Opinião
Obama na Casa dos Segredos
A relação custo-benefício da espionagem política, económica e financeira entre aliados parece ter-se perdido em Washington por via da expansão de meios tecnológicos, a grandiosidade da impunidade legal e política e a arrogância do poder.
Um programa secreto de escuta das telecomunicações de chefes de estado e governo estrangeiros, iniciado pela administração Bush na sequência dos atentados de 11 de Setembro de 2001, foi escondido por altos responsáveis da "Agência de Segurança Nacional" (NSA) ao presidente dos Estados Unidos até ao começo deste Verão.
Assim, preto no branco, é o que há a concluir das inverosímeis declarações de Barack Obama, do porta-voz presidencial e de fontes oficiais e oficiosas não-identificadas da Casa Branca que alegam terem sido, entretanto, iniciadas diligências para revisão de programas e procedimentos dos serviços de espionagem electrónica presumivelmente devido à fuga de informações que Edward Snowden trouxe a público em Junho de 2013.
A democrata Dianne Fenstein, presidente da comissão do Senado que supervisiona os serviços de informação, reconhece, por seu turno, que o órgão legislativo não foi notificado da existência de escutas a líderes de estados aliados, citando nomeadamente a França, o México, a Espanha e a Alemanha, e declarou opor-se terminantemente a tal prática.
A senadora californiana encara como excepção para a legalidade de tais actos de espionagem apenas casos de envolvimento de um estado amigo em "hostilidades" ou "razão de emergência".
Fenstein, que anteriormente aprovara programas da NSA de recolha de dados sobre comunicações telefónicas de cidadãos norte-americanos e de dados pessoais na posse de provedores de serviços na internet, admite, agora, que, afinal, não tinham fundamento as suas garantias de que o Senado possuía "informação exaustiva sobre as actividades dos serviços de informações".
Uns mentem, outros omitem
Quanto ao director da NSA e da unidade de guerra cibernética do Pentágono "U.S. Cyber Command", general James Alexander, foi anunciado em 16 de Outubro que abandonará no final deste ano ou início de 2014 a organização que lidera desde 2005.
Do destino do general na reserva James Clapper, "Director of National Intelligence", supervisor e coordenador desde 2010 das 16 agências de informações norte-americanas, nada se sabe, enquanto o Senado prepara, segundo Fenstein, a imposição de "vigilância reforçada e alargada" às actividades de espionagem e contra-espionagem.
O presidente afirma definir apenas "orientações políticas" para os serviços de informação e prefere apresentar-se como um leitor pouco ou nada curioso sobre as fontes do "Daily Brief" que todas as manhãs lhe é apresentado pelo "Director of National Intelligence".
A mediocridade extrema dos procedimentos de segurança que já proporcionou fugas de informação em larga escala por parte de pessoal subalterno, como Bradley/Chelsea Manning em 2010, e, posteriormente, Snowden, o crescimento exponencial de meios de recolha electrónica sem contrapartida num acréscimo e sofisticação da capacidade analítica e eventual capaz aproveitamento político da informação escapam, de momento, ao escrutínio público.
Espiar fininho
Angela Merkel - menina e moça sob a sombra da STASI - já era espiada desde 2002 como líder da oposição e antes de tomar posse como chanceler em Novembro de 2005, mas, adopta uma atitude minimalista quanto à protecção de dados pessoais nas conversações comerciais entre a UE e os EUA.
Dilma Rousseff - guerrilheira urbana de extrema-esquerda, torturada pela ditadura militar - ante as revelações de escutas norte-americanas, com forte componente comercial por via da vigilância à "Petrobras", reagiu com exigências que ultrapassam a polémica da espionagem para aventar uma legislação universal cobrindo as actividades digitais.
Um estatuto bilateral privilegiado aparenta ser, no entanto, o anseio da maior parte dos governos de estados democráticos na sua relação com Washington na recolha de informações.
O modelo é o pacto que desde 1946 une Londres e Washington, mais tarde alargado ao Canadá, Austrália e Nova Zelândia, consagrando programas genéricos de espionagem, partilha pontual de informações envolvendo interesses comuns e a vigilância de actividades de cidadãos dos cinco estados.
O pacto do "Clube dos Cinco" tem aparentemente servido os interesses dos envolvidos, ultrapassando conflitos graves como a crise do Suez em 1956 em que Washington deixou cair Londres e a recusa da Nova Zelândia a partir de 1984 de permitir a passagem de submarinos nucleares nas suas águas territoriais.
A relação custo-benefício da espionagem política, económica e financeira entre aliados, seja por via electrónica ou pessoal, parece, contudo, ter-se perdido em Washington por via da expansão de meios tecnológicos, a grandiosidade da impunidade legal e política e a arrogância do poder.
Não será caso único, mas, presentemente é o mais vistoso e resta assistir ao que acontecerá à medida que Obama se vir obrigado a deixar cair os seus mestres espiões para aplacar aliados reais e putativos, sem deixar de tentar pôr em guarda adversários e inimigos que cada vez mais o têm por político fraco e pusilânime.
* Jornalista
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