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11 de Março de 2015 às 00:01

O Brasil vai ao dentista

A corrupção na “Petrobras” obedece ao padrão de viciação fisiológica da política brasileira.

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"Ajuste fiscal é mais ou menos que nem ir no dentista. Ninguém quer, mas tem que ir", contemporiza o chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff numa altura em que a corrupção política estoira o orçamento de Estado.

 

Aloizio Mercadante assegura que 80% dos cortes orçamentais podem ser levados a cabo pelo executivo, sem aval do Congresso, mas a degradação da imagem da presidente e a devastação que a investigação "Lava-Jato" trouxe à integridade do sistema partidário obrigam a outras contas.

 

Para sexta-feira o Partido dos Trabalhadores convocou protestos contra a austeridade e domingo saem às ruas manifestações exigindo a impugnação de Dilma, sinal que as cáries do sistema degeneraram em maleita bem mais grave.

        

Feijão com feijão

 

Chegar a 1,2% de excedente primário orçamental (exclui pagamento de juros da dívida) no final de 2015 - quando em 2014 o défice se cifrou em 0,6% - é o objectivo governamental ainda que as últimas previsões das instituições financeiras prevejam uma contracção de 0,66 por cento do PIB em 2015.

 

O relatório de mercado do Banco Central de 6 de Março incorpora expectativas negativas, na sequência de uma redução do crescimento para 1,3% nos últimos quatro anos, admitindo uma retoma para 1,40% em 2016.

 

Os indicadores apontam, contudo, para cenários piores a começar pelo crescente défice comercial: 2.800 milhões usd em Fevereiro, sem equivalente desde 1980, depois de 2014 com 3.930 milhões de prejuízo marcar o primeiro ano de balança negativa desde 2000.

 

Quebras de 11,8% em relação à China e de 15,2% para o Mercosul não foram compensadas em 2014 pelo aumento de vendas aos Estados Unidos de máquinas e equipamentos, desvalorizando-se o ciclo da soja e matérias-primas dinamizado pelas aquisições da China que em 2009 se tornou no principal parceiro comercial.   

 

A desvalorização do real (<12,5% face ao dólar desde Janeiro), agravando os pagamento de uma dívida externa de 230 mil milhões usd, elevado endividamento das famílias, taxa de juro de referência a 12,5%, 7,14 de inflação anual (agravada pelas secas), obrigam a reduções substanciais de gastos com subsídios ao consumo, de desemprego e do investimento público.

 

Corrupção fisiológica

 

À revelia das promessas de Dilma na campanha para a reeleição em 2014, cortes orçamentais na ordem dos 18 mil milhões de reais (5,4 mil milhões de euros) terão de ser impostos a uma coligação governamental a braços com um escândalo de Estadão.

A corrupção na "Petrobras" obedece ao padrão de viciação fisiológica da política brasileira.

 

A governação de Lula trouxe para a esfera do poder grupos tradicionalmente excluídos dos centros de decisão, alargou a viciação do sistema e o "Mensalão", a canalização de fundos ilícitos por parte do "Partido dos Trabalhadores" para compra de votos no Congresso Nacional denunciada em 2004, ficou como caso paradigmático dos esquemas de patrocínio típicos da governação.

 

O sistema federal e a pulverização partidária (15 partidos representados no Senado e 28 na Câmara dos Deputados) com diminuta consistência ideológica propiciam a negociação de trocas de favores entre grupos de interesses regionais, estaduais, económicos e confessionais.

 

A lavagem e desvio de dinheiro por parte de membros da direcção da "Petrobras", em investigação desde 2013, passa por financiamentos a empresas e políticos de determinadas percentagens (presumivelmente 3%) dos contratos negociados com a petrolífera.

 

As investigações sobre desvios rondando os 20 mil milhões de reais (mais de 6 mil milhões de euros) saldaram-se em 13 prisões preventivas, 39 acusações, além de investigações a centena e meia de pessoas e mais de 200 empresas.

 

Na lista de suspeitos avultam 18 deputados do "Partido Progressista", bloco de interesses oriundo de fiéis da ditadura militar transmutado em apoiante dos governos do PT e esmagadoramente implicado pelas denúncias de um dos seus: um dos directores da "Petrobras", Paulo Roberto Costa. 

 

Jogo viciado

 

Dois deputados do "Partido do Movimento Democrático Brasileiro", principal aliado de Dilma, e outros tantos do PT figuram entre os suspeitos, enquanto no Senado estão sob investigação quatros representantes do PMDB, três dos PT e três do PP, um do "Partido Trabalhista Brasileiro" e outro do "Partido Social Democrata Brasileiro" num processo que levará anos e se saldará por número incerto de acusações e condenações.

 

Quando entre suspeitos surgem os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, próceres do PMDB, ou João Vaccari, tesoureiro do PT, é sinal de que o processo de negociação será condicionado por outros valores que não a eficácia e legitimidade administrativas e políticas.

 

Dilma, que entre 2010 geriu e tutelou a "Petrobras" dificilmente escapará ao nojo da conivência ou incompetência na cobertura de actos de administração danosa na empresa, e, para já, tem todo o jogo político viciado pelo aperto da justiça a aliados e apaniguados.

 

Entre ajuste fiscal e apertos da justiça algo bem pior do que uma ida ao dentista espera a pouco exemplar elite política brasileira.  

 

Jornalista

 

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