Opinião
"Pornstars"
Não será fácil, talvez fosse mesmo impraticável, a fixação de limites máximos nos salários ou nas pensões. Mas nada impediria que as remunerações de topo em empresas com leques salariais obscenos fossem severamente tributadas.
1. Quais são os limites da intervenção do Estado na gestão das empresas? Deverá o seu perímetro de acção estender-se à imposição a privados de regras de decência e sustentabilidade? A ética particular é uma responsabilidade pública? Vamos ao concreto: é ou não tolerável que se verifiquem leques salariais de 1 para 400? É ou não admissível que se aufiram pensões 350 vezes superiores ao salário mínimo? É ou não razoável permitir-se que algumas empresas comprometam a sua autonomia financeira para repetidamente distribuírem dividendos acima dos lucros?
A primeira resposta, a do vale-tudo, é que sim. É a posição dos libertários norte-americanos, inconfessadamente secundada por todos os defensores da mão invisível, de todos os azimutes, para quem não há regras sociais a cumprir a não ser a prestação de serviços mínimos para indigentes comprovados. Esta tese foi ganhando mais e mais força desde a década de 80 do século passado, agravando brutalmente os indicadores de desigualdade a favor da desregulação e da ganância em formato livre. E, já agora, contribuindo para a onda populista dos nossos dias.
O drama actual é que não existe um contraditório sólido. A posição conveniente e timorata dos dirigentes políticos, inclusive os de esquerda, face a um mundo crescentemente ubíquo, tecnológico e globalizado, sacrifica o pensamento social ao diktat do individualismo e à cultura do tweet. Curioso tempo o que atravessamos, em que as desigualdades aumentam enquanto os narizes se colam às imagens do casamento dos príncipes.
Porém, não faltam argumentos que justifiquem a existência de políticas activas, designadamente na esfera fiscal, no sentido de impedir ou, pelo menos, minorar as práticas abusivas ou anti-sociais das empresas. Há um par de anos, esta matéria foi, pela primeira vez, colocada na agenda política da Suíça, através de uma consulta popular sobre a introdução de tectos salariais para os gestores. A proposta foi chumbada, ainda que por pequena margem, mas o facto de a questão ter sido colocada, num país de fortes tradições liberais, evidencia claramente um sentimento de injustiça nas práticas remuneratórias.
Não será fácil, talvez fosse mesmo impraticável, a fixação de limites máximos nos salários ou nas pensões. Mas nada impediria que as remunerações de topo em empresas com leques salariais obscenos fossem severamente tributadas. Do mesmo modo, a distribuição de dividendos acima dos resultados líquidos deveria ser sujeita a uma taxa de IRC agravada, enquanto a dos lucros retidos poderia ser diminuída (como defendeu Vital Moreira, no seu último artigo no Dinheiro Vivo). Assim se promoveria a capacidade de autofinanciamento e a sustentabilidade económica das empresas, em detrimento da ganância e da visão predatória de curto prazo.
2. Enquanto promove debates com vista a um alargamento das suas competências, o Tribunal de Contas, entidade-rainha do emperramento burocrático da máquina estatal, entretém-se a aplicar multas a gestores públicos pela utilização de viaturas de serviço nas deslocações entre a residência e o local de trabalho. Assim está bem.
A figura do mês: Mark Zuckerberg
Ainda mal refeita do escândalo da Cambridge Analytica, eis que a mais poderosa rede social do planeta se vê envolvida num novo turbilhão de devassa de privacidade. A denúncia, solidamente fundamentada, partiu do The New York Times e envolve não só o Facebook enquanto facilitador de informação, mas também os 60 maiores fabricantes mundiais de dispositivos electrónicos enquanto receptadores. Entre estes contam-se nomes sonantes como os da Apple, Microsoft ou Samsung.
Formalmente, como não podia deixar de ser, ter-se-á tratado de uma parceria - cujas contrapartidas não são ainda conhecidas -, que possibilitou o acesso dos fabricantes a um banco de dados pessoais de mais de 2 mil milhões de utilizadores da rede social de Zuckerberg. E não são dados quaisquer. Relacionamentos amorosos, inclinações políticas e religiosas, participação em eventos públicos, todo um naipe de informações pessoais que a maioria dos frequentadores do Facebook julgava estar a recato de terceiros. É certo que muitos estariam conscientes do perigo, mas não se importavam - é o exibicionismo digital.
Número do mês: 45%
Segundo um relatório recentemente divulgado pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), entre os 90 mil alunos avaliados nas disciplinas de História e Geografia do 2.º ciclo, em 2016 e 2017, 45% não sabem onde fica Portugal. Mais precisamente, utilizando uma rosa-dos-ventos, não conseguem localizar o seu país no Sudoeste europeu.
Mas o desconhecimento não fica por aqui: menos de metade sabe localizar "o continente europeu em relação ao continente asiático, o continente africano em relação ao continente europeu e Portugal continental em relação ao continente americano".
Aparentemente, o busílis da questão é a disfuncionalidade juvenil no uso de informação cartográfica. Ou seja, a geração Z não foi feita para ler mapas. Tudo indica que a sua imbatível veia para a navegação internáutica e o uso de tecnologias digitais estão a comprometer valências que as gerações pre-millenials dominavam com facilidade, entre as quais a capacidade de leitura de textos não-instantâneos.
Não, decididamente o problema não é da falta de progressões na carreira docente.
Economista; Professor do ISEG/ULisboa