Opinião
A culpa é do vírus, não das eleições
Nesta segunda vaga, as bolsas afundaram, com o mercado a ser surpreendido pela mais esperada das surpresas.
(comente aqui o artigo de Ulisses Pereira)
Voltaram os dias de fortes quedas às bolsas mundiais. Os mercados reagiram muito mal ao anúncio de novas medidas restritivas nos principais países europeus, com confinamentos parciais que ameaçam estrangular de novo a economia.
A actual crise põe em causa muito daquilo que aprendi com os mercados ao longo de quase 30 anos a acompanhá-los. "Os mercados antecipam os acontecimentos" - esta é uma frase que fui repetindo, incessantemente, nos meus artigos, formações e conferências. A sua percepção costuma ser essencial para se entender os movimentos dos mercados. No entanto, a pandemia tem sido uma excepção a esta regra.
Já era conhecida a crise vivida na China com o vírus e os mercados pareciam ignorar a gravidade da situação, continuando a cavalgar o "bull market". Agora, apesar de todos terem a noção da elevada probabilidade de uma segunda vaga da pandemia, a bolsa americana e outras importantes praças mundiais continuavam em máximos históricos, ignorando o óbvio. Agora que a segunda vaga atacou em força na Europa, as bolsas afundaram, com o mercado a ser surpreendido pela mais esperada das surpresas. É algo que raramente acontece nos mercados, esta incapacidade de antecipar os cenários previsíveis.
Quem acompanha os meus artigos neste espaço de opinião sabe que este era um dos argumentos que apresentava para estar pessimista em relação aos mercados. Não era o único argumento, nem sequer o mais forte, sendo que a euforia que se vivia no mercado americano, ignorando a realidade, só tinha comparação com outras "bolhas" que vivemos nos mercados em 2000 e 2007. Para mim, essa euforia que se vivia nas bolsas americanas era a razão para os mercados ignorarem o que estava à frente dos olhos, não conseguindo antecipar o óbvio.
Alguns apontam como razão para o verdadeiro afundanço das bolsas na última semana, a proximidade das eleições americanas. Discordo. Nada de verdadeiramente importante, em termos dessa decisão, aconteceu na semana passada. Os mercados continuam a acreditar que Biden vence (as probabilidades implícitas das casas de apostas apontam para uma probabilidade de 64% de Biden vencer) e continua a dúvida sobre a forma como reagirá Trump caso perca por uma curta margem. Obviamente se houver impugnação das eleições, será algo penalizador, até porque se continuará a arrastar o processo de negociação de um novo pacote de ajuda à economia americana. Mas os mercados já sabem que isso pode acontecer e não foi na semana passada que se lembraram dessa possibilidade.
Não foram as eleições americanas que levaram à terrível semana passada que se viveu nas bolsas mundiais. Foi o vírus. Esse minúsculo vírus que nem um ser vivo é e que muda as nossas vidas, o nosso mundo e todos os paradigmas em que a sociedade e a economia têm sido construídos. Imaginar que os índices americanos pudessem continuar em máximos históricos, quando vivemos uma crise económica e sanitária desta dimensão é alinhar numa euforia que, vezes sem conta, aqui tenho descrito como uma das maiores que já assisti.
Euforia em Portugal? Perguntarão, certamente, alguns de vós. Não. Infelizmente, essa passou ao lado de uma triste bolsa que viu na passada semana mais uma acção sair do PSI-20, que de 20 tem apenas o nome, reduzindo a apenas 17 os títulos que o compõe. Um mercado em que não há qualquer incentivo a que mais empresas adiram a ele, esquecendo-se os governantes do impacto que um forte mercado de capitais pode ter no desenvolvimento económico.
No final do artigo da semana passada, escrevi que "não gosto de estar de fato de urso vestido, não tenho nenhum prazer em ver as acções caírem, mas gosto ainda menos de vender sonhos em que não acredito. E só um primeiro sinal de força do mercado me fará mostrar que estou errado e mudar de posição. Adivinhar fundos é uma das melhores formas de se perder dinheiro em bolsa".
Hoje, depois de o PSI ter caído mais 5% entre estes artigos, poderia escrever o mesmo. O mercado não é para heróis, para pequenos investidores que tentam apanhar facas a cair como se de faquires se tratassem.
As subidas que se venham a verificar na bolsa portuguesa (tal como referi na que ocorreu na primeira metade de Outubro) devem ser encaradas como meros ressaltos neste triste "bear market", até que alguma resistência relevante seja quebrada. Por mais baixas que algumas cotações pareçam estar, recordem-se que em bolsa as acções podem sempre cair (e subir) mais do que nós imaginamos. E, por mais básica e retórica que esta frase possa parecer, é uma máxima que pode proteger muitos investidores de perderem muito dinheiro.
