Opinião
Ronaldo, Phelps, Bolt e os "traders"
Não peçam a um "trader" para nadar como o Phelps, correr como o Bolt ou chutar como o Ronaldo.
Bolsa e desporto são as minhas duas grandes paixões. "Trader" há mais de 20 anos e, actualmente, seleccionador nacional de andebol feminino, quanto mais conheço estes dois mundos mais pontos em comum consigo identificar entre eles, existindo características comuns que os "traders" e os atletas de alta competição têm de ter para atingir o sucesso.
Qualquer atleta tem de treinar. Por exemplo, um futebolista dedica apenas uma baixa percentagem do tempo a jogar, sendo que a maior parte do tempo é passada a treinar as aptidões técnicas, tácticas e físicas. Quem quer ser um "top trader" tem de ter uma metodologia semelhante. Há que aperfeiçoar os seus conhecimentos, estudando, lendo, analisando. Mas também há que simular num contexto virtual, situações semelhantes às que podem acontecer na realidade. Para um futebolista, ir para um ginásio levantar pesos não é algo que muitos façam com agrado, mas faz parte da sua construção como atleta. Estudar e treinar podem não ser as mais entusiasmantes tarefas para um "trader", mas faz parte do seu caminho rumo ao sucesso.
É consensual que qualquer atleta de elite apenas consegue atingir esse estado depois de 10 mil horas de treino. Achar que alguém pode ser um "top trader" depois de dois ou três anos a negociar é fiar-se em resultados estatisticamente pouco significativos e ignorar que, como em qualquer outra actividade, o sucesso e o trabalho estão de mãos dadas. Claro que as características muito especiais dos mercados financeiros fazem com que seja possível que qualquer estreante possa ter bons resultados logo no início aproveitando, por exemplo, o poder de um "Bull Market". Mas o tempo irá trazer-lhe dissabores e a consistência dos resultados só aparecerá com o tempo e com horas de trabalho, como em qualquer outra actividade.
São muitos raros os casos de atletas que, mesmo em desportos individuais, consigam ter sucesso sem treinadores. No desporto, o papel do treinador é essencial, de forma a orientar o atleta, a estimulá-lo, a fazê-lo seguir os caminhos mais adequados. No "trading", ter um treinador é também essencial. A palavra mentor talvez seja mais adequada, mas é importante que alguém que não esteja ligado à emoção de cada negócio possa, friamente, analisar o comportamento do "trader" e orientá-lo. Um mentor não serve para dizer que acções comprar ou vender, mas sim analisar a forma de estar e pensar do "trader", obrigando-o a reflectir sobre essas questões. Infelizmente, é muito mais difícil encontrar um mentor nesta actividade do que qualquer atleta encontrar um treinador.
Os grandes atletas conseguem resistir aos momentos de grande pressão. Conseguem abstrair-se do ambiente exterior que o envolve, mesmo quando jogam em estádios com milhares de espectadores e com milhões a assistirem na TV. A capacidade de concentração também se treina e é, nos dias de hoje, uma das matérias mais abordadas entre a classe dos treinadores. Quem negoceia activamente nos mercados financeiros tem também de conseguir abstrair-se do ambiente exterior que o envolve e das notícias que não param de chegar. Mas estará um "trader" motivado para investir algum do seu tempo em exercícios de concentração?
Os atletas de eleição devem aproveitar ao máximo os momentos em que tudo lhes sai bem. Pedem a bola porque estão num estado de graça, onde a sua confiança atinge níveis muito elevados e onde o seu rendimento é perto da perfeição. É altura de assumir as suas responsabilidades e chamar a si a tomada de decisão. Pelo contrário, quando as coisas não lhe saem bem, é hora de ser mais discreto, passar mais a bola e esperar que a confiança regresse. Os "traders" também têm este género de momentos. Momentos em que tudo parece correr bem, onde a sua leitura do mercado é quase perfeita e o mercado parece uma marioneta nas suas mãos. Há que aproveitar e não hesitar na hora de negociar. Outras vezes, os investidores parece que têm um toque de Midas ao contrário, pois tudo o que negoceiam corre mal. Nessa altura, há que negociar menos, podendo até fazer uma pausa e voltar a negociar aos poucos, em lotes pequenos, até que a sua confiança regresse.
Por mais estranho que possa parecer, qualquer atleta de topo tem de estar preparado para falhar. Sabe que o erro faz parte do seu percurso e não pode ter medo de errar, sob pena de não tomar decisões, de se encolher na hora em que deve dizer - presente. Um "trader" tem, igualmente, de assumir os erros como uma componente natural do processo e não pode ter medo de falhar. O "trader" que não esteja preparado para falhar - além de não decidir no momento da verdade - quando falha, fica afectado por esse erro e os maus negócios vão suceder-se. Aceitar o erro é essencial para qualquer investidor.
Não peçam a um "trader" para nadar como o Phelps, correr como o Bolt ou chutar como o Ronaldo. Mas muitos dos aspectos que conduziram estes monstros sagrados ao sucesso são semelhantes aos que podem levar os "traders" ao sucesso. Sem câmaras de televisão à volta, sem estádios cheios, mas com o mesmo grau de dificuldade. Com a mesma necessidade de trabalho de casa. O sucesso dá trabalho.
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Nem Ulisses Pereira, nem os seus clientes, nem a DIF Brokers detêm posição sobre os activos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui
Analista Dif Brokers
ulisses.pereira@difbroker.com
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