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O preço (in)certo

Não causa surpresa o facto de um governo minoritário ter de fazer concessões e negociar apoios para obter suporte parlamentar. Sempre assim foi (vide os primeiros mandatos de Cavaco Silva e António Guterres) e será.

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O que é novo, desde 1975, é a actual fórmula de poder, onde os partidos mais à esquerda do hemiciclo passaram a ter voz activa no rumo da governação. Que cedências teve e terá o PS de fazer para assegurar o bom funcionamento da geringonça? Quais as que mais directamente impactam na vida das empresas? Qual o seu preço?

 

É no campo económico que se fazem sentir algumas das diferenças mais visíveis em relação ao passado. Nunca como hoje a palavra "empresas" esteve tão arredada do discurso oficial. Como muito bem assinalou Jorge Sampaio, numa notável entrevista ao Expresso (na edição de 20 de Janeiro), é evidente o défice afectivo com o mundo empresarial, que é onde se gera riqueza. À parte o entusiasmo pelas iniciativas de cunho tecnológico e digital, escasseiam as manifestações de apoio à economia produtiva, como se a recuperação dos últimos dois anos fosse a prova de que o Estado nada tem que fazer em prol das empresas (uma tese muito liberal, diga-se de passagem). Ora, Portugal não é, nem nunca será, um formidável viveiro de start-ups nem o Sillicon Valley da Europa, por mais que se acarinhe o empreendedorismo. Os web summits não chegam para fazer mexer, de modo visível, o ponteiro da competitividade nem para fortalecer as condições de funcionamento da economia portuguesa.

 

Há muito para fazer em benefício do tecido empresarial, se houver vontade e concentração de energias. Os custos de contexto continuam indesejavelmente elevados para uma pequena economia como a nossa, a alocação dos fundos estruturais é lenta, enquanto a fiscalidade está longe de corresponder aos desígnios de uma economia que se pretende concorrencial. Atente-se nas micro e pequenas empresas, onde há muito se justificaria um regime de tipo forfetário, aligeirando as obrigações burocrático-contabilísticas sem prejuízo da receita fiscal. Por que não se faz? Porque existe uma anacrónica norma constitucional que aparentemente o dificulta e, diz-se, porque a poderosa corporação dos técnicos de contas é ferozmente hostil a qualquer simplificação.

 

Este distanciamento da realidade económica não sucede por acaso. Há como que uma inibição em abordar temas de impacto empresarial, em larga medida pelos condicionamentos ideológicos dos partidos à esquerda do PS, o Bloco em particular. Para eles, as empresas (privadas) continuam a ser fábricas de escravidão onde uns capitalistas de cartola exploram sem vergonha a força de trabalho dos operários. Qualquer assomo de proximidade entre o Estado e as empresas é tido como uma manifestação de promiscuidade com o sórdido mundo dos "negócios". 

 

Por isso, toda a atenção está virada para o sector público, o único que, aos olhos de quem desconhece a economia real, apresenta as necessárias características de virtude e devoção à causa colectiva. Convém não esquecer que só há serviços públicos, universais e capazes, enquanto existirem empresas.

 

A figura do mês: Edmundo Pedro

 

A poucos mais se poderá aplicar, com total propriedade, o cognome de combatente da liberdade. Aos 99 anos, Edmundo Pedro, o indomável, deixou-nos pela porta grande da História do século XX português. Combateu activamente todos os totalitarismos. Primeiro, muito jovem, seduzido como outros pela capacidade de luta do PCP contra o Estado Novo, militou na Federação das Juventudes Comunistas, onde conheceu Álvaro Cunhal e outros dirigentes da época. Aos 17 anos é preso e enviado para o famigerado campo de concentração do Tarrafal (Cabo Verde), onde passa nove anos em condições extremas, sujeito a torturas sistemáticas. De regresso a Lisboa, a sua história é a de uma luta incansável contra o regime de Salazar. Conspira, resiste, rompe com o PCP, participa em insurreições armadas, volta à prisão, mas não desiste. Após o 25 de Abril, já militante do PS, combate o extremismo das forças radicais e o PREC, do modo determinado que sempre foi o seu. Desempenhou diversos cargos públicos. Morreu cidadão livre.

 

Número do mês: 148 mil milhões de euros

 

É o valor global dos roubos realizados em 2017 por via informática. O número, divulgado este mês pela norte-americana Norton (grupo Symantec), uma das mais reputadas empresas mundiais de cibersegurança, envolve um total estimado de 978 milhões de pessoas que foram vítimas dos burlões. Os métodos utilizados passam pelo phishing, ransomware, hacking e fraude online. A maioria dos crimes não envolve tecnologias sofisticadas nem atinge valores individuais expressivos, passando geralmente pela obtenção de informação pessoal de utilizadores imprudentes. Em média, uma vítima de falsos serviços de suporte técnico perdeu 50 euros, uma de ransomware 126 euros, enquanto a clássica venda fraudulenta online rendeu 189 euros. Além do dano material, cada lesado teve ainda de despender dois dias úteis na tentativa de recuperação do seu dinheiro. De um modo geral, a Norton considera que a esmagadora maioria dos lesados não tomou as precauções mínimas de segurança. Curiosamente, cerca de um quarto das vítimas não ficou afectada e declara-se confiante de que não voltarão a haver incidentes deste tipo.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa

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