Amanhã será o dia D para a democracia norte-americana. Muitos acreditam que o futuro dos próximos tempos nos mercados será determinado pelo vencedor desse sufrágio. Acredito que o futuro dos mercados depende muito mais deste vírus que se propaga a um ritmo alucinante, e que já provocou estragos suficientes na economia e na sociedade, cujos efeitos ainda serão sentidos pelos mercados mesmo depois da vacina o ter erradicado dos nossos dias.
Artigo escrito em 30/10/20 às 12h20
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
Voltaram os dias de fortes quedas às bolsas mundiais. Os mercados reagiram muito mal ao anúncio de novas medidas restritivas nos principais países europeus, com confinamentos parciais que ameaçam estrangular de novo a economia.
Já era conhecida a crise vivida na China com o vírus e os mercados pareciam ignorar a gravidade da situação, continuando a cavalgar o "bull market". Agora, apesar de todos terem a noção da elevada probabilidade de uma segunda vaga da pandemia, a bolsa americana e outras importantes praças mundiais continuavam em máximos históricos, ignorando o óbvio. Agora que a segunda vaga atacou em força na Europa, as bolsas afundaram, com o mercado a ser surpreendido pela mais esperada das surpresas. É algo que raramente acontece nos mercados, esta incapacidade de antecipar os cenários previsíveis.
Quem acompanha os meus artigos neste espaço de opinião sabe que este era um dos argumentos que apresentava para estar pessimista em relação aos mercados. Não era o único argumento, nem sequer o mais forte, sendo que a euforia que se vivia no mercado americano, ignorando a realidade, só tinha comparação com outras "bolhas" que vivemos nos mercados em 2000 e 2007. Para mim, essa euforia que se vivia nas bolsas americanas era a razão para os mercados ignorarem o que estava à frente dos olhos, não conseguindo antecipar o óbvio.
Alguns apontam como razão para o verdadeiro afundanço das bolsas na última semana, a proximidade das eleições americanas. Discordo. Nada de verdadeiramente importante, em termos dessa decisão, aconteceu na semana passada. Os mercados continuam a acreditar que Biden vence (as probabilidades implícitas das casas de apostas apontam para uma probabilidade de 64% de Biden vencer) e continua a dúvida sobre a forma como reagirá Trump caso perca por uma curta margem. Obviamente se houver impugnação das eleições, será algo penalizador, até porque se continuará a arrastar o processo de negociação de um novo pacote de ajuda à economia americana. Mas os mercados já sabem que isso pode acontecer e não foi na semana passada que se lembraram dessa possibilidade.
Não foram as eleições americanas que levaram à terrível semana passada que se viveu nas bolsas mundiais. Foi o vírus. Esse minúsculo vírus que nem um ser vivo é e que muda as nossas vidas, o nosso mundo e todos os paradigmas em que a sociedade e a economia têm sido construídos. Imaginar que os índices americanos pudessem continuar em máximos históricos, quando vivemos uma crise económica e sanitária desta dimensão é alinhar numa euforia que, vezes sem conta, aqui tenho descrito como uma das maiores que já assisti.
Euforia em Portugal? Perguntarão, certamente, alguns de vós. Não. Infelizmente, essa passou ao lado de uma triste bolsa que viu na passada semana mais uma acção sair do PSI-20, que de 20 tem apenas o nome, reduzindo a apenas 17 os títulos que o compõe. Um mercado em que não há qualquer incentivo a que mais empresas adiram a ele, esquecendo-se os governantes do impacto que um forte mercado de capitais pode ter no desenvolvimento económico.
No final do artigo da semana passada, escrevi que "não gosto de estar de fato de urso vestido, não tenho nenhum prazer em ver as acções caírem, mas gosto ainda menos de vender sonhos em que não acredito. E só um primeiro sinal de força do mercado me fará mostrar que estou errado e mudar de posição. Adivinhar fundos é uma das melhores formas de se perder dinheiro em bolsa".
Hoje, depois de o PSI ter caído mais 5% entre estes artigos, poderia escrever o mesmo. O mercado não é para heróis, para pequenos investidores que tentam apanhar facas a cair como se de faquires se tratassem.
As subidas que se venham a verificar na bolsa portuguesa (tal como referi na que ocorreu na primeira metade de Outubro) devem ser encaradas como meros ressaltos neste triste "bear market", até que alguma resistência relevante seja quebrada. Por mais baixas que algumas cotações pareçam estar, recordem-se que em bolsa as acções podem sempre cair (e subir) mais do que nós imaginamos. E, por mais básica e retórica que esta frase possa parecer, é uma máxima que pode proteger muitos investidores de perderem muito dinheiro.
Amanhã será o dia D para a democracia norte-americana. Muitos acreditam que o futuro dos próximos tempos nos mercados será determinado pelo vencedor desse sufrágio. Acredito que o futuro dos mercados depende muito mais deste vírus que se propaga a um ritmo alucinante, e que já provocou estragos suficientes na economia e na sociedade, cujos efeitos ainda serão sentidos pelos mercados mesmo depois da vacina o ter erradicado dos nossos dias.
Artigo escrito em 30/10/20 às 12h20
Fontes: https://live.euronext.com/pt/
Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
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