Opinião
A esquina do Rio
Não é possível deixar de falar da Grécia, a terra onde nasceu a forma de construir histórias, de criar e desenvolver uma acção dramática. Os primeiros dias do governo de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis são um manual de como escrever um guião de cinema.
Back to basics
Os homens inteligentes falam porque têm alguma coisa a dizer, os idiotas porque querem sempre estar a falar.
Platão
Epopeia
Não é possível deixar de falar da Grécia, a terra onde nasceu a forma de construir histórias, de criar e desenvolver uma acção dramática. Os primeiros dias do governo de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis são um manual de como escrever um guião de cinema. Qualquer bom guionista sabe que o essencial é definir bem como se caracterizam as personagens, dos tiques ao visual - e, nisso, Tsipras e Varoufakis são talentos raros; depois é fundamental que os primeiros minutos surpreendam o espectador, que a acção emocione, que o inverosímil tome a aparência da realidade e que os heróis ensaiem lutas desiguais e desafiem sem temor os seus oponentes.
Assistimos a tudo isto numa dezena de dias pós-eleições. Desde a formação da coligação com a direita, passando pelo abandono do "não pagamos", que passou a ser "talvez paguemos", às primeiras propostas financeiras, ao périplo europeu de ambos e às soluções que propuseram, parece que estamos perante uma versão contemporânea da "Ilíada". A minha dúvida neste momento é saber o desfecho que os guionistas reservaram para o final da epopeia.
É uma dúvida a que ninguém sabe responder porque estamos ainda perante o desassossego provocado pela acção intensa dos primeiros minutos do drama que nos é proposto. A acção dramática desta encenação estabelece claramente quem são, para os protagonistas, os maus que eles próprios, os bons, enfrentam. Nestes tempos modernos, a peça tornou-se interactiva e mesmo quem não foi interpelado não deixou de enviar sinais - como aconteceu com Passos Coelho, que carregou logo no botão do "like" aos maus da narrativa. Neste momento, o Syriza é uma máscara que assola a Europa e todos os dias a sua face se altera por debaixo da máscara. Estamos naquele momento da acção em que a utopia choca com a realidade. Os espectadores inteligentes preferem assistir em silêncio e percebem que tudo isto é bem mais do que um simples conto de crianças.
Semanada
• O Tesouro assegurou, em Janeiro, 60% do objectivo de captação de poupanças nos certificados de aforro para 2015 • o total das subscrições atingiu 1,5 mil milhões de euros no primeiro mês do ano • várias estações dos CTT tiveram de prolongar o horário de funcionamento, nos últimos dias de Janeiro, para conseguirem atender todos os clientes que queriam certificados de aforro com a taxa de juro antiga, mais compensadora • a Assembleia da República admitiu ainda não saber quanto pagou em excesso aos partidos que concorreram às autárquicas de 2009 • o Ministério da Educação recebeu, desde Setembro, 74 denúncias de praxes abusivas • o número de insolvências em Portugal desceu 33% em 2014, em relação ao ano anterior, para um total de 4019 casos • o volume de negócios do Vinho do Porto em 2014 foi de cerca de 330 milhões de euros, dos quais apenas cerca de 50 milhões foram realizados no mercado português • atrasos do fisco deixaram 85 mil multas por cobrar por falta de bilhete nos transportes públicos, no valor de cerca de 10 milhões de euros • Bruxelas diz que Portugal só cumpriu um terço das reformas exigidas pela troika • o Governo apoiou a candidatura de Figo à presidência da FIFA • numa sondagem realizada pela Win Gallup International, os portugueses dizem esperar que 2015 seja um ano de dificuldades económicas • Fernando Gomes culpou Guterres pela derrota da regionalização; segundo a Marktest, cerca de 5,5 milhões de portugueses visitaram "sites" de jornais, revistas e de informação portugueses no ano de 2014 • ainda segundo a Marktest, quase 60% dos portugueses ouvem rádio regularmente e, destes, a maioria é quadro médio e superior, seguidos pelos empregados nos serviços, comércio e administrativos • ainda segundo a Marktest, a RTP1 foi a estação que emitiu mais notícias, com 2369 trabalhos, e a que deu mais tempo em grelha à informação regular, com 79 horas.
Ouvir
"Wallflower", o novo disco de Diana Krall, é uma boa surpresa. Maioritariamente, abandona o registo de (cada vez mais) soft vocal jazz que se tornou a sua imagem de marca e revisita canções pop, interpretando-as de forma desprendida mas surpreendente, como acontece com "Califoria Dreamin'" dos Mamas & The Papas, "Desperado" dos Eagles ou "Superstar" dos Carpenters. Mas há também versões de temas de Elton John e dos Beatles, e duetos com Michael Bublé ("Alone Again Naturally" de Gilbert O'Sullivan), Bryan Adams ("Feels Like Home", de Randy Newman) ou Georgie Fame (no clássico "Yeah Yeah"). O nome do álbum vem de um clássico da fase country de Bob Dylan, "Wallflower", aqui com Blake Mills. Nem Bublé consegue destruir a surpresa das melancólicas interpretações de Diana Krall destes êxitos dos anos 70 e 80. CD Verve, distribuído por Universal.
