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Ordem ou progresso?

Possivelmente, só através da educação se conseguirá gerar um conhecimento partilhado por toda uma nova geração de líderes empresariais acerca do seu papel e impacto no mundo.

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Estou a escrever em Ouro Preto, uma lindíssima pequena cidade (74.000 habitantes) do estado de Minas Gerais, património cultural da humanidade, não muito distante do Rio de Janeiro ou de Belo Horizonte. Tudo em Ouro Preto transpira um Portugal colonial de outros tempos: nas magníficas igrejas decoradas pelo Aleijadinho, na calçada das estreitas ruas tortuosas, no povo brasileiro que reúne em si um pouco de cada canto do mundo. Mas não foi o turismo que aqui me trouxe.

 

Vim a convite da escola de negócios Fundação Dom Cabral participar na reunião do seu conselho consultivo internacional. Cerca de cinquenta líderes empresariais de diferentes nacionalidades refletiram em conjunto sobre um eventual paradoxo: a escolha entre performance ou progresso. Um ponto marcante destes dias foi a visita a Paracatu de Baixo, zona afetada pelo primeiro de dois desastres em barragens no Brasil, sendo o mais recente o da barragem de Brumadinho. Ouvimos, ditos na primeira pessoa, os testemunhos dos habitantes que deixaram de o ser, que perderam tudo, inclusive a esperança de voltarem a ter uma vida normal. Assistimos, na antiga igreja que é hoje um barracão com as paredes cobertas de lama até acima em torno de um altar improvisado e de uma imagem da Senhora da Aparecida, à descrição da quase total incapacidade das autoridades, das empresas mineiras e da Fundação Renova em dar resposta a uma situação que se arrasta há mais de três anos.

 

Que fazer? A economia brasileira como um todo depende fortemente do setor mineiro. Assim o é desde os tempos de D. João V, período em que Ouro Preto registava uma população superior a 100. 000 habitantes, superior, portanto, à que tem hoje. E é neste contexto que importa refletir acerca da importância de um setor económico para uma economia e acerca do grau de exigência que as sociedades podem e devem exigir às empresas que operam nesse setor. Ou seja, como garantir que as empresas atinjam objetivos de performance e, simultaneamente, garantam o progresso das sociedades em que se inserem? Ao contrário de muitos outros, penso ser possível que isso aconteça - que o bom desempenho empresarial (mesmo de acordo com o mais recente paradigma, o de maximização do valor acionista) não é incompatível com o cumprimento de uma série de regras e bons princípios que contribuam de forma positiva para o bem-estar e progresso da sociedade.

 

Muitos dirão que é através da responsabilidade social das empresas que se garantirá o progresso e uma nova forma de atuar. É bom saber que as empresas e os seus empresários se preocupam. Porém, creio que a responsabilidade social é de todos (não apenas das empresas) e que é através da atuação cívica e política - com a participação democrática dos cidadãos - que se devem definir os limites e as fronteiras de atuação das empresas. Tem de haver alguma coordenação porque, numa imagem muito simples, "uma andorinha não faz a primavera". Por exemplo, uma empresa isolada que atue num setor muito concorrencial pode enfrentar dificuldades de sobrevivência se adotar medidas que beneficiem o ambiente, mas que encareçam o seu processo produtivo.

 

Possivelmente, só através da educação se conseguirá gerar um conhecimento partilhado por toda uma nova geração de líderes empresariais acerca do seu papel e impacto no mundo. A par disso, uma melhor comunicação e melhor entendimento do âmbito de atuação das empresas por parte dos investidores será também uma peça-chave, para que haja alinhamento de expectativas. Confiança ("trust") vai ser uma palavra-chave no futuro da gestão.

 

Mas não podemos esquecer que é da legitimação por parte das sociedades como um todo que os grandes objetivos e as grandes causas devem ser identificados e definidos. Não serão meia dúzia de CEO a decidir o que é bem-estar e redistribuição de recursos. Precisamos, portanto, de maior confiança no sistema político e nas instituições em geral - para termos algo que nos una de forma mais coordenada.

 

No Brasil, temos uma contradição em termos, aí sim um paradoxo, quando falamos em ordem e progresso. A iniciativa e legitimação tem de partir dos cidadãos de forma livre e bem informada. Sinal de progresso, portanto, não de "ordem". E o mesmo se aplica nas diferentes partes do mundo. É talvez por isso que enquanto nós, nos nossos modelos de análise de sempre, nos preocupamos com a taxa de crescimento da Alemanha, a senhora Merkel apresenta um novo pacote de medidas ambientalistas de combate às alterações climáticas. A nível macro temos mesmo de pensar no futuro. É possível que tenhamos de vir a atuar de forma mais disruptiva do que muitos estariam à espera, mas talvez, também daí, venha crescimento económico - ou melhor, progresso. 

 

P.S. - Não esquecer de votar! É um direito e um dever. Vamos legitimar quem nos representa e tem um papel muito importante nas nossas vidas. 
 

Dean do ISEG - Lisbon School of Economics & Management - Universidade de Lisboa 

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