Opinião
Uma "selfie" americana
O porte presidenciável de Clinton acabou por se sobrepor à demagogia de Trump, mas resta saber se o desempenho da candidata no primeiro debate conseguiu inverter uma desastrosa erosão de apoios em estados cruciais para a eleição de Novembro.
Hillary, com deixas bem preparadas, após encaixar os primeiros ataques de Donald, numa truculenta veia proteccionista, xenófoba e contestatária das elites políticas, aproveitou o arrazoado atabalhoado do adversário para impor os termos do debate.
Os apoiantes declarados de Hillary terão, possivelmente, ficado agradados por a democrata ter sucintamente reconhecido o erro no uso de um servidor privado para correspondência electrónica enquanto secretária de Estado, evitando ser arrastada para uma discussão dispersiva e prejudicial.
Por inépcia e desnorte de Trump, a democrata escapou ao escrutínio sobre a Fundação Clinton e conflitos de interesses e, provavelmente, o eleitorado da antiga secretária de Estado reforçou opiniões favoráveis sobre o seu superior domínio dos grandes temas e das questões internacionais.
Aos eleitores do empresário nova-iorquino agradaram, por seu turno, as invectivas contra maleitas de tratados comerciais responsáveis pela destruição de empregos e críticas a países que abusivamente gozam do protector manto militar dos Estados Unidos.
Apesar de Trump mal ter abordado o tema da emigração, quedando-se pela denúncia da falência dos políticos tradicionais em imporem a lei e ordem, o candidato terá, eventualmente, reforçado junto dos apoiantes a mensagem de repúdio por liberalismos e interesses instalados capazes de colocar em risco a segurança dos norte-americanos.
No debate entre os dois mais impopulares candidatos de sempre, Trump, muito provavelmente, claudicou junto de eleitores indecisos por não se apresentar como estadista sério, seguro de si, capaz de se concentrar em duas ou três ideias-força, sem enveredar por tiradas abusivas.
É possível, contudo, que a campanha de Clinton continue a passar ao lado da faixa mais jovem do eleitorado que ainda não decidiu o voto pelo mero facto da candidata, tida por representante típica da elite do poder, não apresentar qualquer ideia inovadora.
Na Universidade de Hofstra estava em causa para Donald e Hillary, além da consolidação de apoios evitando prestações desastrosas, captar os segmentos de indecisos, cerca de 10% do eleitorado.
A cobertura dos media, apontando maioritariamente para um melhor desempenho de Hillary, irá condicionar percepções no curto prazo e as sondagens do final desta semana poderão desde logo indicar se o confronto em Long Island favoreceu significativamente ou não a democrata junto dos eleitores indecisos.
Clinton tem vindo a perder a liderança nas intenções de voto em estados como o Colorado ou Ohio, surge empatada com Trump na Pensilvânia e Florida, e é mais prejudicada do que o republicano pelos 8% de Gary Johnson do Partido Libertário e 2% de Jill Stein dos Verdes registados a nível nacional.
A vantagem de Clinton no cômputo do Colégio Eleitoral reduziu-se drasticamente e, para todos os efeitos, a eleição de 8 de Novembro ficou em aberto a partir do momento em que se dissipou este mês uma persistente tendência de voto favorável a Hillary.
À imprevisibilidade da corrida para a Casa Branca soma-se a forte possibilidade de a maioria republicana na Câmara de Representantes ser replicada no Senado.
Trump ou Clinton serão Presidentes fracos, carentes de apoios no Congresso, obrigados a uma negociação permanente, malquistos, à partida, por metade do eleitorado e sem expectativas favoráveis da maioria dos norte-americanos.
Num inquérito da "Associated Press - NORC Center for Public Affairs Research", realizado em meados de Maio, sete em 10 norte-americanos declaravam-se frustrados com a campanha presidencial e, de então para cá, é de crer que o panorama se tenha degradado.
A "selfie" dos Estados Unidos com os seus candidatos presidenciais é coisa feia de se ver.
Jornalista