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15 de Maio de 2015 às 10:04

A esquina do Rio

Passou um ano sobre a saída da troika, mas não se notou ainda verdadeiramente uma mudança na questão de fundo da política dos últimos anos: desde o início desta legislatura, tem sido a política externa a condicionar a política interna.

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Back to basics

As universidades não gostam dos génios, tal como os conventos odeiam acolher santos.
Ralph Waldo Emerson

 

 

Horizonte

Passou um ano sobre a saída da troika, mas não se notou ainda verdadeiramente uma mudança na questão de fundo da política dos últimos anos: desde o início desta legislatura, tem sido a política externa a condicionar a política interna. Mesmo que tivéssemos conseguido evitar a presença física da troika, na situação em que o país estava, seria impossível evitar, permanecendo no Euro, que as coisas não fossem ditadas do exterior - mas podiam ter sido diferentes, como em Espanha.
O desafio para a próxima legislatura é passar do domínio da política externa para o primado das políticas internas. O grande problema é que a propaganda das reformas é maior do que a substância das mesmas. A grande questão é que se agiu basicamente da maneira mais fácil - o aumento da receita fiscal foi bem superior ao corte da despesa do Estado e esse é o factor crítico - a gorda máquina que suga o país e condiciona reformas estruturais através do peso que tem nos aparelhos partidários. Não temos tido políticas internas, apenas ajustes pontuais ditados pelas circunstâncias que criámos nas últimas décadas e por aquelas que nos impuseram. O resultado é um crescimento raquítico e confusões constantes sobre qual deve ser o papel do Estado, sobretudo em sectores como a saúde, a educação e a justiça. Qual o nosso horizonte daqui a 20 anos, quando estivermos em 2035, e as mudanças na economia mundial, na tecnologia, nos hábitos e comportamentos forem diferentes a um ponto que nem imaginamos? Claro que me faz impressão pensar sequer que nas próximas eleições podemos voltar ao laxismo que nos levou à situação em que estamos.
Mas a realidade é que olho para o panorama eleitoral e não vejo nada que me agrade. Não me revejo em nenhuma política e considero prudente ignorar as promessas - porque já todos percebemos que em política elas não são para cumprir. O eleitorado tem uma tarefa difícil pela frente. Muito mais difícil do que a clientela dos partidos.

 

 

Semanada

• Angola deixou de estar entre os cinco maiores parceiros de Portugal no primeiro trimestre deste ano  a alteração da lei eleitoral continua a causar polémica entre responsáveis editoriais e responsáveis da propaganda partidária  nos primeiros três meses do ano, os empréstimos para compra de casa atingiram o valor mais alto dos últimos três anos  o número de famílias com os pagamentos de crédito ao consumo e habitação em atraso aumentou no primeiro trimestre deste ano  no ano passado, os encargos com as PPP subiram 60%  o PIB português cresceu 0,4% nos primeiros três meses de 2015  o PIB espanhol cresceu 0,9% nos mesmos três meses  as vendas de produtos portugueses para Espanha cresce a um ritmo que é o dobro do das exportações para outros países  mais de metade dos portugueses vai à igreja uma vez por semana  os despedimentos colectivos mantêm-se acima dos níveis anteriores à troika  as penhoras das Finanças duplicaram em apenas três anos graças à implementação das penhoras automáticas  
cada português bebe 10,6 litros de álcool por ano  a OCDE fez um relatório onde conclui que as mulheres com ensino superior e que têm maiores remunerações são as que consomem mais bebidas alcoólicas - e Portugal ocupa mesmo o segundo lugar do "ranking" dessas mulheres, atrás da Finlândia e antes da Alemanha  o acordo ortográfico tornou-se obrigatório em actos oficiais, o que implicou que deixassem de existir arquitectas, que passaram a arquitetas.

 

 

Folhear

Um livro interessante para ler neste ciclo eleitoral da vida política portuguesa é "A Quarta Revolução - A corrida global para reinventar o Estado". Os seus autores são dois jornalistas, um da Bloomberg (John Micklethwait) e outro da The Economist e que é um dos colunistas da imprescindível página "Schumpeter" (Adrian Wooldridge). Os autores reflectem sobre a crise dos modelos partidários e de organização dos Estados ocidentais, as respectivas crises de governação, a ineficácia do Estado e o descrédito do sistema político.
O livro não se limita a ser um inventário pessimista de problemas, traça também caminhos que são propostas de melhoria da sociedade. Muitos não serão consensuais, mas a obra tem o mérito de pôr o dedo bem fundo na ferida, fazendo-a sangrar em abundância, para depois propor vários tratamentos. O título do livro sugere que após o Estado Nação do século XVII, do Estado Liberal do século XVIII e XIX e do Estado Social do século XX é inevitável que surja uma Quarta Revolução - e desta vez pode acontecer que não seja o Ocidente a traçar o caminho do futuro. (Editado pela D. Quixote/ Leya).

 

 

Gosto

Da série de selos dos CTT com ilustrações do lince ibérico e das etiquetas postais com dinossauros que viveram no território português durante o Jurássico.   

