Opinião
Sol de Março
Historicamente, a esmagadora percentagem das maiores subidas dos mercados acontecem em “bear markets”.
"Entre o sol de Março a bater
E a curva da desilusão"
Tiago Bettencourt
Enquanto o mundo inteiro discute a curva da (des)ilusão, como que se todos nós tivéssemos um doutoramento em epidemiologia, os mercados deixaram-se contagiar pelo Sol de Março que a maior parte dos portugueses não pode desfrutar. O Dow Jones, num dos dias da semana passada, teve a maior subida desde 1933 e o PSI-20 conseguiu a maior valorização num só dia desde 2010. O Dow Jones e o Nikkei, por exemplo, subiram 20% em 3 dias!
Neste mesmo espaço de opinião, há uma semana, expliquei as razões pelas quais acreditava que o fundo de curto prazo estaria prestes a acontecer. A História dos mercados diz-nos que os fundos se atingem quando o medo está no seu máximo e como é a bolsa norte-americana que contagia as outras, isso aconteceria quando boa parte do país estivesse em casa. E, de facto, esse fundo de curto prazo veio a acontecer, com as tais subidas violentas, algumas das quais entrarão para a enciclopédia dos recordes.
Muitos me perguntaram, ao longo da passada semana, o que mudou para que os mercados subissem dessa forma. Em termos fundamentais, ou de saúde pública, nada aconteceu. A explicação já a dei (medo no seu auge) e também temos que colocar as coisas em perspectiva. As subidas foram violentas? Sem dúvida. Mas se olharmos para o gráfico do último mês, elas foram apenas uma pequena recuperação do "crash" que se abateu sobre as Bolsas mundiais.
Um dos aspectos que creio importante retermos é que, historicamente, a esmagadora percentagem das maiores subidas dos mercados acontece em "bear markets". Quando, há 20 anos, tomei conhecimento destes números, eles foram para mim uma enorme surpresa porque seria mais previsível que as maiores subidas ocorressem em "bull markets", mas os números desmentem essa realidade e os 20 anos posteriores voltaram a reforçar a veracidade dessa estatística.
Mas se estava com expectativas de um fundo de curto prazo nesta altura, tenho muito mais dúvidas e nenhumas certezas sobre o que se seguirá a isto. É muito difícil os mercados descontarem o real impacto desta crise na economia e nas empresas, enquanto não se perceber até onde vai durar esta pandemia. É verdade que parece provável que ela possa estar controlada nos próximos 2 ou 3 meses, mas para mim a grande questão é perceber que vida "normal" teremos nos meses seguintes. Quando é que abraçarei um amigo? Quando abrirão os ginásios, as piscinas? Quando é que teremos milhares de pessoas num evento? Acho que ninguém sabe essa resposta. Reparem como a China já tem a pandemia controlada, anuncia ao mundo que voltou à normalidade, mas quando vemos imagens do país, percebemos que aquela é uma normalidade muito "anormal".
Alguns investidores não estavam claramente preparados para uma situação destas. Foi inesperada, mas todos devemos ter um plano caso as coisas corram mal. Como sabem, sempre que vos digo se estou optimista ou pessimista, também tenho o cuidado de dizer o que é que me fará alterar a minha posição. É uma forma, também, de disciplinar-me.
No preciso dia em que os mercados começaram a afundar (24 de Fevereiro) foi publicado um artigo que tinha escrito no dia 21 em que mostrava o meu optimismo em relação à Bolsa portuguesa. Nele também escrevi que manteria o meu optimismo enquanto a linha de tendência ascendente (situava-se então nos 5270 pontos) e o suporte horizontal dos 5000 pontos se mantivessem inviolados. Passados três dias de quedas, esses suportes foram quebrados e obviamente que o meu optimismo desapareceu. Se não tivesse previamente definido aquilo que me teria feito mudar de posição não sei se teria a frieza de o fazer. Em momentos em que as emoções estão tão à flor da pele (e, em 28 anos de negociação no mercado, não me lembro de um momento em que os sentimentos sejam tão difíceis de controlar porque também há o medo físico) é muito difícil tomarmos boas decisões, se não as tivermos definido "a priori". É algo que muitos investidores aprenderam com esta crise pandémica.
Uma das coisas que mais me surpreendeu foi a incapacidade de antecipação dos mercados. Por norma, as Bolsas conseguem antecipar os ciclos económicos e até alguns eventos importantes. Neste caso, já a China vivia uma situação de grande dramatismo e a reacção era pequena e só se tornou mesmo significativa quando o vírus começou a fazer estragos na Europa. Essa foi talvez a maior surpresa e que está totalmente fora daquilo que é o padrão normal dos mercados.
Se, no início da crise, terminava os artigos dizendo que qualquer subida era uma boa oportunidade para vender e se, na passada semana, a ideia era de que um fundo de curto prazo estaria para breve, desta vez não sei como o concluir. Porque, a partir de agora, não tenho nenhuma ideia sobre os próximos movimentos do mercado.
