trump, apesar da sua conversa dura. E as empresas que mudaram a sua produção para fora da China não trouxeram necessariamente os empregos de volta aos Estados Unidos. Mas ainda assim, aqueles que têm uma perspetiva globalista preocupam-se com mais quatro anos a viverem o “Trump way”. A continuação de tal comportamento tornará mais difícil recuperar a confiança, e o acesso ao mercado, por parte dos aliados e parceiros comerciais dos EUA.
No entanto, nem todo o espalhafato de Trump se traduziu em impacto real. As empresas estão, em grande parte, a navegar nas suas guerras comerciais, e a política climática global está, por enquanto, a contornar Washington. Mas é quase certo que o abandono da arena internacional terá grandes efeitos a longo prazo, à medida que a China se ergue para preencher estas lacunas.
E qual é o candidato que Pequim “quer” que ganhe? A verdade é que tanto Trump como Biden seriam duros nas negociações com Pequim. Mais importante é o sinal que o resultado das eleições de 2020 enviará ao mundo, sobre se os Estados Unidos estão prontos para enfrentar as realidades de um século de poderio asiático. Será que a América quer continuar a liderar um mundo que ainda precisa da América? Ou vai continuar a voltar-se para si própria, fechando-se ao mundo e permitindo à China fazer o trabalho pesado, enquanto os americanos continuam a dizer a si próprios quão grandes eles são, e costumavam ser? Em última análise, esta eleição é sobre o papel que os Estados Unidos terão no mundo nos próximos anos.