Opinião
O passado, em vez do futuro
Quando se olha para a coqueluche de Costa, o seu Plano de Recuperação, constatamos que os 12,9 mil milhões de euros de subvenções europeias vão ser utilizados sobretudo para investir na máquina do Estado
A simplicidade é o último grau da sofisticação.
Leonardo da Vinci
O passado, em vez do futuro
Quando se olha para a coqueluche de Costa, o seu Plano de Recuperação, constatamos que os 12,9 mil milhões de euros de subvenções europeias vão ser utilizados sobretudo para investir na máquina do Estado, deixando as empresas com as migalhas. Uma análise mais fina permite questionar se a distribuição da bazuca de dinheiro europeu, da maneira que está planeada, não se destina a financiar o programa político da nova geringonça que se vai preparando nos bastidores, mas com o pano de boca de cena escancarado. O Governo defende-se dizendo que o investimento planeado se destina a criar um Estado melhor, mas só o tempo dirá se vai servir para proporcionar melhor educação, um sistema de saúde mais eficaz, uma justiça mais célere para combater desigualdades territoriais ou, se em vez disso, irá servir para satisfazer sindicatos, reivindicações de grupos profissionais e financiar um programa político estatizante. Uma sondagem desta semana indica que 60,6% dos portugueses não acreditam que os fundos europeus que aí vêm sejam bem aplicados e geridos. Quando olhamos para o que se passou desde a adesão à União Europeia e o que se vai conhecendo das intenções anunciadas para o dinheiro que aí vem, só se pode pensar que aqueles que não acreditam têm razão. Este plano não foi feito para criar bases para o futuro, mas sim para remendar os buracos deixados pelas cativações dos últimos anos.
• Os inscritos nos centros de emprego de todo o país atingem os 409 mil e não havia tanto desemprego registado desde Janeiro de 2018 • no Algarve, em Agosto, estavam inscritos 13.072 desempregados, uma subida de 178% num ano • os primeiros indicadores dos últimos meses indicam que o turismo correu bastante pior do que o que se antevia, mas a indústria e as exportações recuperaram no Verão acima das expectativas • segundo a Marktest, na última década, o número de portugueses que utiliza o smartphone para aceder à internet octuplicou e representa agora 72% do total de acessos, e as smart TV já ultrapassam os tablets no acesso à internet • segundo um estudo da DECO, dois terços dos agregados familiares em Portugal ainda usam gás de botija e o seu custo médio é de mais 230 euros por ano, cerca do dobro do gás natural • os estrangeiros compraram 8,5% das casas vendidas em Portugal em 2019 • a venda de casas caiu 21,6% no segundo trimestre deste ano • em seis meses, foram registadas, no Portal da Queixa, 8.033 reclamações relativas ao acesso aos serviços públicos, um aumento de 47% face ao período homólogo • no primeiro semestre deste ano, a Assistência Médica Internacional apoiou, em média, 114 novos casos de pobreza por mês, e os serviços mais procurados foram a distribuição de alimentos e o apoio social • a dívida pública atingiu 133,8% do PIB • no domingo passado, a entrevista a Ana Gomes feita por Ricardo Araújo Pereira na SIC teve mais espectadores do que Teresa Guilherme no Big Brother da TVI.
Dixit
Precisamos de um chefe de Estado que una, e não que divida mais os portugueses.
Carlos César, presidente do PS, defendendo Marcelo e criticando Ana Gomes.
As palavras de Amália
Este livro é autenticamente uma descoberta saída do fundo de um baú: em 1973, a Editora Arcádia encarregou o escritor Manuel da Fonseca de escrever uma biografia de Amália Rodrigues. A ideia era pôr um escritor famoso, e conhecido pela sua militância comunista, a traçar o perfil daquela que era então considerada o ícone do fado e ligada ao anterior regime. Essa biografia nunca foi escrita, mas ficaram gravadas nove horas de conversa entre os dois, quer na casa da Rua de São Bento, quer na herdade que Amália tinha no Brejão. Foi uma conversa feita em três momentos distintos. Entretanto, a Arcádia acabou e as gravações ficaram esquecidas. Até hoje. As edições Nelson de Matos e a Porto Editora conseguiram localizar esses registos, promovendo a sua transcrição integral, a cargo de Pedro Castanheira, que também elaborou as mais de três centenas de notas que surgem no final da edição, enquadrando aspectos da conversa, agora publicada sob o título "Amália Nas Suas Palavras". Rui Vieira Nery, que escreveu o prefácio, intitulado certeiramente "Amália e Manuel da Fonseca: entre a cumplicidade e o jogo do gato e do rato", descreve o encadeamento original, respeitado na edição, das perguntas e respostas, como um "itinerário errático de um diálogo informal". A conversa está recheada de saltos cronológicos, de mudanças de tema, de associações imprevistas, de interferências externas, de pontos mortos, e até de graças ocasionais. Mas na longa conversa destacam-se três tópicos centrais em relação aos quais o texto presta informações relevantes e por vezes inéditas: a infância dura da artista, a relação de Amália com o fado e as suas opções políticas. "Amália Nas Suas Palavras", surgida no ano das comemorações do centenário da fadista, teve o apoio da Fundação Gulbenkian e do Museu do Fado.
