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05 de Fevereiro de 2021 às 12:40

A miragem das vacinas

O que se passa com o Plano de Vacinação contra a Covid-19 é um espelho do que tem acontecido no combate à doença

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"A actividade política prática consiste em ignorar os factos"
Henry Adams

A miragem das vacinas
O que se passa com o Plano de Vacinação contra a Covid-19 é um espelho do que tem acontecido no combate à doença: falta de planificação, improviso, atropelos constantes, desresponsabilização das autoridades. Algumas declarações de Francisco Ramos, ex-coordenador do plano de vacinação, são patéticas e claramente extravasam as suas funções e dizem bastante sobre a sua competência para dirigir uma área com uma responsabilidade tão grande na defesa da saúde pública. O homem fazia análise política enquanto o plano de vacinação tinha falhas trágicas. Acabou por se demitir no início da semana, depois de nem ter conseguido controlar abusos na vacinação no hospital que ele próprio dirige, a Cruz Vermelha. Estávamos à espera de um plano nacional de vacinação, mas saiu-nos um plano nacional da confusão. Numa série de países, civilistas e democráticos, as Forças Armadas têm sido chamadas a auxiliar - e dirigir - com a sua experiência, competência, meios e logística, esta tão delicada e urgente acção de vacinação. As Forças Armadas têm um papel relevante em tempo de paz, a complementar a sociedade civil, usando a sua experiência em situações de crise e de urgência extrema. Em Portugal, têm sempre respondido positivamente quando chamadas a ajudar. Recentemente soube-se que uma coronel médica da Força Aérea, Maria Salazar, coordena de forma exemplar uma força de 300 militares que prestam auxílio à formação de pessoal de lares de idosos no combate à pandemia. E é um bom sinal que seja agora um militar a tomar conta da operação de vacinação. A demissão de Francisco Ramos é uma oportunidade para endireitar as coisas. Como disse o presidente do Sindicato Independente dos Médicos, é preciso "mais trabalho e menos propaganda". Espera-se que o novo responsável, o vice-almirante Gouveia e Melo, fale menos que o antecessor e que mostre que a prioridade é mesmo vacinar as pessoas.

Semanada

n Segundo a Direção-Geral da Saúde, registou-se em Portugal um total de 19.490 óbitos em janeiro, o que corresponde a um aumento de 67% face à média verificada entre 2009 e 2020 n a pandemia provocou uma queda histórica da esperança média de vida depois dos 65 anos n a meio da semana já tinham sido referenciados mais de 340 casos de vacinações indevidas feitas por favor ou graças a "cunhas" n o responsável dos serviços farmacêuticos do INEM, que denunciou abusos na administração da vacina, foi afastado das suas funções n a dívida portuguesa ultrapassou os 270 mil milhões de euros em 2020, o que significa o valor recorde de 134,8% do PIB; o valor final da variação anual do PIB em 2020 foi de 7,6%, o mais negativo desde 1928 n em 2020, o número de dormidas em estabelecimentos hoteleiros caiu 63% face a 2019, registou o pior número desde 1993 e a Área Metropolitana de Lisboa (AML) foi a zona mais afectada, com uma quebra de 71,5% n Portugal desceu de categoria no Índice de Democracia elaborado anualmente pela revista The Economist, que teve em consideração, a par da reversão das liberdades democráticas por causa da pandemia, questões como a redução dos debates parlamentares ou ainda "a falta de transparência no processo de nomeação do presidente do Tribunal de Contas" n Manuel Villaverde Cabral, Marçal Grilo e Pedro Santana Lopes pronunciaram-se a favor da nomeação pelo Presidente da República de um Governo de salvação nacional para gerir o combate à pandemia e a recuperação da economia n o Parlamento Europeu recomendou que pelo menos 2% dos planos de recuperação dos Estados-membros sejam dirigidos para o sector cultural e criativo, mas o plano do Governo português não os identifica como uma prioridade.

Dixit
"Neste momento, a prioridade parece-me ser manter as empresas vivas e não o controlo do défice."
João Borges Assunção, professor da Católica, criticando o facto de a despesa pública ter ficado abaixo das verbas orçamentadas.

A história do petisco
Alguns dos meus leitores já terão reparado como eu gosto de petiscar e de ler sobre comidas. Algumas das receitas que aqui relato nasceram de "newsletters" que recebo e vou experimentando. Nestes dias de confinamento, abri um livro, editado há pouco tempo, que é uma excursão pela História e pela gastronomia. Chama-se "História dos Paladares" e foi escrito por Deana Barroqueiro, uma portuguesa nascida em 1945 nos Estados Unidos, que aos dois anos veio para Portugal, onde cresceu e estudou, na Faculdade de Letras de Lisboa. Tem ensinado Língua e Literatura Portuguesa e Francesa. Autora de diversos livros e de guiões para cinema e televisão, tem vários romances históricos publicados. Este novo livro relata a história da evolução do gosto, a educação do paladar, o amadurecimento da gastronomia como uma arte. O percurso histórico desta evolução é narrado com acontecimentos passados em todo o mundo, ao longo de séculos, cruzando episódios com mitos, evocando personalidades que contribuíram para tornar a comida algo de especial para além das questões da sobrevivência. E, como neste livro a história do mundo se cruza com a História de Portugal, há numerosas indicações de como as influências dos territórios descobertos por portugueses se repercutiram na gastronomia lusitana. Este primeiro volume de "História dos Paladares", com o título "Sedução", será seguido pela "Perdição", onde a gastronomia se liga ao cinema, ou ao prazer, à tentação, ao fausto e até à religião. E neste "Sedução" há mais de 250 receitas de diversas épocas e países. Um guia para estes dias.

