Opinião
“Koyaanisqatsi”
No final destes tempos provavelmente Portugal estará no grupo dos três países mais pobres da Europa. Eis a que nos levou a impensada e impreparada adesão à União Europeia primeiro e ao Euro depois. Um país frágil, dependente, incapaz de resistir aos abalos externos.
"Koyaanisqatsi" é uma palavra da língua hopi, um povo nativo-americano do Estado do Arkansas nos Estados Unidos. Uma língua gramaticalmente complexa em que em vez do simples singular e plural existem mais dois casos. Nessa língua Koyaanisqatsi expressa a ideia de uma "vida desequilibrada", de uma situação em que se exige "outra forma de viver", mais em sintonia com os outros e com a natureza.
Nenhuma palavra poderia traduzir melhor a presente situação que esta palavra de uma língua quase extinta de um povo milenar destroçado e dizimado pela colonização.
Nenhuma peça musical expressa de forma mais límpida esse sentimento de "vida desequilibrada" e essa ansia de mudar de vida, que a obra de Philip Glass e o filme, de Godfrey Reggio, que a ilustra. Apesar de criados em 1983 o filme e a música carregam as angustias e as esperanças que vivemos hoje.
A angústia de uma pandemia mortífera que se instalou no nosso quotidiano e que nos tolhe os movimentos, a expressão, os movimentos, e que no atual quadro político europeu, que não soube travar a doença a tempo, exige agora a supressão dos direitos básicos, sem que se perceba a eficácia dessa suspensão de direitos laborais e sociais no combate ao vírus.
A angústia de verificar que muitas das medidas anunciadas não passam do papel, não sendo operacionalizadas – algumas ajudas não podem ser acedidas porque o Governo se "esqueceu" de criar o impresso necessário – ou não respondendo a necessidades reais e concretas – escola pela internet num país em que grande número de crianças não tem computador, nem possibilidade de pagar ligações à internet.
A angústia da austeridade que se avizinha e que, muito provavelmente, levará à alienação de boa parte do já muito reduzido tecido empresarial português a estrageiros (veja-se a venda em curso da Brisa e outras empresas da esfera dos Mellos), ao empobrecimento da população mais fragilizada, à míngua da classe média, à emigração massiva dos portugueses melhor qualificados. No final destes tempos provavelmente Portugal estará no grupo dos três países mais pobres da Europa. Eis a que nos levou a impensada e impreparada adesão à União Europeia primeiro e ao Euro depois. Um país frágil, dependente, incapaz de resistir aos abalos externos.
Simultaneamente avoluma-se um sentimento, uma esperança, num "mudar de vida" como aquele que num 25 de Abril já longínquo e desconhecido da maioria dos portugueses, fez vibrar uma geração e abriu um caminho diferente do que então perseguíamos e que nos surgia como um beco tão sem saída como o momento atual.
Koyaanisqatsi, afinal uma palavra bem portuguesa. Uma palavra apropriada ao mês de abril.
Economista