Dixit
"Tudo o que o PS produziu de política, nestes dois meses, foram peregrinações; peregrinações a Évora para ver o amigo preso e arengar cabalas contra a justiça".
Pedro Bidarra
Ver
Cecília Costa é das minhas artistas favoritas. Os seus desenhos deixam-me sempre a pensar e transportam-me frequentemente para um patamar de imaginação e surpresa como é raro acontecer. A partir de pormenores da figura humana, Cecília Costa imagina situações que nos remetem para momentos de reflexão sobre nós próprios e sobre a nossa envolvente, cria um jogo de cumplicidades entre o que desenhou e as possibilidades de interpretação que oferece a quem vê os seus desenhos. De certo modo, eles estão todos relacionados, embora na forma até sejam bastante diferentes, dependendo da época em que foram feitos. Cecília Costa começou por estudar Matemática antes de estudar Artes Visuais e, além do desenho, tem feito fotografia, vídeo e instalações. Na sua exposição na Galeria João Esteves de Oliveira, é possível observar algumas das fases recentes da sua obra de desenho e perceber a forma como vem evoluindo e como cria situações, retratando estados de espírito e inquietações. A exposição de Cecília Costa coexiste com outra, de trabalhos de Domingos Rego, sob a designação comum "Traço Contínuo", e estará patente até 13 de Março na Rua Ivens 38, em Lisboa.
Gosto
Do momento visual da semana, quando Matteo Renzi ofereceu uma bela gravata italiana a Alexis Tsipras.
Não gosto
A agricultura perdeu 74 mil postos de trabalho e o emprego no sector desceu para mínimos históricos.
Folhear
Uma vez por ano, geralmente em Fevereiro, o British Journal Of Photography dedica uma das suas edições a escolher os "Ones To Watch", ou seja, os talentos emergentes, um pouco por todo o mundo, na área da fotografia. "Pode haver melhor forma de começar o ano do que olhar para o futuro?" - pergunta Simon Bainbridge, o editor da revista, no seu editorial. A lista de 25 nomeados partiu de um conjunto de 300 seleccionados inicialmente, de todas as partes do mundo.
Aqui cruzam-se maneiras de olhar, estilos e diferentes aproximações à fotografia e é isso que faz desta edição do BJP algo de tão fascinante - "hoje em dia a fotografia inventa, assimila, apropria-se e testa a cultura visual para novas direcções, mais amplas e diversas que as exigências do mercado ou as tendências da arte", sublinha Bainbridge. Não há nenhum português entre estes 25 seleccionados, mas há muitos caminhos abertos e bons exemplos de trabalho de diversos pontos da Europa, África, Ásia e Américas. Alguns dos nomes têm estilos e olhares marcantes. E daqui, aposto, vão sair alguns nomes que vão marcar a fotografia nos próximos anos.
Arco da velha
Uma pessoa minha amiga foi operada a uma anca e os médicos avisaram que deveria ficar imobilizada algum tempo e que a recuperação demoraria umas semanas; face a isto, perguntou aos Serviços da Segurança Social o que seria preciso para garantir que não existiriam problemas com a baixa médica se fosse fazer a convalescença para casa de um familiar, na mesma cidade; os serviços disseram-lhe que não havia problema, mas para expor o assunto, o que fez por carta registada; recebeu uma resposta dos serviços, citando a carta que tinha enviado, avisando que perderia o direito à baixa por não se encontrar na sua residência e anunciando que, para poder ter direito à baixa, devia formalmente mudar de morada no documento de identificação.
Provar
Um dia destes deparei-me com uma especialidade que julgava extinta: uma garrafa de Carcavelos, um vinho fortificado que o Marquês de Pombal tornou famoso ao produzi-lo na sua quinta em Oeiras, no século XVIII, a partir das castas arinto, galego, dourado e ratinho. Este vinho fortificado, de 17,5º, é envelhecido em barricas de carvalho por um período de dez anos, apresenta uma cor amarela dourado e tem um sabor dominado por frutos secos, mel e especiarias. O vinho voltou a ser elaborado segundo uma técnica que remonta ao século XIV, por iniciativa da Câmara Municipal de Oeiras, já que a quinta que foi do Marquês de Pombal é hoje património daquela autarquia. Vende-se em garrafas de 375 ml sob a marca Villa Oeiras e é um excelente remate de uma refeição. Carcavelos é uma denominação de origem controlada.
Uma nota final, de outro assunto: já começou a época da lampreia, provei a primeira do ano, à bordalesa, e estava excelente. Foi no Apuradinho, Rua de Campolide 209-A. Vale a pena telefonar a indagar quando há - 213 880 501.