Opinião
Só saem duques
Em Madrid, uma maioria nas Cortes é a caução política da imoralidade e os mercados financeiros conformam-se, mas já se retraem quando em Lisboa outra maioria parlamentar aguarda pelo destino de um governo desqualificado.
O imperativo de estabilidade política é o argumento de Mariano Rajoy para recusar a demissão, cumprir a legislatura, e calar os críticos dentro do "Partido Popular" numa altura em que a dimensão da corrupção partidária e institucional em Espanha extravasa os limites da decência.
A desmesura e a desfaçatez, velhas pechas da arrogância dos poderosos em Espanha, estão na origem da desonra de Rajoy que, se as coisas correrem pelo lado pior, arrisca ser chamado a responder à justiça.
Primeiro, o tesoureiro do partido Luis Bárcenas ultrapassou todas as marcas ao acumular património imobiliário e contas em bancos suíços num montante superior a 50 milhões de euros após 28 anos a gerir as contas dos populares.
Depois, o partido viu-se obrigado relutantemente a deixar cair Bárcenas quando o esquema de contabilidade paralela e os pagamentos não declarados feitos pelo próprio tesoureiro a dirigentes do PP vieram a público.
O temor a eventuais denúncias do antigo senador pela Cantábria era tal que, apesar Barcénas abandonar o partido em 2010, a ruptura total só se consumou depois de Janeiro deste ano quando os jornais "El País" e "El Mundo" começaram a publicar documentação altamente comprometedora.
O tesoureiro, detido desde 27 de Junho, facultou, entretanto, ao "El Mundo" suficientes sms comprovando que manteve contacto directo com Rajoy até Março deste ano solicitando apoio a troco de silêncio sobre a contabilidade paralela e pagamentos não declarados.
O escândalo "Gürtel" – um clássico financiamento partidário ilegal, neste caso dos conservadores, a troco de concessões de terrenos, autorizações de projectos e adjudicações diversas nas regiões e autarquias sob administração do PP – que rebentara no início de 2009 converteu-se numa afronta moral a partir do momento em que Bárcenas acossado pela investigação judicial passou a confirmar as suspeitas.
O PP que começou por negar qualquer credibilidade às acusações de financiamento ilegal entre 1990 e 2008, desqualifica agora o seu antigo tesoureiro, cerrou fileiras em defesa de Rajoy e reitera ter condições para iniciar a recuperação da economia até às eleições no final de 2015.
Poucas vozes críticas se têm feito ouvir entre os populares e as excepções mais relevantes – a líder do partido em Madrid, Esperanza Aguirre, e o catalão Alejo Vidal-Quadras um dos vice-presidentes do Parlamento Europeu – não se encontram em condições de representar uma alternativa a Rajoy.
A maioria absoluta do PP permitirá derrotar moções de censura e os socialistas, cujos actos de corrupção partidária na Andaluzia estão sob a alçada da justiça – tal como sucede com os nacionalistas de centro-direita da "Convergència Democràtica de Catalunya" – carecem de credibilidade em matéria de moral política.
No confronto com os governos regionais sobre partilha de receitas e poderes o executivo madrileno terá, contudo, dificuldades acrescidas devido ao processo de reconfiguração de alianças e patrocínios.
Os parcos indícios de recuperação económica ou os primeiros passos para recapitalização da banca não impedem que as previsões apontem no sentido de até ao final do próximo ano o desemprego, um indicador fatal, se cifre em 27% na estimativa governamental ou 28%, segundo a OCDE.
A ruína moral dos conservadores agrava, por sua vez, a desconfiança generalizada nas instituições, incluindo a Casa Real, e ameaça a hegemonia bipartidária, envolvendo alianças pontuais com forças nacionalistas e regionalistas, típica do pós-franquismo.
Em Madrid, uma maioria nas Cortes é a caução política da imoralidade e os mercados financeiros conformam-se, mas já se retraem quando em Lisboa outra maioria parlamentar aguarda pelo destino de um governo desqualificado.
Na Península Ibérica baralha-se e dá-se de novo, mas só saem duques.
Jornalista
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