Opinião
Marques Mendes: António Costa é neste momento um derrotado. Nova geringonça é impossível
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a crise política, a responsabilidades dos partidos de esquerda no derrube do Governo e as consequências políticas para os vários partidos.
ERA POSSÍVEL EVITAR A CRISE?
- Há um mês ninguém imaginava esta crise. Hoje é clara a sua causa principal: a mudança de estratégia do PCP, na sequência da pesada derrota autárquica. Há seis anos o PCP deu abertura para a criação da geringonça. Seis anos depois, matou-a. O BE foi cúmplice activo desta "morte" política. Mas o autor moral e material foi o PCP. No fundo, o PCP quer desvincular-se da governação, voltar à rua, à natureza do partido de protesto e fazê-lo quanto antes.
- Evitar a crise era impossível. O PCP, com a cumplicidade do BE, quis, na prática, aprovar uma Moção de Censura. O objectivo final não era o chumbo do OE. Era o derrube do Governo. A prova é que as grandes divergências são em matérias que nada têm ver com o OE (SMN e leis laborais). Quando assim é, não há nada a fazer. É a vontade dos partidos. Mesmo que irracional.
- O PR tentou evitar a crise. Mas não conseguiu. Como ninguém conseguiria. Tudo igual a Mário Soares em 1987. O então Presidente tentou evitar a queda do primeiro Governo de Cavaco Silva. Só que PS e PRD queriam mesmo a crise. Nada a fazer.
- O PM também tentou evitar a crise. Tirando uma oscilação inicial, o PM não queria eleições antecipadas. Por isso fez enormes cedências no OE.
- Negociações com PSD/Madeira: há uma curiosidade política relevante. Esta hipótese da "negociação" com o PSD Madeira foi falada no Conselho de Ministros extraordinário de segunda feira à noite. Alguns ministros apoiavam a ideia. Quem a matou foi o MNE. Santos Silva fez uma intervenção categórica a recomendar a recusa desta solução. O PM seguiu o conselho.
- Acho que o Governo fez bem. Com os votos do PSD Madeira ganhava a aprovação do Orçamento. Mas perdia toda a credibilidade política. Sobretudo depois de o PM dizer que não negociava o OE com o PSD. Soava a novo OE limiano. Um desastre.
ELEIÇÕES – PORQUÊ E QUANDO?
- Uma crise destas só se resolve com eleições. E o primeiro a dizer isto não foi o PR. Foi o PM. Em entrevista ao Expresso, em Agosto do ano passado. Dizia então António Costa: "Se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estamos a discutir qual é a data em que o Presidente terá de fazer o inevitável". Ou seja, eleições.
- O PM e o PR têm razão. Não há alternativa a eleições: primeiro, não é possível mudar de Governo no actual quadro parlamentar; segundo, não é possível um segundo OE porque o Governo não se disponibilizou para tal; terceiro, governar por duodécimos dois anos seguidos( quem não aprova este OE também não aprova o próximo) seria uma anormalidade política (como diz Vital Moreira).
- Quanto à data das eleições, estou incrédulo. Ao ver ontem vários partidos sugerirem o dia 16 de Janeiro, fiquei a perceber que está meio mundo com medo de Paulo Rangel. Ele não está eleito, ninguém sabe se vai ser eleito, mas meio mundo já está com medo dele. Até o Chega. É que se as eleições forem nesta data, só têm um efeito prático: matar Paulo Rangel. Porquê? Porque se ele fosse eleito, só tinha dois dias para fazer listas de deputados. Uma impossibilidade. Isto é uma entorse democrática.
- O mais grave é o PS. Há 20 anos o PS teve um problema semelhante, com a saída de Guterres e a eleição de Ferro Rodrigues. Jorge Sampaio deu tempo ao PS para resolver esse problema. Ninguém o acusou de favorecer o PS. É uma questão de cultura democrática. Não há democracia sem partidos.
- Também não concordo com Paulo Rangel quando propõe eleições no fim de Fevereiro. Outro exagero. Acompanho antes Francisco Louçã e Lobo Xavier: 30 de Janeiro ou 6 de Fevereiro seriam datas aconselháveis.
- Até por outra razão nacional: estas não são eleições normais. São eleições extraordinárias. Precisam de um debate esclarecedor. Feito sem pressa. Ora, com eleições a 16 de Janeiro, teremos campanha eleitoral a partir do dia 2. Os debates entre partidos teriam de ser feitos antes, quando o País está entretido com o Natal, o fim de ano e as rabanadas! Chama-se a isto fugir ao debate.
PS É O FAVORITO À VITÓRIA?
- Aos olhos de hoje, acredito que o PS seja o mais provável vencedor: tentou evitar a crise, faz-se de vítima, pode ir buscar votos ao PCP e ao BE. Mas, ao chegarmos a Janeiro, com os debates, entrevistas e campanha, acho que tudo pode acontecer: o PS pode ganhar mas também pode perder. É tudo muito incerto. Vem ao de cima o fantasma da CM de Lisboa. Ninguém acreditava na derrota de Medina mas ele perdeu mesmo.
