Opinião
Revolução 4.0
Ao contrário das revoluções sociais que são violentas e bruscas, as revoluções tecnológicas acontecem sem que a maioria se dê conta.
A partir de um restrito núcleo de pioneiros vão aparecendo aqui e ali algumas ideias vagas, eventualmente alguns "gadgets" rudimentares, que depois alastram lentamente até transformarem o mundo. Foi assim com a internet, com os telemóveis, com a biotecnologia, com a impressão 3D… É hoje com a Internet das Coisas e a chamada revolução 4.0.
Convirá antes de mais explicar, para quem não sabe, o que significa esta numeração. Considera-se que entramos agora na quarta revolução industrial. Sendo que a primeira foi a da mecanização graças à invenção da energia a vapor; a segunda, com a energia elétrica, resultou na produção em massa; a terceira, com o aparecimento dos computadores, abriu as portas ao novo reino do digital e suas infindáveis aplicações.
A quarta revolução deriva da terceira, ou seja, assenta no digital, mas introduz um elemento decisivo que mais uma vez vai alterar o nosso mundo, a forma como vivemos e produzimos. Sabemos como as máquinas vão adquirindo uma inteligência própria, dita artificial, que lhes permite analisar dados e ambientes e, dessa forma, escolher a melhor solução para um problema ou tarefa. A novidade está em que, ao contrário do que sucedia com a terceira revolução industrial em que o controlo pelos operadores humanos era tida por essencial, vide por exemplo a robótica industrial, agora caminha-se para uma autonomização dadas as capacidades de comunicação e cooperação. Por isso se fala de Internet das Coisas, já que as coisas comunicam entre si, realizam tarefas, tomam decisões, com diminuta e, nalguns casos, nenhuma intervenção humana.
O conceito 4.0 tem origem numa iniciativa do Governo alemão, na sua vontade de automatizar ao máximo a produção industrial. Este facto é, em si mesmo, bastante interessante pois ao invés da visão "de baixo para cima" dos americanos, o corrente "de cima para baixo" dos europeus raramente resulta em algo relevante e, na vastíssima maioria das vezes, é um obstáculo à inovação.
De qualquer modo, inicialmente destinado à indústria o 4.0 vai alastrando a múltiplas atividades e não só económicas. Na cultura, a sua aplicação é inevitável e até se começa a falar numa política 4.0.
Isto porque as características principais são transversais. Trata-se desde logo de processos disseminados que são realizados em múltiplos locais por muitos intervenientes de vários tipos. Veja-se o caso de um livro editado no sistema on-demand, ou seja, em que de cada vez só se imprime o exemplar adquirido pelo consumidor. Alguém escreveu ou organizou o conteúdo, sendo que começa a ser possível uma máquina fazer esta tarefa criativa. Já existem romances escritos por programas de inteligência artificial e não são menos interessantes do que a maioria. O livro, virtual, é colocado na nuvem à espera que alguém o compre. Quando isso acontece o sistema envia automaticamente um sinal para uma impressora que pode estar do outro lado do planeta, o imprime, o encaderna, embala e envia para expedição. Não há intervenção humana, mas o livro aparece em nossas casas, por enquanto ainda levado por um carteiro. Mas se o produto for digital já nem este existe, todo o processo é realizado na nuvem.
Imagine-se uma outra situação. Um supermercado tem regularmente produtos cuja validade expira e é preciso substituir. Se estes produtos tiverem maneira de comunicar com um servidor, o que se faz substituindo o velho código de barras por uma etiqueta que transmite a informação via rádio, a substituição pode ser automatizada. Do mesmo modo, as nossas compras são lidas instantaneamente na caixa sem ser preciso passar uma a uma.
Ou seja, conceptualmente o 4.0 pretende retirar ao máximo o humano de muitos processos. O que implica uma nova vaga de extermínio de profissões e ocupações e irá gerar mais desemprego. Mas, noutra perspetiva, significa também que aos humanos cabe cada vez mais a tarefa de criação de processos e não já das coisas em si. E isso, além de inevitável, é um evidente "upgrade" da nossa própria condição e inteligência.
Artista Plástico
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