A descoberta de uma colecção
A FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento) foi criada em 1985 e, desde relativamente cedo, começou a constituir uma colecção de obras de arte centrada em artistas portugueses contemporâneos. Manuel Castro Caldas, posteriormente em colaboração com Manuel Costa Cabral e Rui Sanches, iniciou a colecção e reuniu um conjunto importante de 765 obras entre 1986 e 2002. É deste núcleo que sai grande parte da selecção organizada por António Pinto Ribeiro e Sandra Vieira Jurgens, para "Festa. Fúria. Femina", a exposição que esta semana abriu no MAAT-Central Tejo e que por lá ficará até 25 de Janeiro. Reunindo 228 obras de 61 artistas, maioritariamente portugueses e de várias gerações, a exposição dá a ver trabalhos de diversos contextos e períodos, possibilitando uma nova visão sobre o trabalho desenvolvido em Portugal nas artes plásticas no último quarto do século passado. Ao mesmo tempo, são apresentadas algumas obras provenientes das novas aquisições da FLAD, retomadas em 2019, já com António Pinto Ribeiro, que admite procurar seguir o conceito de colecção inicialmente delineado por Manuel Castro Caldas. O objectivo desta mostra é precisamente, nas palavras dos curadores, celebrar a história e a continuidade da importante colecção da FLAD, dando-lhe uma inédita exposição que permite descobri-la, afastada que estava do olhar público.
Também na Central Tejo abriu "Ballad Of Today", uma exposição de fotografia e instalações sonoras de André Cepeda, apresentada como "uma longa caminhada contínua através de uma cidade". Ao longo de 80 fotografias, André Cepeda apresenta uma visão inesperada, mas também muito desigual, por vezes desnecessariamente apostada no óbvio. Outras sugestões: na Galeria Belo-Galsterer, destaque para novas obras de Paulo Brighenti, e na Galeria 111 o fotógrafo moçambicano Mauro Pinto apresenta "Blackmoney", uma visão do universo sempre emocional, mas já muito explorado, da dura realidade do trabalho em minas nas sociedades pós-coloniais.
A Continental Mabor, em Famalicão, corre o risco de perder um investimento de 100 milhões de euros e a criação de cerca de 400 empregos, por causa da demora na construção de uma estrada que anda a ser falada há duas décadas.
Paisagens
Pedro Chorão nasceu em 1945, começou a expor em 1975. Começou por estudar biologia e o seu interesse pela pintura nasceu já tinha passado dos 20 anos. Estudou biologia em Liverpool, história de arte e arqueologia em Paris e pintura em Lisboa. Goa é um destino que procura que seja tão frequente quanto possível, e as paisagens que vê da casa onde normalmente lá se aloja, junto ao mar, são a base de trabalho para esta nova série apresentada na semana passada na Galeria Monumental, e que tem por título "O Princípio da Paisagem". Em Goa, durante as estadas longas que gosta de realizar, faz desenhos que depois utiliza como base de trabalhos futuros. Em Lisboa, no seu estúdio, paredes-meias com a casa onde vive, pinta entre a memória e a imaginação, sempre a ouvir música - Bach muitas vezes, o piano de jazz de Bill Evans outras tantas. Tem um falar calmo, tranquilo como as suas pinturas. "O Princípio da Paisagem" fica até 31 de Outubro na Galeria Monumental, Campo dos Mártires da Pátria 111 - visitas por marcação, pelo telefone 918 744 548.
Pastrami ao domicílio
Já aqui o escrevi mais que uma vez, sou um adepto confesso de sanduíches - mas não as anémicas, em pão borrachoso, de folha transparente de fiambre e queijo flamengo de inferior qualidade, que desgraçadamente são as mais frequentes nos cafés deste rectângulo à beira-mar plantado. Nos locais que frequento mais regularmente, fiz questão de negociar a confecção de sanduíches como eu gosto, e não me tenho dado mal com o resultado. Mas é muito difícil encontrar uma das minhas preferidas, a clássica sanduíche de pastrami, uma deliciosa carne feita do peito bovino, ou seja, a parte dianteira do boi, temperada, fumada e depois cozinhada lentamente. O resultado é magnífico, mas difícil de encontrar. Os supermercados do El Corte Inglés têm nas suas charcutarias um bom pastrami, a que recorro para liquidar fomes súbitas caseiras. Mas agora, para minha alegria, descobri uma sanduíche de pastrami na Uber Eats. Passo a explicar: os serviços de entrega de comida pronta apostam em novos modelos, e um dos mais recentes é a criação de espaços virtuais. A Pica-Miolo é a primeira "padaria virtual" a abrir no país e a estar disponível apenas online. Apresenta seis variedades de pães artesanais: trigo, mistura, espelta, jalapeños e tâmaras, trigo, sésamo e carvão activado, e outro que incorpora na massa queijo da ilha e cebola crocante. O pão pode ser pedido inteiro (a forma é cilíndrica) ou já fatiado. A partir do pão de trigo, a Pica-Miolo elaborou cinco sanduíches, a que chamou Picas: a tradicional Club (com frango, ovo e tomate), a de presunto com queijo brie e nozes; a minha sempre desejada de pastrami e coleslaw (uma salada de repolho cortado muito fino e temperada), a de salmão fumado com queijo Philadelphia e molho de endro; e, para terminar, a de atum com tempero kimchi. Na minha preferida, gostaria que estivesse um pouco mais de pastrami e um pouco menos de coleslaw. Mas, pelo menos, já sei onde recorrer quando de repente me apetecer esse petisco. E, se encomendar também o pão de jalapeños e tâmaras, fique a saber que ele é uma excelente base das sanduíches que decidir fazer em casa. Sou testemunha.