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Uma campanha moderna

Esta é a primeira campanha eleitoral moderna. Não é ainda uma verdadeira campanha do século XXI. Já explico. Nem tão-pouco a modernidade se deve aos candidatos. Mas mesmo assim Portugal deu mais um salto em direção ao futuro.

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O mérito da mudança cabe inteiramente às televisões. Por uma vez decidiram fazer o que lhes compete. Informar. A organização de dezenas de debates entre os candidatos, com várias configurações, a dois, a quatro, a dez, a que se juntam as entrevistas individuais, fez com que uma eleição que os portugueses viam como irrelevante se tenha tornado no assunto sério que efetivamente é. Só os diletantes snobes e os rancorosos, que dizem sempre mal de tudo, acham que são debates a mais. Não é verdade. Temos hoje um conhecimento razoável de todos os candidatos, mesmo os que só estão nisto à procura de 15 minutos de fama. Graças a tanta exposição, o verdadeiro carácter, as qualidades e os defeitos de cada um vão emergindo.

 

Como disse, a entrada na modernidade não se deve aos candidatos. Pelo contrário. É evidente que não estão preparados para tanta exposição mediática. Nenhum deles. Nem Marcelo Rebelo de Sousa. Imagino que quando lhes disseram que iam saltitar de canal em canal ficaram radiantes. Era a oportunidade de ouro de se darem a conhecer e até Marcelo, habituado às pantalhas, via a coisa como um passeio. A realidade está a revelar-se bem diferente e é mesmo penosa para alguns. Esquecendo os marxistas, estilo Groucho, ou seja, Tino de Rans, Henrique Neto, Cândido Ferreira e Jorge Sequeira, só Marisa Matias e Paulo Morais têm beneficiado da multiplicidade de aparições televisivas. A primeira porque é a única simpática, profissional e com ideias bastante claras, o segundo porque conseguiu colocar a sua cruzada anticorrupção na ordem do dia. Edgar Silva é insonso e confuso, Sampaio da Nóvoa palavroso, o que funciona bem num auditório mas muito mal na televisão, Maria de Belém é um desastre, incapaz de passar da defesa da honra e do repetitivo autoelogio. Mas aquele que tem sido mais prejudicado com o mecanismo é precisamente Marcelo Rebelo de Sousa. Durante anos habituou-se a falar para um papagaio sem contraditório. Pior. A esperteza, mesmo não sendo saloia mas catedrática, o fingimento, o vale-tudo para conseguir votos, começam a revelar a verdadeira personalidade do candidato. A de um homem irrequieto, instável, incoerente, capaz de concordar com uma coisa e o seu contrário, que não tem propriamente princípios já que imagina ser a política uma sucessão de taticismos. A cada debate Marcelo perde votos ao centro e sobretudo à direita. Ao tanto fingir que agora é de esquerda, desdenhando o apoio do PSD e DCS, tanta vez de forma bastante deselegante e até ofensiva, está a criar anticorpos no povo de direita. A possibilidade de vencer à primeira volta é agora mais periclitante.

 

Em suma, os candidatos não estavam preparados para uma campanha feita na televisão. Habituados às arrudas e discursos a jantaristas apaniguados, não sabem falar, não conseguem controlar os tempos, perdem-se frequentemente em ninharias, não perceberam o próprio meio e o seu impacto na opinião pública. Basta dizer que, enquanto um comício arregimenta umas centenas de pessoas e consegue no melhor 30 segundos de televisão, o debate mais visto, Marisa Matias e Sampaio da Nóvoa, teve 600 mil espetadores, sendo que no outro extremo, Maria de Belém e Paulo Morais, contou com 100 mil. Mesmo neste caso, sofrível, equivale a mais de cem comícios e jantares.

 

Mas se não souberam aproveitar a televisão, no que diz respeito à internet e redes sociais, a situação é mesmo medíocre. No Facebook, Sampaio da Nóvoa e Marisa Matias têm alguns seguidores, enquanto Marcelo Rebelo de Sousa e Maria de Belém praticamente não existem. Nos comentários, Maria de Belém vai à frente, mas é preciso saber que a maioria se refere às quantidades de laca e não às qualidades da candidata. De qualquer modo nenhuma candidatura passou da ideia de que basta ter um site, uma página no Facebook ou uma conta no Twitter. Fazer política nas redes sociais é uma coisa completamente diferente. É ser capaz de gerar uma intensa participação, num ativismo que passa pela mobilização, esclarecimento de posições, debate, angariação de fundos. Numa campanha presidencial, na qual os partidos têm uma presença menor, a internet é muito mais do que um mero repositório de biografias e fotos sorridentes do candidato. É uma forma de organização política e comunitária em si mesmo. Enfim, talvez na próxima eleição a política portuguesa entre no século XXI.

 

Artista Plástico

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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