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Maria de Fátima Carioca - AESE 09 de Janeiro de 2024 às 22:22

O desafio da normalidade

Viver, com perseverança, a normalidade dos dias é, desde logo, uma atitude grande e corajosa, mas é também uma atitude sábia.

Este é o título de um livro que li há vários anos. O autor é José Maria Cabral, médico oncologista, a quem aos 44 anos foi diagnosticado um cancro que lhe seria fatal. A sua primeira reação foi de dor, de surpresa, medo. Mas procura a calma e a serenidade. "Preparei a minha esperança para dar sentido a uma nova etapa da vida... Percebi a minha nudez... Sentia-me novo para morrer". A nova situação constitui para ele um verdadeiro desafio à normalidade, que se decide a assumir, com alegria, sem lamentações e sem se deixar abater pela doença.

Lembrei-me deste livro e, em concreto deste título, porque também janeiro traz consigo o desafio da normalidade. Depois das celebrações e das festas, vem o regresso à normalidade dos dias que se sucedem, um novo ano que começa e avança dia após dia. Viver, com perseverança, a normalidade dos dias é, desde logo, uma atitude grande e corajosa, mas é também uma atitude sábia. Os grandes sonhos, aqueles que projetam a genuína ambição e audácia humanas, ganham vida, constroem-se, no dia a dia.

Para além disso, o desenvolvimento de hábitos quotidianos, o viver bem as coisas normais, torna possível enfrentar os momentos excecionais, os mais alegres e os mais dolorosos, discernir as situações mais invulgares com a racionalidade adequada e tomar as decisões determinantes e mais arrojadas.

O ano de 2024 será certamente mais um ano de incerteza e volatilidade, complexidade e vulnerabilidade, seja a nível político e geopolítico, como é fácil de concluir, seja também a nível económico devido à inflação e à política monetária. Contudo, um outro conjunto de temas afirmar-se-ão, não apenas como tendências a acompanhar, mas, sobretudo, como inquietações a exigir decisões importantes por parte dos líderes empresariais e a obrigar a uma profunda adaptação por parte das pessoas e das empresas.

Entre outras, destaquei no artigo de dezembro a criação de emprego e as novas formas de trabalhar, a inteligência artificial como acelerador da economia e da sociedade, a definição de uma estratégia de sustentabilidade e os modelos emergentes de negócio como dinamizadores do crescimento económico. Reparei, entretanto, que, naturalmente, todos estes tópicos fazem parte da agenda de Davos 2024.

Quanto nos vamos comprometer com soluções que integrem estes temas? Quanto vamos investir? Foram perguntas que coloquei no artigo de dezembro, esperando que o final do ano fosse propício à reflexão e à tomada de decisões. Hoje pergunto: Já respondeu? Se não o fez, é agora o tempo para o fazer. Estas tendências são imparáveis e incontornáveis.

Se pensarmos, por exemplo, no âmbito da inteligência artificial (IA), facilmente reconhecemos que 2023 foi o ano de tomar consciência do seu gigantesco potencial, assim como dos potenciais desafios que apresenta. Mas 2024 será o ano em que a IA vai fazer a verdadeira diferença em todos os setores e empresas, no dia a dia. A IA é transformacional e vai mesmo mudar a forma como se faz negócio e como se trabalha. Afetará todas as áreas de negócio, desde as operações à relação com o cliente e às competências das suas pessoas.

Um outro exemplo claro do ritmo destas tendências e a urgência de um compromisso é a evolução para novos modelos de trabalho. Desde 2020 que muitas empresas se encontram em exercícios sucessivos na ótica de "prova de conceito" ou como "experiência piloto", tentando harmonizar as preferências dos colaboradores, com a cadeia de criação de valor subjacente ao modelo de negócio e a capacidade de liderança intrínseca à organização. Em 2024, a flexibilidade e o trabalho híbrido, com alguns dias no escritório e outros em casa, será, muito provavelmente, a norma em muitas empresas.

E a verdade é que este modelo transforma a própria organização profundamente, em concreto o ambiente de trabalho, a liderança das equipas, as políticas de gestão do talento e a própria cultura. Exige refazer o ambiente centrando-o no desenvolvimento e valorização das pessoas, potenciar o sentido de comunidade e recriar uma cultura comum, que seja justa e inclusiva.

Compreender, adotar e implementar estratégias bem estruturadas que integrem todas estas tendências no modelo de negócio, nos processos e na gestão do talento é, por tudo o exposto, crucial para os líderes empresariais. E colocam-se então novas questões: Consigo fazê-lo? Como posso aprender? Que formação me proponho fazer? Posso pensar que não tenho necessidade, posso pensar que não tenho tempo, posso até pensar que o farei de forma autodidática. Mas não nos enganemos. Os Alumni da AESE sabem bem o valor acrescentado de bloquear tempo na agenda para estudar e aprender, de regressar à escola, mas, sobretudo, de ter a humildade de aprender acompanhado por outros, acreditando que assim se chega mais longe e mais rápido.

Regressando ao livro que citei no início, trata-se de um testemunho forte e muito lúcido sobre a vida, o amor, a família, o Porto, a beleza, a alegria, a santidade, o trabalho e os amigos. Não é fácil, nem simples, mas vale a pena ler. Termino com um extrato da dedicatória inicial: "Diverte-me a vida, aprecio a vida com intensidade todos os dias. Todo o tipo de vida: vegetal, animal, humana, espiritual..., a criação!

Agradeço aos que me ajudaram no aprofundamento deste sentimento que me arrebata".

Faço votos que 2024 seja, para cada um, um ano de vida intensamente vivida, seja na vida diária feita de gestos, hábitos e pessoas comuns seja no inesperado dos momentos extraordinários e das decisões marcantes. Que este seja um ano bom e arrebatador para todos.
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