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Parece mal

Na minha juventude era frequente ouvir que não devia fazer isto ou aquilo porque parecia mal. Mais do que do domínio das aparências era uma forma de cultivar a boa educação, distinguindo o bem do mal.

Depois a frase foi perdendo sentido e hoje está claramente em desuso. Não só a frase, mas o que ela significa. Vejam-se dois casos.

 

António Domingues é um homem a quem nada parece mal. Convidado pelo Governo para um cargo importante logo exigiu uma remuneração muito acima da média. O Governo cedeu, naquele que muitos consideram ter sido o seu maior erro em todo o processo, criando uma lei à sua medida. Apesar de assessorada por um escritório de advogados ninguém reparou que a nova lei não cobria tudo o que o destinatário queria. Pois para além de um excelente ordenado o homem não pretendia sujeitar o seu pecúlio ao escrutínio público. Recorde-se que a apresentação do património quando se entra para um cargo deste tipo é verificar como está quando se sai. Simples matemática. Nada de especial.

 

Uma vez descoberto o deslize jurídico, António Domingues, até então um perfeito desconhecido, desencadeou uma tremenda trapalhada naquele entrega não entrega, que durou meses e ainda perdura. Acabou por se ir embora sem nobreza, mas não ficou por aí. Agora anda no mostra não mostra.

 

A minha avó tê-lo-ia aconselhado a não fazer nada disto porque parece mal. Não só parece como é. Por muitos talentos que tenha o da boa educação não é um deles. O da lealdade também não. O do sentido da responsabilidade ainda menos. Chamado para salvar a CGD, tem feito tudo para a prejudicar. Isso, mais do que tudo o resto, é imperdoável.

 

Há, no entanto, uma coisa nesta história que não entendo. Qual o sentido de se recusar a apresentação do património e do rendimento quando este é do perfeito conhecimento do Estado? Excetuando os depósitos nas contas bancárias o património de uma pessoa já é declarado. Ou será que António Domingues não entrega a sua declaração anual de IRS? Não paga IMI? Etc… Questão que pode colocar-se de outra forma. Porque é que o Tribunal Constitucional exige a entrega deste tipo de declaração ao próprio, quando bastaria pedi-la às finanças em caso de pretender verificar?

 

Racionalizando. António Domingues não quer que o seu património e as suas contas bancárias sejam do conhecimento público. Qual é o problema? Se ganhou muito dinheiro, parabéns. Dos invejosos não reza a história. É que com tanta polémica por causa de coisa nenhuma, arrisca-se a parecer que tem algo a esconder.

 

O outro protagonista da semana, a quem a avó não ensinou os princípios do parece mal, é Cavaco Silva. Dada a forma como saiu da presidência, sem glória, devia remeter-se ao sossego, deixar passar tempo e um dia, talvez, dizer qualquer coisa. A ideia de ir a correr escrever um livro de memórias já é suficientemente má em si, pois este tipo de livros raramente tem qualquer interesse. Sobretudo quando estamos a falar de alguém que não viveu nenhum momento histórico significativo. Mas ao fazê-lo como forma de vingança contra alguns dos seus opositores políticos é ainda mais absurdo.

 

De qualquer modo, o chocante do livro não está tanta na mesquinhez do ato vingativo, mas na extrema banalidade do seu conteúdo. As grandes revelações são cenas patéticas, historietas, pequenas intrigas, nada que possa realmente interessar o relato histórico. Nada restará. A não ser a confirmação de uma personalidade menor na História de Portugal. Mas até isso o tempo tratará de apagar.

 

Artista Plástico

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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