Opinião
E tu, que farias neste caso...?
Acredito que, independentemente das formas em que se venham a materializar, os casos de estudo irão continuar a equipar os líderes para melhor dirigirem as suas organizações, no presente e no trajeto de futuro que sonharem.
Este ano assinala-se o centenário do primeiro caso de estudo empresarial, o “General Shoe Company”, da Harvard Business School, escrito por Clinton Biddle, em abril de 1921. Desde então, Harvard e outras grandes escolas de negócio utilizam casos reais de empresas e situações de negócio para preparar líderes para os desafios e situações que enfrentam no mundo real. Na “General Shoe Company”, um novo CEO nota que algo está a correr mal na fábrica: os trabalhadores estão a parar sistematicamente 45 minutos antes do fim do turno e não é uma questão de falta de trabalho...
Na AESE, ao longo dos nossos 40 anos de vida, formámos mais de 20.000 executivos com esta metodologia, debatemos mais de 35.000 casos e produzimos cerca de 500 casos originais. De entre os muitos autores da escola, não posso deixar de destacar o Professor Eugénio Viassa Monteiro, pioneiro da escrita de casos em língua portuguesa, muitos deles premiados internacionalmente, nomeadamente na área do empreendedorismo social, como é exemplo o “The Grameen Bank: Credit as a Human Right”.
Claro que, desde o seu início, os casos de estudo mudaram significativamente. Muitos são mais elaborados (o primeiro caso constava de uma simples página de texto) e alguns recorrem a novos formatos como o áudio, o vídeo e até mesmo à realidade virtual. Sobretudo, refletem um mundo substancialmente diferente, caracterizado por variáveis como a incerteza e volatilidade do contexto, o ambiente concorrencial, a transformação e complexidade das operações, a necessidade de inovação, a exigência e diversidade dos clientes e colaboradores, a sustentabilidade do modelo de negócio.
No entanto, então, como agora, os casos descrevem uma situação real de tomada de decisão que os gestores protagonistas enfrentam. Então, como agora, a maioria dos casos coloca os alunos no lugar desses gestores e pede-lhes que utilizem as informações fornecidas para decidir o que eles e a sua empresa devem fazer. Então, como agora, os casos não dão “a resposta” ao desafio em questão, mas confiam na discussão e partilha de conhecimentos, facilitadas pelo professor, para que a aprendizagem aconteça. Regressando à “General Shoe Company”, a situação que se descreve é de uma enorme ambiguidade. E a ainda antes da solução, é necessário saber o que se vai perguntar e a quem, porque podemos estar ante um problema de comunicação, de insatisfação, de “burnout”, de operações, de liderança,...
Liderar significa tomar decisões. E embora seja verdade que se melhora a capacidade de tomar decisões, tomando decisões, é também verdade que é possível aperfeiçoá-la, ganhando rigor na consideração da informação disponível e abrangência, na análise do problema a partir de múltiplas perspetivas. Neste processo de aperfeiçoamento se revela a excelência deste método. E por duas razões, fundamentalmente: primeiro, porque dá vida aos conceitos e, segundo, porque o debate com pares enriquece em muito a aprendizagem pessoal.
Um caso transforma os conceitos teóricos em algo prático, mostrando como se aplicam no mundo real, onde há informação imperfeita e ambiguidade nas situações, e tornando-os, por isso mesmo, relevantes para os participantes. Naturalmente, não é somente o caso que consegue esta transformação, mas o professor tem também um papel determinante. São poucos os professores que se arriscam a utilizar uma metodologia tão interativa quanto esta. E dos que se arriscam, apenas um reduzido número consegue que as suas sessões sejam experiências únicas de aprendizagem. São verdadeiros mestres. Sabem que, mesmo utilizando o mesmo caso, não existem 2 aulas iguais. Sabem que à medida que o debate avança, não transparece apenas o conhecimento aprofundado, mas a sabedoria vivida. E essa não se ensina, mas pode aprender-se.
No fundo, os bons casos são sobretudo grandes histórias que atraem os alunos para a situação, cativam-nos para a leitura, deixam-nos entusiasmados com a análise, individual e em grupo, e impelem-nos à decisão e à ação. Nada se compara, em termos de ensino e de aprendizagem, ao que se desfruta com um bom caso, ao divertido que é para todos debater um caso rico de conteúdo em sala de aula, seja presencial ou online.
Por outro lado, quando se gera o debate em sala de aula, acontece muitas vezes aquele momento mágico em que se abrem as mentes, os olhos, os ouvidos e todos se envolvem na cocriação colaborativa de conhecimento, a partir das diferentes experiências profissionais e das diferentes formas, muito pessoais, de pensar, de decidir e de agir. É quando se dá a aprendizagem. É quando se enraíza a aprendizagem, também do professor.
Anos mais tarde, ante alguma situação com que nos deparamos na vida real, é comum recordarmo-nos de um caso (Netflix, Apple, Adidas, SWA, H3, Santini, ...). Nesse momento, os protagonistas (o Tony, a Karen, o Bernardo, a Matilde, o Albano, ...), os argumentos e os contra-argumentos debatidos, as teorias subjacentes, tudo se torna presente e vivo como se se regressasse à sala de aula. Damos por nós a refletir e a colocarmo-nos a pergunta-chave que nos colocavam: E tu, que farias neste caso ...? Os temas, o contexto e os desafios mudam, a tecnologia evolui, a sociedade transforma-se, mas este exercício sério e sistemático de parar, questionar-se, refletir, dar sentido, equacionar, decidir e agir é a verdadeira preparação que, enquanto líder, se adquire para a vida.
Talvez este artigo tenha o sabor de uma ode ao método do caso. Com 100 anos, tem direito a isso e muito mais. Mas o fundamental, é que num momento em que tanto se fala de formação como veículo fundamental para construir o futuro e ganhar sustentabilidade, é importante pensar a formação certa e adequada. Caso contrário, esta pode ser um grande sorvedor de recursos, sem se atingir a desejável transformação que prepara e fortalece a empresa e as suas pessoas.
Passados estes 100 anos, acredito que a principal razão pela qual o método do caso continua a ser relevante é o facto de funcionar, indiscutivelmente. Continua a ter um poder único para envolver participantes e professores num processo ativo de aprofundamento e aprendizagem. Acredito que, na sua essência, o método do caso “is not a piece of cake”, é exigente e bom para todos os profissionais, executivas e executivos dispostos a aprender e que reconhecem o valor de partilhar conhecimento e ideias. Acredito que, independentemente das formas em que se venham a materializar, os casos de estudo irão continuar a equipar os líderes para melhor dirigirem as suas organizações, no presente e no trajeto de futuro que sonharem.