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12 de Junho de 2013 às 00:01

Turquia e Europa

A gente de Taskim é nova, urbana, informal, moderna no trabalho e no lazer, armada de SMS, Facebook, Twitter. O que detestam em Erdogan é o controle da imprensa, a prisão de dissidentes, as restrições de álcool, o querer submeter as suas vidas privadas a regras islâmicas de comportamento opressivas.

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Quando, há dias, milhares de manifestantes protestaram na Praça Taksim em Istambul, ao lado do parque de Gezi, porque o governo de Ancara resolvera arrasar este para construir um centro comercial (em versão "kitsch" do estilo militar otomano), indignando ecologistas bem como muitos milhares de homens e mulheres fartos do primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, chefe do partido da Justiça e do Desenvolvimento, que, com maioria absoluta no parlamento, governa a Turquia há 10 anos – alguns europeus lembraram-se da "Primavera árabe".


A despropósito. Ao contrário da Tunísia de Ben Ali, do Egipto de Hosni Mubarak, da Líbia de Muammar Kadafi, da Síria de Bashar al-Assad, a Turquia tem por sistema político uma democracia parlamentar, enxertada há quase um século por Mustafá Kemal, "Pai dos Turcos", no coração do que fora o Império Otomano. O novo regime trouxe laicização do Estado, abandono do alfabeto árabe, emancipação da mulher (oportunidade igual na educação; proibições do véu em lugares públicos). Seguiram-se décadas, nem sempre tranquilas, com exército e tribunais kemalistas; cidades europeizadas, mas forte tradição muçulmana nos campos; relações violentas entre turcos e a minoria curda – mas, apesar de intervalos de ditadura militar, o enxerto pegou, tendo sido o partido de Erdogan eleito e reeleito na última década, promovendo crescimento económico notável (e negociando o que poderá bem vir a ser resolução política duradoura da questão curda).

E de repente os protestos da Praça Taksim. Avivados por repressão brutal da polícia, espalharam-se à capital política do país, Ancara, e a outras cidades importantes, já fizeram três mortos e muitos feridos e estão a perturbar o governo como nunca tinha acontecido. Ontem de manhã, a polícia carregou de novo sobre a Praça ao mesmo tempo que mandava recados conciliatórios aos manifestantes. Erdogan, autocrático e arrogante (lembra Putin), chamou aos manifestantes terroristas comandados do estrangeiro, mas deverá receber hoje alguns dos seus chefes (a porta-voz de "Solidariedade com Taskim"; representantes de duas ONG: Greenpeace e Cidadãos de Helsínquia); o porta-voz do governo anunciou suspensão da decisão de arrasar o parque de Gezi; o Presidente da República disse compreender os manifestantes.

A gente de Taskim é nova, urbana, informal, moderna no trabalho e no lazer, armada de SMS, Facebook, Twitter. O que detestam em Erdogan é o controle da imprensa, a prisão de dissidentes, as restrições de álcool, o querer submeter as suas vidas privadas a regras islâmicas de comportamento opressivas, a mistura de visão rústica e de novo-riquismo de pato-bravo, a intolerância. Os inimigos históricos de Erdogan (muitos deles por ele presos), juízes e generais "kemalistas" laicos, são a outra face da moeda turca cunhada no século XX, igualmente intolerante e anacrónica. As manifestações de Taskim mostram complexidades novas da Turquia do século XXI que a deixam menos longe da Europa.

Embaixador

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