Opinião
A esquina do rio
Este caso da Comissão Nacional de Eleições - que já teve consultas anteriores no mínimo polémicas - é o exemplo de como um órgão que está no coração do regime, que é essencial à participação dos cidadãos em eleições, e que devia estar acima de qualquer suspeita, se torna num elemento perturbador e gerador de desconfianças sobre o funcionamento do Estado.
A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.
Eça de Queiroz
Concursos públicos
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) lançou, em Março passado, um concurso público para escolher quem asseguraria uma campanha publicitária para apelar à participação dos cidadãos no próximo acto eleitoral, as autárquicas. Após meses de impugnações e atribulações diversas, a decisão foi tomada apenas na semana passada. Este concurso público previa inicialmente, em Março, 3,4 milhões de euros destinados à criatividade e ao plano de meios em simultâneo. O objectivo era, então, criar uma campanha que apelasse ao recenseamento e à participação no acto eleitoral e explicasse a reorganização administrativa das freguesias. A primeira campanha arrancaria em Maio, mas o concurso foi impugnado, no meio de numerosas acusações de que o caderno de encargos estaria feito para uma determinada entidade.
O montante acabou por ser reduzido e nesta fase foi apenas adjudicada, e com polémica, a criatividade, existindo alguma dúvida sobre o que se passará com o plano de meios - isto a cerca de dois meses das eleições, às quais a iniciativa se destinava. Este é apenas um dos casos de concursos, no âmbito da actividade publicitária, lançados por organismos públicos, e que claramente partem, do ponto de vista técnico, de bases erradas, sem nenhuma relação com a realidade de funcionamento do mercado - a primeira das quais é persistir ainda hoje em juntar a criatividade com a planificação de meios.
Depois, e cada vez mais frequentemente, há concursos públicos que determinam a utilização, paga pelo Estado português, de empresas internacionais que são alvo de reparos na Europa por utilizarem esquemas fiscais que as livram de pagar impostos nos países onde actuam - o Google é uma dessas empresas, que surge repetidamente como de utilização recomendada ou obrigatória em concursos que envolvem fundos públicos, dinheiro dos contribuintes que, eles sim, pagam aqui os seus impostos que assim esvoaçam... Ainda em relação aos concursos públicos, a série de plataformas privadas que foram criadas para os acolher, e cuja utilização é paga pelas empresas que pretendem participar nas consultas, é demasiado alargada - quem quiser estar a par dos concursos lançados tem que subscrever os serviços de uma meia dúzia de entidades, todas elas com um funcionamento com diversas falhas, demoras e problemas técnicos que dificultam e tornam o processo muito pouco transparente. Este caso da Comissão Nacional de Eleições - que já teve consultas anteriores no mínimo polémicas - é o exemplo de como um órgão que está no coração do regime, que é essencial à participação dos cidadãos em eleições, e que devia estar acima de qualquer suspeita, se torna num elemento perturbador e gerador de desconfianças sobre o funcionamento do Estado.
Dixit
"A política, ao pé do desporto, é um convento de freiras".
Pedro Santana Lopes
Semanada
• Os cadernos eleitorais para as autárquicas de Setembro contam com mais de 9,4 milhões de inscritos, enquanto os dados dos últimos Censos indicam que, em 2011, residiam em Portugal apenas 8,6 milhões de pessoas • continua a barafunda em torno da aplicação da Lei de Limitação de Mandatos Autárquicos, com uns candidatos a serem autorizados por uns juízes e, outros, a serem recusados por outros juízes • a Segurança Social gastou 55,6 milhões de euros no primeiro semestre deste ano para pagar salários e compensações em atraso a trabalhadores de empresas em situação económica difícil ou que encerraram • a nova versão do Código de Processo Civil, que entra em vigor daqui a cerca de três semanas, já teve 14 rectificações, apenas mês e meio depois de ter sido inicialmente aprovada no Parlamento; a Banca cortou quatro mil funcionários desde a chegada da Troika • as seguradoras lucraram 464 milhões no primeiro semestre do ano, mais 176% do que no período homólogo do ano passado • o custo dos seguros para despesas com tratamentos de bombeiros poderá duplicar já em 2014 • a provedora dos animais de Lisboa, Marta Rebelo, nomeada por António Costa há dois meses, demitiu-se alegando falta de condições para actuar.