O mistério do cérebro
A RTP é a única estação de televisão que produz, promove e exibe documentários - não estou a falar de reportagens. Essa é uma parte muito importante do serviço público audiovisual. Se não for a RTP a fazer isso, ninguém se preocupará com esse assunto e a produção de conteúdos audiovisuais em língua portuguesa ficará ainda mais pobre. "Deus Cérebro" é uma série documental em quatro episódios, já todos transmitidos em horário nobre no primeiro canal, que conta como nos últimos 20 anos se deram passos de gigante na exploração do cérebro humano - mesmo se a dimensão do que está para lá do nosso conhecimento permaneça um enigma. À medida que se avança no conhecimento do cérebro, maior é a perceção de que há um vasto universo por descobrir. A série pretende descodificar os mistérios do cérebro humano. Produzida pela Panavideo, realizada por António José Almeida, com guião de Anabela Almeida e música de Carlos Maria Trindade, a série entrevista cientistas portugueses e estrangeiros, como António Damásio (na imagem) e é um exemplo do que deve ser um documentário que, de uma forma simples e eficaz, aborda uma matéria tão complexa como o cérebro humano. Todos os episódios estão disponíveis na RTP Play, a aplicação de conteúdos do canal.

Arco da velha
Cristina Gatões, a ex-directora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que durante meses não se pronunciou sobre a morte de um cidadão estrangeiro no aeroporto, em instalações do SEF, passou de directora demitida daquela entidade a assessora da nova direcção onde vai trabalhar na reformulação dos vistos gold. O mundo é mesmo cor de rosa.

Blues e saudade
Melody Gardot a cantar em português num dueto com António Zambujo? Sim, exactamente. No segundo tema do seu novo álbum "Sunset In The Blue" editado em Janeiro. "C’Est Magnifique" é o encontro de estúdio entre Gardot e Zambujo - nada de admirar, já que a cantora passa temporadas largas em Lisboa. Nos últimos anos, Gardot trabalha cada vez mais nesse território em expansão que é o cruzamento do jazz vocal com a música pop, percorrendo baladas e recorrendo a arranjos envolventes. Aqui, a atracção latina é patente em vários temas, num disco onde os originais se entrelaçam com versões de canções de outros autores. E nesses temas latinos ela canta num português com toque de Brasil, enquanto ao longo dos 12 temas usa a sua voz em registos que, como a revista Down Beat escreveu, fazem lembrar Shirley Horn, Dinah Washington ou Édith Piaf, mostrando a extensão da sua capacidade vocal. O tema que dá título ao álbum foi escrito por Jesse Harris, um dos nomes que têm estado ao lado da carreira de Norah Jones. O que eu acho especial em Gardot é ela, em disco, conseguir transmitir a atmosfera de um clube de jazz, mesmo quando os arranjos são complexos. Este disco é um repositório de saudades de outros mundos, de viagens que estes tempos obrigam a que fiquem só no pensamento, tão evidente na sua versão de "From Paris With Love", quando canta "Maybe one day I will see you soon". O single (e vídeo) desta canção serviu para recolher receitas destinadas a organizações de profissionais de saúde que estão a combater a covid-19, e Gardot fez questão de gravar com uma orquestra, como um sinal de apoio aos músicos que nestes tempos têm o seu trabalho em risco. "Sunset In The Blue" está disponível nas plataformas de streaming e "From Paris With Love" pode ser visto no Youtube.

Na púcara
Esta receita é tirada do livro de Deana Barroqueiro", "História dos Paladares", referido nestas páginas. Trata-se de uma ideia para estes dias de confinamento invernais: frango na púcara, que a autora indica ter tido origem no século XIX, o equivalente português ao "coq-au-vin". Aqui vai então: arranja-se o frango e corta-se aos pedaços, e salteia-se numa frigideira com 100 gramas de manteiga até ficar dourado. Ainda na frigideira, rega-se com um cálice de aguardente e flameja-se. Os pedaços de frango devem ser transferidos para um tacho com tampa (um bom tacho de barro ou um Le creuset nos dias que correm…). Adiciona-se 150 gramas de chouriço e presunto cortados às tiras pequenas, quatro tomates sem pele nem sementes, uma meia dezena de cebolinhas, duas colheres de sopa de mostarda, dois dentes de alho esmagados, um cálice de vinho do Porto, um cálice de boa aguardente e um copo de vinho branco seco. Adiciona-se salsa, tomilho, cravo, gengibre, noz-moscada e pimenta e, eventualmente, cenoura cortada aos pedaços pequenos. Tudo isto se coloca no tacho intercalando com camadas dos pedaços de frango. O vinho do Porto, a aguardente e o vinho branco só entram no fim, para regar os ingredientes. Tapa-se o tacho e leva-se ao forno bem quente. Quando o frango estiver cozido, destapa-se o tacho para o cozinhado corar à superfície. É servido no tacho, acompanhado de puré de batata ou arroz solto.

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