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Bazuca para lá, bazuca para cá

Sabemos que a bazuca chegará de modo diferido, uma pequena parte em 2021, o resto nos dois anos seguintes. Onde deverá o arsenal bélico concentrar-se?

Há algo de bipolar no discurso dos liberais quando toca ao acesso a fundos. Por um lado, entendem que o Estado só serve para complicar, que não tem nenhum papel a desempenhar na economia e que quanto mais longe estiver do mundo das empresas, melhor. Mas, por outro, reclamam para o sector privado a fatia de leão dos fundos-bazuca, com o velho argumento de que o investimento público se deve limitar às únicas funções que consideram próprias do Estado - normalmente, a educação (quanto baste), a saúde (idem), a justiça e a segurança. Pelo meio, reivindicam mudanças no funcionamento do mercado de trabalho e outras "reformas estruturais", daquelas que nunca se sabe ao certo o que querem dizer ou que, na melhor das hipóteses, são de tal profundidade e transversalidade que nem dez Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) seriam capazes de as abordar eficazmente.

Como aplicar os cerca de 14 mil milhões do PRR? Sabemos que a bazuca chegará de modo diferido, uma pequena parte em 2021, o resto nos dois anos seguintes. Onde deverá o arsenal bélico concentrar-se? No sector privado, alargando o mais possível o quadro de apoios transversais? Formação profissional, capitalização e redução da carga fiscal são os temas de sempre, ora vitaminados com injecções de dinheiro comunitário (a formação e, a espaços, a capitalização), ora adiados em nome das receitas orçamentais e das restrições comunitárias (a fiscalidade). É duvidoso que uma afectação massiva dos novos fundos a este rol de prioridades fosse capaz de produzir os efeitos de recuperação esperados num horizonte temporal curto. E não se vislumbra como a redução da carga tributária sobre os rendimentos singulares e colectivos - quem não a deseja? - pudesse ser levada a cabo, de modo sustentável, perante um quadro económico que será inevitavelmente recessivo durante um bom par de anos. Os choques fiscais já eram.

Segundo os dados transmitidos na versão preliminar do PRR, sintetizados em tabela na última edição do Expresso, dos 13 944 milhões a fundo perdido, 30% são carrilados para investimentos que beneficiam directamente as empresas. Destacam-se, em sintonia com os eixos de orientação estratégica do trabalho de Costa Silva, as frentes da transição energética (9,6%), da reindustrialização (6,6%), da transição digital (4,7%), da qualificação profissional (2,6%) e da rede de parques industriais no interior (2,2%). Nos restantes 70% de projectos de iniciativa pública, cabe ainda uma fatia próxima dos 38% com impactos relevantes no tecido empresarial. Os fundos para a capitalização e o novo material circulante ferroviário, cerca de 1550 milhões, provirão da linha de empréstimos europeus, em condições a definir.

Talvez haja ainda espaço de manobra para uma melhor afinação do plano de investimentos, tidos em conta contributos diversos do mundo empresarial e académico, mas é pouco crível que venhamos a assistir a uma transmutação radical da matriz de referência. O que se espera, com ansiedade e preocupação, é que a gestão dos dinheiros seja fluida e eficaz.

 

A figura do mês: João Almeida

 

Não venceu e acabou por nem figurar no pódio final. Mas o 4.º lugar deste rapaz de 21 anos numa das provas mais reputadas do calendário ciclista mundial - o Giro - entusiasmou Portugal. Foram duas semanas de rosa vestido, resistindo a múltiplas investidas de corredores consagrados e equipas mais apetrechadas do que a sua. Aos 21 anos, na sua primeira prova como profissional, o miúdo de A-dos-Francos revelou fibra de campeão.

 

O que mais impressionou, habituados como estamos aos assomos de vedetismo por parte de variados desportistas, foi a serenidade competitiva que sempre revelou, a humildade de quem sabe que uma corrida não passa disso mesmo, ora a subir, ora a descer. O futuro trará novos desafios, novas voltas, onde ele já será olhado com menos altivez pelos seus adversários.

 

"Sinceramente, não sei bem ainda o que fiz. Olho para tantos desportistas que nos motivam e tentamos ser como eles", declarou, já chegado a terras lusas, o João Almeida. Seria bom que outros tentassem ser como ele. 

 

Número do mês: 2020

 

À hora a que o Negócios ganha vida, manhã cedo, não é certo que já conheçamos o desfecho das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Sabemos, sim, que este sufrágio, no ano da (des)graça de 2020, marcará, como provavelmente nenhum outro nos últimos 50 anos, o curso da História.

 

O jornal britânico The Guardian, no seu habitual apelo ao contributo financeiro dos leitores, acrescentou nos últimos dias um parágrafo exemplar sobre a eleição norte-americana: "(…) O resultado terá consequências durante décadas para todo o mundo - para a democracia global e o progresso. Os laços transatlânticos, as relações entre as superpotências e a situação de emergência climática estão em jogo. O próximo Presidente dos Estados Unidos definirá a agenda para a batalha contra a covid-19 e o combate pela justiça racial, a igualdade de género e a distribuição justa de riqueza."

 

2020, o ano de que nunca nos esqueceremos. Talvez em 2030 possamos sorrir.

 

Economista, Professor do ISEG/ULisboa

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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