Arco da velha
A ERC - Entidade Reguladora da Comunicação - edita uma newsletter em formato digital, para informar sobre as suas actividades. As newsletters 70, 71 e 72, respectivamente de Janeiro-Fevereiro, Março-Abril e Maio Junho, foram enviadas por email, em simultâneo, no passado dia 5 de Agosto. Qual a eficácia desta comunicação e desta ERC?
Folhear
A edição de Verão da Monocle em formato jornal, a "Monocle Mediterraneo" vem cheia de boas ideias e de algumas referências a Portugal. É engraçado notar que a empresa editora da Monocle deixou de ser apenas uma editora de imprensa e passou a ser uma empresa de media com conteúdos em papel, na webradio e no digital. Arrisco dizer que é a primeira companhia nascida já nesta década a assumir-se desta forma e não deixa de ser extraordinário que os seus anunciantes de maior destaque sejam cada vez mais marcas tecnológicas - de carros a telemóveis. Nesta edição gostei do ponto de situação sobre a Grécia, menos catastrofista do que é habitual sobre o mesmo tema - é aliás curioso notar que a "Monocle" fala quase sempre de forma positiva sobre as coisas, estimula, dá bons exemplos - nos negócios, na cultura. na criatividade e, sobretudo, no desenvolvimento de pequenos negócios auto sustentáveis. Uma das boas peças desta edição é dedicada à indústria italiana de construção de iates e de barcos de recreio. Nós, que temos uma das maiores costas europeias, que temos tradição de construção naval, porque é que nunca desenvolvemos esta vertente, nos estaleiros que vivem em dificuldades? É um mistério que ainda hoje me persegue. Adiante: Madrid continua a investir forte na "Monocle" e esta edição não é excepção com uma página inteira de publicidade, com conteúdos, da gastronomia à música. Portugal é falado por causa das boas conservas Nero, por causa da já inevitável Comporta e duas suas CasasNaAreia e, claro, por causa do potencial surfista da Ericeira. Tudo isto, se não se recordam, se desenvolveu já nesta década.
Gosto
Dos concertos do Meo Out Jazz, que acontecem aos domingos a partir das 17h00 no Parque Eduardo VII, em Lisboa.
Não gosto
De quem vai para a política depois de ter feito carreira em negociatas que lesam os contribuintes.
Provar
Prossigo nas minhas refeições leves de verão. Desta vez foram filetes de cavala fumados em azeite, da marca Tricana, disponível desde há 80 anos na Conserveira de Lisboa. Estas conservas de fumados da Tricana são qualquer coisa de especial (já aqui falei, há umas semanas, dos belíssimos mexilhões fumados). Duas latas desta cavala (um peixa injustamente pouco considerado) e uma endívia bem cortada em salada deram um excelente jantar para duas pessoas. Uma garrafa de vinho verde Muralhas fez as honras da casa a pleno contento e uma melancia aos cubos, refrescada, completou o assunto.
Ver
Estão com vontade de ver boas exposições de arte contemporânea e não sabem como? Experimentem visitar http://www.saatchigallery.com/ e poderão descobrir a actividade daquele que é considerado um dos cinco melhores museus no Facebook e Twitter. Criado a partir da colecção privada dos irmãos Saatchi, localizado no centro de Londres, junto a Sloane Square, numa antiga instalação militar, a Saatchi Gallery apresenta sempre obras provocantes e procura desbravar caminhos. É o caso da exposição "New Order", sobre artistas emergentes do Reino Unido ou de "Paper", que apresenta obras, em diversos formatos e conceitos, mas sempre como papel como suporte.
Ouvir
Andava há uns meses para escrever sobre este disco, uma compra ainda primaveril na Amazon e que me deu boas alegrias nestes tempos recentes. Trata-se de um disco de blues, assinado pelo lendário Dr. John, que aos seus 71 anos nos mostra o que é sentir e tocar Rythm'n'Blues. A produção é de um outro apaixonado pelos blues, o guitarrista dos Black Keys, Dan Auerbach. Malcolm John Rebennack Jr., assim se chama de facto Dr. John, fez com este disco a sua melhor gravação dos últimos anos. Fundamentalmente esta é uma jam session onde brilham tanto a criatividade de Dr. John, como a capacidade técnica de Auerbach. A forma como Dr. Joh toca piano eléctrico e com ele imprime uma personalidade própria a canções como "Revolution" , "Getaway", "Big Shot" ou "Ice Age" não deixa de me espantar, quase que diria década pós década.