 

Não gosto

Do que aconteceu às árvores na Avenida Guerra Junqueiro, que ficaram reduzidas a galhos por obra de uma poda que foi "longe demais", nas palavras da própria Junta de Freguesia responsável pela sua manutenção. 

 

 

Ver

Por estes dias, uma das coisas que gosto mais de fazer é seguir o trabalho de algumas pessoas no Instagram. Por exemplo, o músico The Legendary Tigerman (Paulo Furtado) tem uma série que evoca os lugares por onde passa em digressão em Portugal e no estrangeiro (na imagem); o americano Matt Eich vai publicando a fabulosa série que está a fazer sobre a vida e os habitantes de pequenas cidades dos Estados Unidos; David Guttenfelder, um fotógrafo da National Geographic Magazine, apenas publica no Instagram imagens feitas com iPhone. Mas há também Luísa Ferreira, Pauliana Valente Pimentel ou Clara Azevedo, que vão anotando no Instagram o que vêem nos seus universos pessoais e nos locais por onde passam, ou Maria João Pavão Serra que, no seu Turista Acidental, nos revela o que descobre em viagem. Ou então casos como o de Pedro Norton que, no Instagram, como que prolonga o trabalho que fez com o livro "As Flores do Mal", editado no ano passado. E, finalmente, revistas como a The New Yorker, a Time ou a Vanity Fair. Um mundo de imagens. Cá para mim, o Instagram está para a fotografia como os graffiti para as artes plásticas há uns anos.

 

 

Dixit

"Grande parte da imprensa (que festeja sempre as vitórias da esquerda e há pouco tempo pisou o ridículo com a do Syriza na Grécia) deu pouco destaque às eleições britânicas - a maior parte fê-lo por motivos ideológicos (caso contrário, seria indigência jornalística) e preconceito."

Francisco José Viegas, no Correio da Manhã.

 

 

Ouvir

O novo disco de Aldina Duarte tem dois discos: um preto e outro vermelho. O preto é o tradicional; o vermelho tem os mesmos fados, mas não é tradicional. Tendo os mesmos fados, não são discos iguais: num e noutro os mesmos fados parecem diferentes. O negro é conservador; o vermelho é reformista. O negro é uma paixão; o vermelho é uma escapadela. Convivem bem os dois, é engraçado ouvi-los um após o outro, ficar encantado com o primeiro, ficar surpreendido pelo segundo. Os romances podem ser assim.
Uns são paixão, outros ocasião. Não me lembro de um disco como este: fado tradicional de um lado, guitarra eléctrica do outro, o antes e o depois. No meio, sempre, um encanto. "Romance(s)" não é um disco, é uma aventura em dois actos. De um lado, está servido por uma história construída em versos por Maria do Rosário Pedreira, cuja escrita mais uma vez surpreende; do outro lado, pelo desafio das vozes, pela experimentação e pelas portas que abre. É a mesma história cantada de maneiras diferentes. Se calhar, gosto mais do disco vermelho. É atrevido. Mas não tinha sido feito sem o outro. Que tem a tradição. (CD Sony Music).

 

 

Arco da velha

"Esta pega, feia, gorda, invejosa, nojenta, salazarenta, cretina e complexada" - termos em que Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, se referiu no Facebook a Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República. 

 

 

Provar

Uma das coisas mais difíceis de encontrar em Lisboa é uma sanduíche feita como deve ser. A maior parte dos estabelecimentos comerciais pensa que uma sanduíche é uma carcaça aberta ao meio para dentro da qual se atira um pedaço de fiambre mal cortado ou uma transparência de queijo flamengo. Inevitavelmente, no momento prévio ao lançamento do conduto, surge a pergunta: "Com ou sem manteiga?".
A prudência manda evitar gorduras rançosas. Há variantes: a tosta em pão alentejano, que é a mesma coisa, mas carregada de manteiga de ambos os lados das fatias, sem direito a opção, e que é impossível comer sem os dedos ficarem numa lambuzice, geralmente demasiado torradas e duras, com o flamengo a derreter e a escaldar; ou, então, a velha tosta mista em pão de forma da véspera, igualmente carregada de manteiga do lado de fora das fatias. Numa sanduíche de carcaça, a míngua de fiambre ou de queijo é quase sempre notória, deve ser para se provar bem o pão que há muito deixou de ser estaladiço. Se falamos de presunto, o caso ainda é pior porque vem geralmente mal cortado, grosso e sensaborão, com os bordos secos. Existem algumas variantes modernas da sanduíche com toque cosmopolita, mas igualmente desinspiradas - como os famosos hambúrgueres do Honorato, que provavelmente já terão sido bons, mas agora são desinteressantes.
Outro caso estranho de sucesso é o prego da peixaria, que vem num bolo de caco insípido - que poderia ter passado por uma torradeira para abrilhantar o preparo. Estou para encontrar uma sanduíche que incorpore verduras frescas (folhas de espinafre, agrião, fatias finas de pepino ou mesmo alface que não tenha sido rejeitada pelos grilos), um chutney ou mostarda, um dos nossos bons queijos, presunto ou paio do lombo bem cortados, tudo em pão decente e levemente torrado. Se alguém souber onde há, agradeço.

 

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