- A situação do PS nestas eleições é muito difícil:
- Primeiro: uma grande parte do país está cansada do Governo. Cansada do estilo, da arrogância, de vários Ministros, da degradação em muitos sectores, da falta de resultados noutros. É normal. São seis anos de governo. A vontade de mudança é grande. Já foi assim no cavaquismo e no guterrismo.
- Segundo: António Costa é neste momento um derrotado. Ele próprio o confessou no debate do OE. Criou a geringonça, confiou nela e falhou. Isto tem consequências.
- Terceiro: maioria absoluta é muito difícil. O povo de esquerda não gosta de maiorias absolutas. Nem o povo socialista e muito menos os eleitores do BE e do PCP. Estes mais depressa se abstêm do que dão uma maioria absoluta ao PS.
- Quarto: António Costa não tem uma solução governativa clara para apresentar. Nova geringonça é impossível; bloco central também já foi recusado pelo PSD. Então com quem é que o PS vai governar? Quem é que lhe aprova os OE? Se as pessoas começarem a perceber que um voto no PS prolonga o impasse que foi criado, a vida do PM fica muito difícil.
O DESAFIO DO PSD
- O PSD vai ter uma grande vantagem nesta eleição: a bipolarização. Estas eleições vão ser muito bipolarizadas. Serão seguramente as eleições mais bipolarizadas dos últimos anos. Uma bipolarização ao centro, entre PS e PSD.
- Claro que esta situação também favorece o PS. À esquerda o PS vai ter voto útil. Eleitores desiludidos com o BE e o PCP ou se abstêm ou dão voto útil ao PS.
- Mas o grande beneficiário desta bipolarização vai ser o PSD. Pode crescer ao centro, com o descontentamento com o Governo. E vai ter muito voto útil à direita. De eleitores que vêem aqui a grande oportunidade de derrotar António Costa. Afinal, PM só pode ser o líder do PS ou o líder do PSD.
- As grandes vítimas desta bipolarização à direita vão ser o CDS e o Chega. O CDS porque está numa crise irreversível. O Chega porque vai crescer provavelmente muito menos do que se imagina. E, se o líder do PSD for Paulo Rangel, a vida do Chega ainda será mais difícil. Rangel é mais unificador do eleitorado de centro-direita que Rui Rio. Ventura já percebeu isso. Mostra medo de Rangel.
- O PSD o que não pode é perder tempo com questiúnculas internas. Rui Rio e Paulo Rangel deviam fazer das eleições internas umas primárias das legislativas. Aproveitando estas eleições internas para falarem do país e para apresentarem propostas alternativas. Nessa perspectiva, as eleições internas, em vez de enfraquecerem o partido, mobilizam-no.
BE E PCP SERÃO PENALIZADOS?
- É impossível BE e PCP não serem penalizados. Eles são os grandes responsáveis por uma crise que é má para o país, má para eles próprios e má para os sectores mais vulneráveis da sociedade.
- Má para o país – Uma crise daqui a um ano seria acomodável e gerível. Seria antecipar por seis meses as legislativas normais. Uma crise agora, acrescentando crise política à crise económica, social, pandémica e energética é uma irracionalidade.
- Má para os próprios – BE e PCP cometeram suicídio. Derrubar um Governo de esquerda e chumbar um OE de esquerda é um verdadeiro suicídio.
- Má para os portugueses mais vulneráveis – Como é que os pensionistas mais pobres compreendem que não vão ter em Janeiro o aumento extraordinário de pensões que estava negociado? Como é que, com a Saúde a rebentar pelas costuras – parece um queijo suíço – o Estado não vai investir na Saúde como o OE previa? PCP e BE prejudicaram objectivamente os sectores mais desfavorecidos da sociedade. E isto tem um preço.
- Admito que, depois das próximas eleições legislativas, as lideranças de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa fiquem seriamente em causa. O BE já teve este ano duas derrotas sérias – presidenciais e autárquicas. Uma terceira pode ser fatal. O PCP vai de pesadelo em pesadelo eleitoral. Jerónimo de Sousa está muito fragilizado politicamente.
A CRISE DO CDS
- Há muito tempo que o CDS está mal. Este fim de semana pode ter sido a machadada final no partido.
- O Conselho Nacional foi um espectáculo deprimente. O que Francisco Rodrigues dos Santos fez foi batota política. Há um mês, para se aproveitar de algumas vitórias autárquicas, quis antecipar as eleições internas. Normal. Agora, quando viu o risco de perder, fez o contrário: agarrou-se ao lugar e adiou o Congresso. Isto não é só incoerência. É fazer batota.
- A saída do CDS por parte de Adolfo Mesquita Nunes, António Pires de Lima e outros quadros importantes, torna a crise do CDS irreversível. Até por uma razão adicional: nenhum líder do PSD vai querer fazer coligação pré-eleitoral com o CDS no estado debilitado em que o partido está. E, sem coligação pré-eleitoral, o CDS dificilmente sobrevive.
- Os grandes beneficiários desta "guerra civil" no CDS vão ser o PSD e a IL. Vários destes quadros importantes que saem do CDS vão acabar por se juntar ou ao PSD ou à IL. São pessoas com qualidade e políticos com talento. Muitos deles não vão deixar a vida política. Vão apenas mudar de partido.