Que a curva da (des)ilusão nos continue a proteger. E que todos nos protejamos uns aos outros.
(COmente aqui o artigo de Ulisses Pereira)
E a curva da desilusão"
Tiago Bettencourt
Enquanto o mundo inteiro discute a curva da (des)ilusão, como que se todos nós tivéssemos um doutoramento em epidemiologia, os mercados deixaram-se contagiar pelo Sol de Março que a maior parte dos portugueses não pode desfrutar. O Dow Jones, num dos dias da semana passada, teve a maior subida desde 1933 e o PSI-20 conseguiu a maior valorização num só dia desde 2010. O Dow Jones e o Nikkei, por exemplo, subiram 20% em 3 dias!
Muitos me perguntaram, ao longo da passada semana, o que mudou para que os mercados subissem dessa forma. Em termos fundamentais, ou de saúde pública, nada aconteceu. A explicação já a dei (medo no seu auge) e também temos que colocar as coisas em perspectiva. As subidas foram violentas? Sem dúvida. Mas se olharmos para o gráfico do último mês, elas foram apenas uma pequena recuperação do "crash" que se abateu sobre as Bolsas mundiais.
Um dos aspectos que creio importante retermos é que, historicamente, a esmagadora percentagem das maiores subidas dos mercados acontece em "bear markets". Quando, há 20 anos, tomei conhecimento destes números, eles foram para mim uma enorme surpresa porque seria mais previsível que as maiores subidas ocorressem em "bull markets", mas os números desmentem essa realidade e os 20 anos posteriores voltaram a reforçar a veracidade dessa estatística.
Mas se estava com expectativas de um fundo de curto prazo nesta altura, tenho muito mais dúvidas e nenhumas certezas sobre o que se seguirá a isto. É muito difícil os mercados descontarem o real impacto desta crise na economia e nas empresas, enquanto não se perceber até onde vai durar esta pandemia. É verdade que parece provável que ela possa estar controlada nos próximos 2 ou 3 meses, mas para mim a grande questão é perceber que vida "normal" teremos nos meses seguintes. Quando é que abraçarei um amigo? Quando abrirão os ginásios, as piscinas? Quando é que teremos milhares de pessoas num evento? Acho que ninguém sabe essa resposta. Reparem como a China já tem a pandemia controlada, anuncia ao mundo que voltou à normalidade, mas quando vemos imagens do país, percebemos que aquela é uma normalidade muito "anormal".
Alguns investidores não estavam claramente preparados para uma situação destas. Foi inesperada, mas todos devemos ter um plano caso as coisas corram mal. Como sabem, sempre que vos digo se estou optimista ou pessimista, também tenho o cuidado de dizer o que é que me fará alterar a minha posição. É uma forma, também, de disciplinar-me.
No preciso dia em que os mercados começaram a afundar (24 de Fevereiro) foi publicado um artigo que tinha escrito no dia 21 em que mostrava o meu optimismo em relação à Bolsa portuguesa. Nele também escrevi que manteria o meu optimismo enquanto a linha de tendência ascendente (situava-se então nos 5270 pontos) e o suporte horizontal dos 5000 pontos se mantivessem inviolados. Passados três dias de quedas, esses suportes foram quebrados e obviamente que o meu optimismo desapareceu. Se não tivesse previamente definido aquilo que me teria feito mudar de posição não sei se teria a frieza de o fazer. Em momentos em que as emoções estão tão à flor da pele (e, em 28 anos de negociação no mercado, não me lembro de um momento em que os sentimentos sejam tão difíceis de controlar porque também há o medo físico) é muito difícil tomarmos boas decisões, se não as tivermos definido "a priori". É algo que muitos investidores aprenderam com esta crise pandémica.
Uma das coisas que mais me surpreendeu foi a incapacidade de antecipação dos mercados. Por norma, as Bolsas conseguem antecipar os ciclos económicos e até alguns eventos importantes. Neste caso, já a China vivia uma situação de grande dramatismo e a reacção era pequena e só se tornou mesmo significativa quando o vírus começou a fazer estragos na Europa. Essa foi talvez a maior surpresa e que está totalmente fora daquilo que é o padrão normal dos mercados.
Se, no início da crise, terminava os artigos dizendo que qualquer subida era uma boa oportunidade para vender e se, na passada semana, a ideia era de que um fundo de curto prazo estaria para breve, desta vez não sei como o concluir. Porque, a partir de agora, não tenho nenhuma ideia sobre os próximos movimentos do mercado.
Que a curva da (des)ilusão nos continue a proteger. E que todos nos protejamos uns aos outros.
(COmente aqui o artigo de Ulisses Pereira)
Artigo escrito em 27/03/20 às 12h15
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
https://www.nyse.com/index
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
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